segunda-feira, novembro 14, 2011

A USP E A FOLHA



Por Olavo de Carvalho (na Folha de S. Paulo)


Nos anos 1930-1940, quando a USP ainda estava se constituindo administrativamente e o espírito dessa comunidade se condensava na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a luta dos estudantes contra a ditadura getulista expressa o anseio de uma ordem constitucional democrática, como viria a ser proposta consensualmente em 1945 pelas duas alas da UDN, o conservadorismo cristão e a esquerda democrática.

O suicídio de Getulio Vargas e o recrudescimento espetacular do getulismo na década seguinte afetam profundamente a mentalidade uspiana, que, num giro de 180 graus, adere ao discurso nacional-progressista, em que a ênfase já não cai no culto das liberdades democráticas, mas nos programas sociais nominalmente destinados a erradicar a pobreza, ainda que ao custo do intervencionismo estatal crescente.

Surge nessa época o mito da "camada mais esclarecida da população", que, se conferia aos estudantes o estatuto de guias iluminados da massa ignara, ao menos lhes infundia algum senso de gratidão e de responsabilidade.

Nos anos 1960, o nacional-progressismo uspiano transmuta-se em marxismo explícito, com a adesão maciça do estudantado à revolução continental orquestrada em Cuba. As correntes liberais e democráticas desaparecem, só restando, como simulacro de pluralismo, as divisões internas do movimento comunista: stalinistas, trotskistas, maoístas etc.

Nas duas décadas seguintes, a esquerda internacional, sob a inspiração da "New Left" americana (herdeira da Escola de Frankfurt), vai abandonando as formulações marxistas dogmáticas para ampliar a base social do movimento, absorvendo como forças revolucionárias todas as insatisfações subjetivas de ordem racial, familiar, sexual etc., muitas das quais a alta hierarquia comunista condenava como irracionalistas e pequeno-burguesas.

Ao mesmo tempo, no Brasil, a derrota das guerrilhas abre caminho à adoção da estratégia gramsciana, que integra como instrumentos de guerra cultural o "sex lib", a apologia das drogas e a legitimação da criminalidade como expressão do "grito dos oprimidos".

O fracasso do modelo soviético acentua ainda a flexibilização do movimento revolucionário, com o abandono da hierarquia vertical e a adoção do modelo organizacional em "redes".

Bilionários globalistas passam a patrocinar movimentos esquerdistas por toda parte, de modo que rapidamente o discurso agora chamado "politicamente correto" se erige em opinião dominante, inibindo e marginalizando toda oposição conservadora ou religiosa, que se refugia em grupos minoritários cada vez mais desnorteados ou entre as camadas sociais mais pobres, desprovidas de canais de expressão.

Os efeitos desse processo na alma uspiana foram profundos e avassaladores: consagrados como representantes máximos do novo ethos global, os estudantes já não têm satisfações a prestar senão a seus próprios impulsos e desejos.

O jovem radical ególatra, presunçoso e insolente, a quem todos os crimes são permitidos sob pretextos cada vez mais charmosos, tornou-se o modelo e juiz da conduta humana, a autoridade moral suprema a quem o próprio consenso da mídia e do establishment não ousa contrariar de frente, sob pena de se autocondenar como reacionário, fascista, assassino de gays, negros e mulheres etc. etc. etc.

Há quem reclame dos "excessos" cometidos por aqueles jovens, mas a expressão mesma denota a queixa puramente quantitativa, a timidez mortal de contestar na base uma ideologia de fundo que é, em essência, a mesma de deputados e senadores, professores e reitores, ministros de Estado e empresários de mídia -a ideologia de todo o establishment, de todas as pessoas chiques.

A ideologia, em suma, da própria Folha de S.Paulo.

(OC é filósofo e escritor)

sábado, novembro 12, 2011

DE PEQUENOS E GRANDES CORRUPTOS

Esta semana, duas notícias pareceram mostrar que, apesar de tudo, o Brasil está melhorando. A primeira foi a retomada ordeira e sem incidentes, pela polícia, da reitoria da USP, que havia sido invadida e vandalizada por um bando de bebês mimados com saudades da época da ditadura militar. A segunda foi a ocupação, também pela polícia, da favela da Rocinha, a maior do Rio de Janeiro, onde vigorava há décadas a lei do narcotráfico. No plano internacional, outra boa nova foi a eliminação na Colômbia, pelas forças da ordem, de Alfonso Cano, comandante dos narcobandoleiros das FARC, que há mais de quarenta anos enlutecem o país vizinho e exportam drogas e violência para o resto do continente.

