quinta-feira, dezembro 21, 2006

LULA E O “CAMINHO DO MEIO”


"Se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela tem problemas. Se você conhecer uma pessoa muito nova de direita, é porque também tem problemas. Então, quando a gente está com 60 anos (...), é a idade do ponto de equilíbrio (...), a gente se transforma no caminho do meio."

A frase acima foi pronunciada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando recebia um prêmio da revista Istoé, em 12 de dezembro. Como não poderia deixar de ser, muitos articulistas, apressados ou de rabo preso, ou ambas as coisas, trataram de anunciar uma mudança de atitude por parte de Lula, como se o atual ocupante do Palácio do Planalto, após décadas de militância no campo esquerdista, estivesse se desvencilhando de seus companheiros ideológicos e tivesse, enfim, alcançado o justo equilíbrio que só a sabedoria vinda com o tempo pode proporcionar.

É óbvio que é mais um auto-engano, mais uma tentativa de engabelar a todos por parte do chefão da quadrilha petista.

Creio que, a essa altura, já está mais que evidente, exceto para quem for totalmente cego, surdo, mudo e aleijado para a realidade, que qualquer afirmação do Presidente do Mensalão (“todos fazem igual”, “fui traído”, “não vi nada”) não vale uma meia pataca do Fome Zero. Mais que isso: traz embutida uma dose cavalar de cinismo e de vigarice política, além da mais profunda indigência mental.

Tentar aparecer como “equilibrado”, como o legítimo representante do “centro”, é mais um truque dos lulo-petistas para enganar os incautos. A principal arma dessa nova intentona contra a inteligência alheia é a política econômica, tocada pelo governo lulo-petista no mesmo ritmo e com os mesmos instrumentos do governo anterior. A um observador menos avisado ou ingênuo poderia parecer que aqui houve uma “evolução”, uma genuína e sincera conversão de Lula e do PT ao mercado e à democracia representativa. Parece, mas não é.

Em primeiro lugar, para que haja conversão, é preciso que haja confissão e arrependimento. Isto significa abjurar a crença anterior, em que Lula e o PT se ancoraram durante mais de 25 anos. Pois bem. Não há, até agora, um único documento oficial em que o PT renuncia, abertamente e sem ambigüidades, à utopia marxista. Tudo o que há é a cínica, cretina afirmação de Lula, feita logo após ser eleito em 2002, e sem nenhum sinal de pudor ou retratação pública, de que a partir daquele momento não faria mais “bravatas”. Ou seja, que tudo que dissera até então, todas as denúncias e promessas, era puro fingimento, era tudo de mentirinha. Sem os imprescindíveis confissão e arrependimento, qualquer conversão, seja do islamismo ao cristianismo ou do comunismo ao capitalismo, não passa de uma farsa grotesca, uma cínica e patética mise-en-scène, um golpe teatral de marketing.

Que a política econômica seja brandida como uma prova de “maturidade” do atual governo é mais uma prova, isto sim, do grau de cinismo e de dissimulação a que chegou a patota lulo-petista. O governo atual não manteve a mesma linha econômica que antes esconjurava por causa de um “amadurecimento” natural, como querem acreditar muitos, mas por absoluta falta de idéias. Para ser coerente com sua frase, Lula teria de deixar de comparecer ao Foro de São Paulo, organização da qual é fundador e que agrupa ditadores e narcotraficantes das FARC colombianas, assim como condenar abertamente a ditadura de Fidel Castro e as estripulias de seus hermanos Hugo Chávez e Evo Morález. Teria que reconhecer que o “caminho do meio”, no qual afirma ter-se transformado, nada mais é do que a social-democracia, corrente política à qual ele e o PT continuam a se opor com todas as forças, negando qualquer associação com seu representante no Brasil, o PSDB de José Serra e Geraldo Alckmin. Teria que abandonar de uma vez por todas as ridículas tentativas de desqualificar seus acusadores, apelando para velhos chavões esquerdizóides e conspiracionistas, que constituem o jeito par excellence pelo qual os lulo-petistas tentam desviar a atenção de suas maracutaias e posar de vítimas das “elites”. Teria que admitir, alto e bom som, que seu partido, o PT, jamais teve uma proposta clara e coerente para administrar o Brasil e que ele, Lula, é o maior mito – no sentido do dicionário, como sinônimo de mentira, de falsificação – que já apareceu em terras tupiniquins. Teria, enfim, que confessar seu total despreparo e de seus acólitos para governar o que quer que seja, assim como sua absoluta irresponsabilidade no passado e incompetência no presente.

Finalmente, ao invocar a idade como fator de amadurecimento ideológico, Lula tentou fazer mais uma graça, aliando filosofia de boteco com insulto à inteligência, no que já se tornou um mestre rematado. Primeiro, porque há petistas de alto coturno, como Marco Aurélio Garcia, mais velhos do que Lula, e que continuam esquerdistas (aqui estou de pleno acordo com a frase de Lula). Segundo, porque Lula não é a pessoa mais indicada para ilustrar a evolução – aqui, sem aspas – de milhares de indivíduos, entre os quais me incluo, que quando mais jovens se deixaram ludibriar pelos slogans esquerdistas mas que perceberam, com a idade e a experiência, que quase entraram numa roubada. Na juventude, ao que consta, Luiz Inácio não era nenhum perigoso agitador comunista, preferindo uma pelada com os amigos à política (ele só se tornaria Lula já adulto, na esteira das greves do ABC paulista, já bem entrado na casa dos 30 anos). Ao contrário de Zé Dirceu e de outros, que ainda pensam estar em 1968, lutando de armas e mensalões na mão contra o imperialismo ianque e pelo socialismo.

O próprio Lula, aliás, em plena época em que era considerado um esquerdista radical, deixou claro para quem quisesse ouvir que jamais se identificou ideologicamente com corrente alguma. Certa vez, perguntado por um entrevistador se seria de esquerda ou de direita, ele respondeu singelamente que não era nada disso, apenas “um torneiro mecânico”. Sua única ideologia é o poder ou, em petistês, o “pudê”. O discurso lulo-petista, na verdade, serve a esse propósito, adaptando-se camaleonicamente à qualquer platéia. A retórica esquerdista, condenada por Lula ao receber o prêmio da Istoé, é retomada quando lhe convém, sendo utilizada como uma espécie de arma de reserva para responder a seus detratores. Experimente, por exemplo, criticar Lula por sua falta (voluntária) de instrução ou a política externa petista por sua condescendência com ditaduras e seu excessivo terceiro-mundismo e você será brindado com uma ladainha de adjetivos retirados de algum compêndio bolchevique, indo do “elitista” e “preconceituoso” até os tradicionais “mente colonizada” e “lacaio do imperialismo”.

Se você conhecer um lulo-petista sincero o bastante para admitir o que está escrito acima, é porque não é lulo-petista. Novo ou velho.

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