quarta-feira, novembro 08, 2006

LULA, O NOVO CORONEL DO SERTÃO


Antônio Carlos Magalhães sofreu um duro golpe nessas eleições. Pela primeira vez desde que Pedro Álvares Cabral desembarcou em Porto Seguro, o carlismo não fez o governador da Bahia. Pior: o novo governador eleito, o ex-ministro Jaques Wagner, é do PT, seu adversário histórico no estado. Uma derrota completa e humilhante para o velho Toinho Malvadeza.

Como não poderia deixar de ser, os lulo-petistas, afoitos como só eles, apressaram-se em anunciar aos quatro ventos, com o triunfalismo que os caracteriza, o início de uma radiante e luminosa “nova era”. Nisso, foram seguidos por alguns meios de imprensa, comprometidos ou não com o atual governo – somente a mídia pró-Lula, pelo visto, tem direito a ser parcial –, que trataram de reproduzir, em artigos e editoriais, a visão oficialista ou semi-oficialista que proclamou, com toda pompa, o fim do coronelismo e do caciquismo na região.

Quem não está familiarizado com a política nordestina pode até achar que isso é verdade. Mas é claro que é tudo balela. É claro que é mais uma enganação dos lulo-petistas.

Olhemos um pouco mais de perto o mapa do Brasil. Tirando ACM na Bahia, os oligarcas destronados ou eleitos foram todos apoiados pelo lulo-petismo. O caso mais exemplar é o do Maranhão. Lá, Lula subiu no mesmo palanque da representante do clã Sarney, que foi no entanto derrotada – derrota que foi também de Lula e do PT, portanto. No Pará, estado em que o PT venceu as eleições para governador, a candidata petista só ganhou graças ao apoio decisivo do neo-companheiro Jader Barbalho, o homem da SUDAM (lembram?). Em Alagoas, o senador mais votado, Fernando Collor de Mello (sim, “elle” mesmo!), declarou-se lulista de carteirinha. Em outros estados, como Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, os candidatos vitoriosos até posam de esquerda, mas sempre foram ligados a grupos tradicionais da política local. O que há, portanto, não é renovação alguma, mas o mesmo de sempre, apenas com novas caras e nomes.

Já virou lugar-comum dizer que Lula ganhou com os votos dos mais pobres, dos “excluídos”. O que não se diz é que foram esses mesmos votos que sustentaram a boa vida dos oligarcas locais, como Jader Barbalho e José Sarney, por décadas. Lula foi eleito com os votos do Brasil rural, oligárquico, atrasado. Do mesmo Brasil que se acostumou a votar, bovinamente, nos candidatos dos coronéis, dos senhores de baraço e cutelo, em troca de dinheiro ou de um prato de comida. Mais: com base na mesma mentalidade, nos mesmos métodos. Os coronéis de outrora se perpetuavam no poder graças à política de favores e de assistencialismo, atrelando o voto à ameaça do corte dos benefícios à sua clientela, que iam desde o acesso a um açude até uma dentadura. Lula e o PT venceram ancorados nos mesmos subterfúgios. Onde ganharam, como na Bahia, substituíram as oligarquias, mas não mudaram o velho jeito de fazer política. Pelo contrário: tratam de reproduzi-lo. Antes, era o cabresto e a cesta básica. Agora, é o Bolsa-Família.

Não deixa de ser irônico contrastar essa realidade com a que deu origem ao mito Lula e ao PT, quase trinta anos atrás. Naquela ocasião, o PT surgiu como o partido da classe operária, dos trabalhadores das cidades. Com o tempo, tornou-se o partido por excelência dos funcionários públicos e de parte da classe média. Enfim, de setores eminentemente urbanos. Era comum ouvir os lulo-petistas dizerem, com o desdém típico de quem se acha superior ao restante da humanidade, que Lula e o PT venciam nos setores mais escolarizados e mais informados, enquanto os demais partidos – a “direita” –, tinham o voto cativo das áreas mais empobrecidas e ignorantes. Com isso, os lulo-petistas, ao mesmo tempo em que davam corda no mito Lula, cobriam-se com a aura de que representavam o “novo”, o “progresso”, contra o atraso secular do interior. O PT não era só o partido dos trabalhadores e dos moralmente superiores; era também o partido da beautiful people, de gente bonita e inteligente.

Com as eleições de 2006, caiu mais essa máscara dos lulo-petistas. As urnas demonstraram que Lula reina absoluto nos grotões, nas regiões mais carentes e atrasadas, enquanto a oposição fatura os grandes centros e as regiões mais desenvolvidas, como o Sul – onde o PT não levou nenhum governo estadual desta vez – e o Sudeste. De partido das classes trabalhadores urbanas e da transformação social, o PT se tornou o partido do assistencialismo e do conservadorismo. Lula, de líder operário e ex-futuro Lênin brasileiro, virou uma versão rural e apequenada de Getúlio Vargas, um novo pai dos pobres, igualmente messiânico, igualmente demagógico e paternalista, cada vez mais enfronhado na velha politicagem de sempre. É triste.

Sou nordestino. Morei na região até meus 27 anos. Logo – e segundo critério insofismável de verdade científica estabelecido por Sua Excelência em pessoa –, tenho alguma autoridade para falar do assunto. Ao contrário de Lula, porém, não me vanglorio de minhas raízes. Sei que o Nordeste é a região-problema do Brasil, uma área que sofre há séculos com a seca, a miséria e a ignorância, agravadas pela persistência de velhas práticas e de maus hábitos políticos. Região historicamente mais antiga do País, é lá que se concentram nossos vícios de origem, como o clientelismo, o familismo, o patrimonalismo, a crença em líderes messiânicos e de discurso oco. Não por acaso, é lá que está, hoje, a maior base eleitoral do lulo-petismo.

Durante a campanha, Lula afirmou que sua identificação com o Nordeste é algo visceral, “que está no sangue”. Nunca uma frase foi tão verdadeira.

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