Os três fatos estão intimamente relacionados. Os vândalos da USP foram desalojados na operação de reintegração de posse porque - vamos relembrar - queriam a PM fora do câmpus, depois que três maconheiros foram flagrados no local. A mesma "causa" movia os traficantes da Rocinha no Rio, a começar por Nem, o chefe do narcotráfico na favela, preso alguns dias antes da retomada do morro pela polícia. As FARC, nem é preciso lembrar, vivem da exploração de drogas como a cocaína, que exportam para os morros cariocas (diga-se de passagem, ainda não vi, e espero ver um dia, um traficante das FARC ser preso no Brasil, ao invés de receber proteção do governo como "refugiado político", como aquele ex-padre de Brasília). Nos três casos, enfim, uma derrota do banditismo e uma vitória da lei e da democracia.

Das três notícias, a expulsão dos baderneiros da reitoria da USP tem um significado especial. O fato pode significar o começo de uma revolução mental nas universidades brasileiras. Assim como, pela primeira vez em trinta anos, os moradores da Rocinha podem respirar aliviados após a expulsão dos traficantes, e a população colombiana vislumbra a possibilidade de viver em paz sem as bombas e assassinatos dos facínoras das FARC, os estudantes da USP - falo de estudantes de verdade, que estudam, e não dos que estão lá somente para fazer politicagem e fumar maconha - têm a chance, também pela primeira vez em décadas, de se livrarem do jugo ideológico de grupelhos sectários, tão minoritários quanto barulhentos, que seqüestraram a universidade e tranformaram os estudantes em reféns de suas ideologias falidas e totalitárias. Têm a oportunidade, enfim, de retomar a universidade, permitindo que ela exerça o papel para o qual foi criada, que é o de produzir conhecimento. O exemplo poderia frutificar, espalhando-se para as demais universidades. Não seria pouca coisa.

Os grupos que patrocinaram a baderna no câmpus da USP, claro, não aceitarão isso de bom grado. Li que já estão ameaçando com uma greve no ano que vem - para variar, ano eleitoral. É mais um motivo para querer esse pessoal longe das universidades. Entra ano sai ano, e eles sempre dão um jeito de impor sua agenda político-partidária-eleitoral-revolucionária-maconhista sobre os 90% que não compartilham de seus "ideais". Em todas essas situações, deixam claro seu ódio à liberdade e ao pensamento discordante.

Tive a oportunidade de sentir isso na própria pele, mais de uma vez. Em 1998, eu estava terminando o curso de História na Universidade Federal do Rio Grande do Norte quando houve mais uma greve que paralisou por meses a universidade. Assim como ocorreu antes, e ocorreria depois, sempre em ano eleitoral. Eu estava farto de perder aulas por conta das ambições eleitoreiras dos partidos de esquerda, como havia ocorrido em outras greves (eram sempre o PT e o PCdoB, mas havia gente também do PSTU e de outros partidecos de extrema-esquerda), e, embora ainda relutasse em abandonar totalmente minhas ilusões esquerdistas da adolescência, sinceramente não entendia como se poderia atingir o "inimigo" (ou seja, o governo, no caso, o de FHC) e defender uma educação pública, gratuita e de qualidade (era esse o principal bordão dos grevistas) impedindo os alunos de estudarem e passando cola super-bonder nas fechaduras das portas das salas de aula...

Resolvi, então, escrever um texto de protesto, que afixei nos murais dos corredores do setor onde eu tinha aula. Posso dizer, sem exagero, que aqueles textos não duravam cinco minutos, pois eram logo arrancados. Teve uma noite em que eu coloquei o mesmo texto no mesmo mural umas dez vezes: mal eu virava as costas, e uma mão invisível e agilíssima o arrancava, sem dar tempo sequer de alguém ler o que estava escrito. E assim foi por vários dias, até que a greve foi decretada numa assembléia que, desconfio, não reuniu nem 1% dos alunos...

A esse episódio juntou-se outro, em 2000, que já contei aqui. Eu já tinha me formado, e era professor substituto no mesmo curso em que me graduei. Outro ano eleitoral, outra greve. Sabendo dos resultados funestos que mais uma paralisação teria para os alunos, resolvi submeter a decisão de aderir ou não à greve à uma votação nas duas turmas para as quais eu lecionava. Uma delas aderiu ao movimento, decisão que respeitei. Outra, dele decidiu não participar, e continuar as aulas normalmente, o que também respeitei. Mas não foi a mesma a atitude de um pirquete de grevistas (alguns deles, nem estudantes eram), que, chegada a hora da aula, à noite, tentaram me intimidar, depois apagaram as luzes da sala. E falavam em democracia e em ensino público gratuito e de qualidade...

Eu poderia citar outros fatos, muitos, que revelam esse padrão nas universidades brasileiras. Lembro que, certo dia na década de 90, um grupo de militantes de esquerda (não sei se do PT ou do PSTU) tinha armado numa feira universitária um estande com material de propaganda defendendo o boicote ao ENEM, então uma proposta do governo FHC (eram tempos do "Fora FHC"). Tentei puxar conversa com um deles, perguntando por que estava contra a idéia, que me parecia bastante razoável. Ele balbuciou alguma coisa sobre neoliberalismo e privatização, e, vendo que eu não estava ali para assinar o manifesto que tinham feito, e que insistia na pergunta, mudou de conversa e se afastou. Hoje, o ENEM é uma bagunça, graças ao trabalho labrogeiro de Fernando Haddad, provavelmente o pior ministro da Educação que o Brasil já teve em todos os tempos (e que o PT quer ver como prefeito de SP em 2012, vade retro!). Mas, curiosamente, não vejo ninguém na esquerda defendendo um boicote.

O que está acima mostra o seguinte: o que chamam por aí de "movimento estudantil" não existe, é uma palhaçada, feita por e para partidos de esquerda ou extrema-esquerda sem qualquer compromisso com a educação e com os estudantes. Pior: sem nenhum compromisso - nenhum mesmo! - com qualquer coisa que se pareça com democracia e com ética. Assim como os narcotraficantes da Rocinha e os terroristas das FARC, os bichos-grilos fashion da USP estão se lixando para tudo isso, e querem apenas se locupletar. Aí está a União Nacional dos Estudantes Amestrados (UNEA, ex-UNE) para provar.

Digam-me, com toda sinceridade: que diferença existe entre os baderneiros da USP e os petralhas que assaltam os cofres públicos? Qual a diferença entre esses mimadinhos e Orlando Silva ou Carlos Lupi? Eu respondo: NENHUMA! Assim como os ministros corruptos de hoje, os revolucionários pequeno-burgueses da USP vivem de ideologia vagabunda e de parasitar o erário. E que diferença há entre os arruaceiros que invadiram a reitoria e Nem da Rocinha? Tirando o fato de que este último andava armado e mandava incinerar desafetos, nenhuma diferença: tanto um como outro odeiam a polícia e defendem suas bocas-de-fumo. Enfim, são todos feitos da mesma lama (para não dizer outra coisa).

Os "revolucionários by GAP" e de óculos de 500 reais que vivem da mesada do papai são os orlandos silvas e os carlos lupis de amanhã. Aprendem, num movimento que conta com a cumplicidade de alguns professores e jornalistas ideologicamente comprometidos ou carentes de coragem para afrontar o politicamente correto, a arte da corrupção e da impunidade. Não é por acaso que a UNE tenha virado uma correia de transmissão do Palácio do Planalto, e que seus dirigentes sejam oriundos de partidos como o PCdoB. Entre os delinqüentes da USP está, provavelmente, um futuro ministro de Estado.

quarta-feira, novembro 09, 2011

A CRISE DO EURO. E AS BESTEIRAS QUE ESTÃO DIZENDO POR AÍ

Tem assuntos que, de tão manjados, já dá para dizer exatamente o que vão falar a respeito. É o caso da crise do euro, que esta semana pareceu chegar a um ponto culminante, com a idéia aparentemente tresloucada do primeiro-ministro grego, George Papandreou, de convocar um referendo para decidir sobre o pacote de resgate financeiro decidido no dia 27 de outubro com o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Européia (a chamada "troika"), para evitar que o país vá à falência.

A idéia de convocar um referendo para perguntar à população se concorda que o governo corte empregos, aumente impostos e diminua salários e aposentadorias – as condições impostas pela "troika" para liberar uma parcela de 8 bilhões de euros de um empréstimo de 130 bilhões de euros acordado no ano passado e renovado em julho último – é, obviamente, um disparate, e tem mais a ver com a política interna grega, onde reinam a demagogia e o populismo, do que com qualquer verdadeira disposição de enfrentar as raízes da crise e reconduzir o pais ao eixo da racionalidade econômica, num momento em que sua permanência na zona do euro e na UE está em perigo. Mas não é sobre isso que quero falar.

O que me chama a atenção nesses momentos, em que o euro parece fazer água e o exemplo grego ameaça contagiar outros países do bloco europeu, como Itália e Espanha, é a quantidade pantagruélica de besteiras que alguns auto-proclamados "especialistas" começam a despejar por aí, e que passa, nesses dias turbulentos, por sabedoria e racionalidade.

Vejamos a principal linha de raciocínio desse pessoal: segundo os sábios de plantão, a crise grega, como a do próprio euro, seria uma prova (mais uma vez!) da (novamente) falência do (lá vamos nós de novo...) "modelo neoliberal" e da "irracionalidade dos mercados". Esta é a tese favorita (na verdade, a única) dos anticapitalistas empedernidos, que botaram a culpa igualmente nos mercados pela crise americana de 2008 (e na de 1987, de 1973, de 1929, de 1873...).

É a turma do "mais Estado, menos mercado", que parece ainda não ter engolido – e parece que não vão engolir nunca – a derrocada da finada URSS, na qual viam um paradigma de racionalidade econômica (!) e de (não riam!) justiça social (o que, segundo dizem, não existiria no capitalismo).

Quanta bobagem! Quanta besteira!

Fico me perguntando o que esses devotos da estatolatria e inimigos figadais da sociedade livre andaram bebendo para dizer o que vai aí em cima. Culpar o "neoliberalismo" e a "irracionalidade dos mercados" (ou "a voracidade do capital financeiro", como também gostam de dizer) pelo estado lastimável das finanças da Grécia é coisa de quem não consegue enxergar um palmo à frente do nariz, só conseguindo "pensar" em bloco, no modo automático.

Para começo de conversa, a crise da Grécia não é uma crise do setor bancário (como na Islândia e, até certo ponto, Portugal), tampouco o resultado do estouro de uma bolha imobiliária (como nos EUA em 2008), mas uma crise de insolvência, decorrente de décadas de populismo e de gastança irresponsável por parte de um Estado inflado ao máximo. A dívida pública grega, que chega a mais de 160% do PIB do país, saiu do controle por causa não de políticas "neoliberais", mas, exatamente ao contrário, devido a práticas assistencialistas e paternalistas do Estado-protetor, organizado em padrões quase bolcheviques (aliás, o partido que está no poder em Atenas, é bom lembrar, atende pelo nome de "socialista", e seu líder, George Papandreou, é presidente da Internacional Socialista).

Durante décadas, essa crise foi-se gestando, à medida que governo após governo se dedicava a fazer aquilo que os populistas mais gostam de fazer: gastar, gastar muito, para acomodar suas clientelas políticas. Em 2009, a farra acabou, e desde então os que bancavam a festa resolveram cobrar a conta. Sem condições de honrar a dívida, com as contas em frangalhos, o governo grego viu-se obrigado, então, a fazer o que nenhum governo gosta de fazer: adotar medidas de austeridade econômica, obviamente impopulares.

Se existe um país na Europa em que a palavra "neoliberal" é praticamente desconhecida, é a terra de Péricles e de Homero. O Estado grego é mastodôntico, e controla praticamente 70% do PIB do país, cuja economia gira basicamente em torno do turismo e da navegação. Para se ter uma idéia do tamanho da mamata, filhas solteiras de funcionários do governo gozam de pensão vitalícia (!) e a folha de pagamento do Estado grego é tão grande e o descontrole das contas públicas tão generalizado que o governo não sabe sequer quantos funcionários tem – o número é estimado em algo como 700 mil (quase 10 por cento da população, que é de 11 milhões de habitantes), muitos em funções redundantes e irrelevantes. Para piorar, o poder quase absoluto dos sindicatos impede qualquer reforma e deu origem a aberrações, como dezenas de profissões "fechadas", ou seja, vedadas à concorrência interna ou externa, como taxistas, médicos, farmacêuticos e caminhoneiros. Soa como "neoliberal" para você?

Aí vão outros dados importantes: assim como no Brasil, a burocracia estatal é enorme, e as privatizações são um anátema (simples rumores de venda de empresas pelo governo são suficientes para levar milhares às ruas e causar um terremoto político no país). As universidades, todas estatais – a Constituição proíbe universidades particulares –, são de baixa qualidade, e viraram há décadas redutos de agitação política de grupos radicais de esquerda, onde "estudantes eternos" que vivem às custas do dinheiro público dedicam-se a realizar protestos e enfrentar a polícia nas ruas (se você lembrou da USP, acertou em cheio). Para complicar as coisas, a poderosa Igreja Ortodoxa grega (que é, na prática, oficial) não paga impostos, e os milhares de padres são sustentados pelo Erário, com óbvias conseqüências para o equilíbrio das contas públicas.

O sistema político também não ajuda. Desde 1974, quando terminou a ditadura militar, os dois principais partidos do país – o PASOK, socialista, e a ND, de centro-direita – criaram uma máquina político-estatal clientelista de fazer inveja ao PT e ao PMDB. Com a entrada da Grécia na UE, em 1981, e com a adoção do euro em lugar da dracma, em 2000, a brincadeira simplesmente ultrapassou todos os limites, e a corrupção atingiu níveis quase petistas. Em vez de aproveitar o dinheiro da UE para diversificar a economia, o governo preferiu viver de renda. Resultado: as coisas fugiram completamente do controle, enquanto a evasão fiscal aumentava e as estatísticas da economia – para garantir a ajuda dos demais Estados da UE – eram maquiadas. Até hoje não se sabe, por exemplo, quanto custaram as Olimpíadas de 2004 em Atenas (as estimativas variam de 7 a 50 bilhões de euros).

Pois bem. Foi essa situação - hipertrofia do Estado, gastos excessivos, fiscalização deficiente, clientelismo político, populismo desenfreado - o que levou à atual crise grega. É uma crise, portanto, do welfare state keynesiano, e não do "neoliberalismo". Se há uma solução para a Grécia, é menos, e não mais, intervencionismo estatal. É mais, e não menos, capitalismo (ou "neoliberalismo", como queiram – aliás, isso é extensivo a outros países).

Os fatos acima, claro, são e serão ignorados por quem já resolveu substituir o senso crítico pelo pensamento em bloco (neste caso, de cunho antiliberal e anticapitalista - na verdade, mais antiliberal do que anticapitalista). É mais um exemplo de como a ignorância e a soberba costumam andar juntas, encontrando-se no discurso esquerdista. Este, na verdade, só se sustenta atualmente por meio da dissonância cognitiva, como já afirmei: quanto mais desacreditado pelos fatos, mais ele se renova, adiando para a próxima crise o anunciado fim iminente do capitalismo.

Se os devotos do culto marxista e inimigos da liberdade deixassem de lado, por um instante, os slogans e os preconceitos ideológicos e enxergassem a realidade como ela é, teriam a chance de aprender alguma coisa. Mas adianta explicar o que está acima para quem não quer saber? Afinal, para quê investigar, se o culpado já foi escolhido?

O MUNDO SE CURVA AO BRASIL

A foto acima mostra quão concorrida foi a entrevista coletiva de Dilma Vana Rousseff na Reunião de Cúpula do G-20, realizada semana passada em Cannes.

Notem a quantidade de gente que se espreme no auditório lotado de pessoas ansiosas para ouvirem o que tem a dizer a presidente da mais nova potência mundial.

O sucesso foi tão grande que a organização do evento teve até que organizar uma fila do lado de fora, com cambistas e vendedor de pipoca. Fez um show do U2 ou do Roberto Carlos parecer um comiciozinho de subúrbio.

Posso estar enganado, mas acho que o sujeito ali no canto esquerdo é o Obama, ouvindo atentamente as lições da supergerenta sobre governança global e o melhor caminho para alcançar a paz no Oriente Médio. Sarkozy e Angela Merkel estavam tomando notas sobre como acabar com a pobreza e resolver a crise do euro.

Infelizmente, o ângulo da foto não permite mostrar a expressão de enlevo nos rostos fascinados da platéia. Mas pode-se ter uma idéia de como ela ouviu tudo com o maior interesse, saboreando cada palavra da Guia e Mestra. Imaginem a ovação final.

E agora, o que vão dizer os "do contra", esses derrotistas e invejosos, diante desse momento de glória pátria, essa verdadeira apoteose da segunda líder mais importante do mundo desde a criação do Universo (o primeiro, claro, foi o Lula)?

É mais uma prova de que o Brasil realmente cresceu em influência e importância na era lulopetista. Como diria Marilena Chauí, a filósofa-musa do petismo, quando Dilma fala, o mundo se ilumina. Demorou, mas chegamos lá. O mundo finalmente se curva perante a terra de Cabral!

Vejam como o Brasil está bombando lá fora, gente!

Chupa, mundo! Brasil-sil-sil!!!

LULA E A EXPLORAÇÃO DEMAGÓGICA DO CÂNCER

"É tão bom que dá vontade de ficar doente só pra ser internado", disse Lula, com a fanfarra habitual, em um comício-inauguração no ano passado, em Recife. Entre confetes e aplausos da platéia domesticada, ele estava falando de uma UPA, unidade de pronto atendimento, que acabava de inaugurar na capital pernambucana, com ares de quem estava cortando a fita de um hotel cinco estrelas.

No mesmo dia, provavelmente preocupado porque sua escolhida para ocupar a Presidência demorava a emplacar nas pesquisas, Lula sofreu uma crise de hipertensão. Teve, assim, a oportunidade de provar o que dissera horas antes. Aproveitou a chance indo correndo internar-se no Hospital Real Português, um dos melhores do Nordeste. E privado.

Esta semana muita gente se deixou comover com a revelação de que o líder mais importante da História desde Moisés e consultor-geral do mundo tem câncer na laringe. Poucos foram, porém, os que lembraram do fato acima. Assim como poucos foram os que viram qualquer incoerência no fato de o inventor do Brasil Maravilha ter escolhido para tratar-se, em vez de um leito do SUS, o Hospital Sírio-Libanês de São Paulo. Quem o fez foi acusado de “insensível” e – vejam só – de querer “explorar politicamente” a doença de Lula…

É esse tipo de coisa que me convence cada vez mais que está tudo de pernas para o ar no Brasil da era lulopetista. Leio na imprensa elogios à "transparência" de Lula, que, ao contrário de tiranos populistas como Hugo Chávez e Fidel Castro (outros dois acometidos pela moléstia nos últimos anos), revelou logo que tem a doença etc. e tal. A vontade de alguns jornalistas de que Lula seja diferente dos seus dois maiores aliados (um deles, ele não esconde, seu maior ídolo) é tão grande que os leva a esquecer fatos de ontem. Lula está usando a doença, assim como a usaram e usam Castro e Chávez. Usando politicamente. Demagogicamente. Como sempre fez, diga-se.

A doença sensibiliza as pessoas, e Lula sabe disso. Torna-as menos racionais e mais emotivas, portanto menos propensas ao espirito crítico e mais facilmente manobráveis, abrindo uma brecha para a manipulação sentimentalista das emoções do público. É uma tática comum aos grandes atores e também aos canastrões. Em um povo supersticioso como o brasileiro, ainda atrelado ao pensamento mágico, a doença (ou a morte) vira uma especie de álibi, uma licença para não pensar.

A coisa é tão óbvia que me bate até certa vergonha em lembrar: se o enfermo é um político, a doença adquire, inevitavelmente, um aspecto político, ainda que ele não queira (o que não é o caso do doente em questão). Se o político é Lula, vira mais que isso: torna-se mais um tijolo no edifício da santificação. Lula aproveitou sua internação no Sírio-Libanês para pedir apoio à companheira Dilma. A doença pode mudar a vida de alguém, mas não muda seu caráter.

Se há algo que a doença de Lula vem provar, é que não há limites para a demagogia. E a demagogia está no sangue de Lula. É parte indispensável de seu mito pessoal. Não há momento de sua vida que não tenha virado objeto de uma sistemática, planejada, mistificação. Desde a infância pobre em Garanhuns, até a estréia para os holofotes no sindicato, passando pela mãe "que nasceu analfabeta" (e que ele honrou escolhendo permanecer semiletrado, quando poderia ter estudado), as greves, a chanchada da prisão e da "greve de fome" com balas Paulistinha em 1980, a fundação do PT, a passagem apagada e hoje esquecida pelo Congresso Nacional, a oposição ao Real e ao governo FHC, chegando ao show do mensalão e à imposição da sucessora – toda a trajetória de Luiz Inácio, enfim, é uma grande farsa, um conto da carochinha (ou do vigário) a serviço de um culto grotesco de sua personalidade, como demonstra o filme hagiográfico e lacrimoso que fizeram sobre ele. Toda a vida de Lula é um novelão mexicano, que, como escreveu um de seus ex-colaboradores, exala o mau cheiro das mistificações. Com a doença não poderia ser diferente.

É por isso que acho tão engraçado quando vejo tanta gente dizendo-se horrorizada com a sugestão, que ganhou as redes sociais, de que Lula vá se tratar no SUS e não no Sírio-Libanes, como são obrigados a fazer milhões de cidadãos comuns. Ora, nada mais lógico. Desde que passou a faixa presidencial, Lula é, afinal de contas, um cidadão comum, ou não?

Sem falar que, se até os ex-presidentes do regime militar se trataram em hospitais públicos após terem deixado seus cargos, por que Lula da Silva não poderia fazer o mesmo? Afinal, o câncer iguala a todos, certo?

Lula passou oito anos dizendo-se o reconstrutor do Brasil, inclusive na área da saúde. Gastou litros de saliva enaltecendo o “seu” sistema de saúde como o melhor do mundo etc. Agora, em uma hora delicada, perde novamente a chance de provar o que disse. Afinal, sob a era lulopetista, o SUS virou ou não uma maravilha?

Os jornalistas que condenaram a exploração política da doença de Lula como vergonhosa estão cobertos de razão. Só se esqueceram que essa exploração demagógica é feita pelo próprio. Mais uma vez, revela-se que, até no câncer, o Apedeuta é diferente dos demais mortais. Que o digam os sem-Sírio-Libanês.

OS MIMADINHOS DESOCUPADOS

Exemplo de "arte revolucionária" encontrada nas paredes da reitoria da USP: mimadinhos esquerdopatas e delinquentes fazem estudantes reféns de suas ideologias falidas e totalitárias. Democracia neles!


"Violência na USP", é a manchete de vários jornais de hoje, após a PM paulista ter desalojado um grupo que ocupava a reitoria da veneranda universidade. "Estudantes presos", berram em uníssono os meios de comunicação. Os 73 que foram levados de ônibus para a delegacia aproveitam cada momento de exposição na imprensa para denunciar maus-tratos por parte dos policiais. Os pais de alguns deles, assim como alguns jornalistas, vão na onda e botam a boca no mundo contra essa violência etc. e tal. Houve mesmo quem visse na coisa um quê de Ibiúna-1968.

É verdade que houve um ato de violência no campus da USP. Um, não: vários. Nenhum deles foi cometido pela PM.

A primeira violência ocorreu quando um bando de meliantes tentou impedir a prisão de três colegas apanhados em flagrante fumando maconha no campus, ferindo vários policiais e danificando viaturas da PM a pedradas. Uma dupla violência: contra a lei e contra quem é pago pelo Estado para defendê-la.

A segunda violência deu-se quando, logo em seguida, uma turba de delinquentes e arruaceiros, encapuzados e disfarçados de estudantes, resolveu invadir o prédio da administração da FFLCH, transformando-a em QG para berrar slogans esquerdóides de grupelhos sem representatividade no corpo estudantil. Uma violência contra o patrimônio público e contra a racionalidade.

A terceira violência aconteceu quando esses mesmos militontos desrespeitaram a decisão da maioria esmagadora dos estudantes da USP – que têm mais o que fazer na vida e preferem estudar a queimar fumo –, decisão esta manifestada em assembléia, e resolveram invadir tambem o prédio da reitoria, decretando a "revolução". Uma violência contra a democracia (e contra o bom senso).

Finalmente, uma última violência: tentaram transformar a maior universidade brasileira num soviete onde filhinhos-de-papai mimados e com roupas de grife dão vazão a seus delírios esquerdopatas juvenis, impedindo o funcionamento da instituição e o acesso de seus 89 mil estudantes aos serviços da universidade. Uma violência contra a inteligência e o conhecimento.

Se um morador da periferia for apanhado fumando maconha, ele será preso e fichado pela polícia. Se seus amigos resolverem tentar impedir a polícia de fazer seu trabalho e resgatá-lo na marra, vão levar bordoada. Se, além disso, decidirem invadir um prédio publico – digamos, uma escola –, impedindo os alunos de estudar e os professores de darem aula, agredindo jornalistas e exigindo a saída da PM da area, serão considerados, no mínimo, baderneiros e cúmplices do crime de narcotráfico. Assim é no estado democrático de direito, onde a lei vale para todos, sem distinção de cor, raça, ideologia ou conta bancária.

Os remelentos que invadiram a FFLCH e a reitoria da USP – verdadeiras caricaturas de revolucionários, que parecem saídos diretamente do filme Bananas, de Woody Allen – acham que são diferentes. Acreditam que, por terem quem os sustente – pápi, mâmi ou o Estado –, pertencem a uma categoria especial, acima dos demais mortais, e podem fazer o que bem entendem. Acham que estão, enfim, acima da lei. São elitistas, no pior sentido da palavra, e odeiam a democracia.

O que aconteceu na USP foi a desmoralização final de um "movimento" que vive de ideologias falidas e da mesada do papai e da mamãe. Há décadas, as universidades brasileiras foram sequestradas por partidos e sindicatos de esquerda que se dedicam a impor sua agenda antidemocrática à maioria dos estudantes, que tem que aceitar calada esse verdadeiro bullying ideológico. Bebês crescidos, muitos deles com mais de 30 anos, não se contentam em viver às custas do dinheiro estatal e da cumplicidade complacente de professores-militantes semi-analfabetos, que ainda acreditam que estamos no Brasil da época do AI-5, e promovem abertamente a bagunça e a desordem, em nome do sagrado direito de puxar um "beck".

Tive contato na minha época de estudante e também de professor, com esses arruaceiros e vagabundos (e, devo confessar, fui um deles durante um tempo). Mesmo participando de um grupinho sectário de ultra-esquerda, na época, 1994, 95, eu já os via como eles são: um bando de arruaceiros e vagabundos, que não estão nem aí para a educação (a começar pela própria) e só querem saber de zoeira e de fazer proselitismo barato para seus partidos. Mas, pelo menos, esses che guevaras do danoninho ainda não tinham sido estatizados: a UNE, essa inutilidade aparelhada pelo PCdoB, bancava as farras com o dinheiro surrupiado das carteirinhas de estudante.

Hoje, com os cumpanhêru no poder, a UNE virou UNEA (União Nacional dos Estudantes Amestrados), uma repartição chapa-branca dirigida por sorridentes pelegos, sempre a postos para torrar uma grana do governo em festinhas e em organizar, de vez em quando, um protesto a favor. Alguns de seus membros, meio que por inércia, meio que por burrice mesmo, ainda falam em revolução, mas estão mais para bunga-bunga com dinheiro alheio. Intolerantes ao extremo, incapazes de aceitar o pensamento discordante, vivem de intimidar os que deles discordam. E ainda vêm chorar em público, reclamando perante as câmeras da imprensa (a mesma que chamam de “golpista” e “burguesa”) que foram "torturados" pelos cruéis policiais porque, afinal de contas, foram levados de ônibus, e não no carrão do papai... O pai de um deles, membro de um grupo trotskista, chegou a acusar os policiais de terem “desaparecido” seu filho, que estava, na verdade, na casa da mamãe… É ridículo. É patético. E é triste.

Meus parabéns à PM de São Paulo, que, cumprindo ordem judicial, não se deixou intimidar pelas patrulhas ideológicas e deu uma aula de democracia a esses bebês mimados e malcriados, que confundem autonomia universitária com licença para transformer a universidade numa boca de fumo. Já que os pais desses desocupados não lhes ensinaram que é feio cabular aula e puxar um baseado, que aprendam isso com o povo fardado, ou seja: a polícia. Um pouco de borrachada democrática não lhes fará mal.

segunda-feira, novembro 07, 2011

A SEDUÇÃO DO TOTALITARISMO (OU: EXPLICANDO PLATÃO A UM IGNORANTE SOBERBO)

Platão: alguém precisa defendê-lo dos que o citam


Que tal trocar eleições livres, alternância de poder e liberdade de expressão por partido único, censura e repressão política?

Que tal substituir conquistas democráticas que custaram sangue, suor e lagrimas por um Estado-Leviatã todo-poderoso, eliminando as liberdades individuais, em nome, sei lá, de mais segurança?

Que tal escolher viver, em vez de numa sociedade democrática, onde todos podem ascender socialmente e participar dos destinos do país, em uma sociedade organizada como uma colméia ou um formigueiro, dividida em castas?

Que tal renunciar voluntariamente ao status de cidadão para se tornar súdito de um governo totalitário, dominado por uma elite de iluminados, a que seria vedado, para se dedicarem exclusivamente à função de decidir o que é melhor pata todos, o direito à família e à propriedade?

Então, que tal?

É, eu tambem achei uma péssima idéia.

Mas há quem acredite que isso vale a pena. Um leitor chamado Diogo, por exemplo, botou na cachola que a opção acima – uma sociedade rigidamente hierarquizada, em que os direitos individuais seriam inexistentes e todos teriam as vidas tuteladas pelo Estado – é muito superior à democracia representativa. Por quê? Primeiro, porque a democracia seria uma bagunça (ou, como ele diz: um "oba-oba do caralho"); segundo, porque assim diziam Hobbes e Platão, ora!

Já escrevi sobre o dano que pode causar a cérebros adolescentes uma leitura dogmática e superficial dos clássicos. É algo que deveria, a meu ver, ser proibido a crianças e a idiotas. Lembrei agora de um caso que presenciei há alguns anos: certa vez, em uma palestra na universidade em que me formei, uma aluna do primeiro ano de Direito pediu a palavra e perguntou aos palestrantes por que não adotávamos o direito consuetudinário, tal como ocorre na Inglaterra. Provavelmente fascinada pela palavra – como soa bem, “consuetudinário” –, que ela, provavelmente, tinha acabado de ler ou ouvir pela primeira vez, ela parecia acreditar que este seria um modelo superior ao nosso Direito de inspiração romana, o caminho ideal para a solu;ão de todos os nossos problemas jurídicos. Isso foi até um dos professores presentes lembrar, meio constrangido, que não era possível um país adotar, por decreto, o Direito consuetudinário, pois este se caracteriza justamente por ser… consuetudinário, ou seja, baseado nos costumes, e não nas leis…

Lembrei dessa história ao ver a forma como o leitor se apega a Hobbes e a Platão. Principalmente ao vê-lo negar, com veemência, que seu elogio da república platônica signifique defender ditaduras. Basta ler A República, ele diz. Vou dar um pouquinho mais de atenção a ele:

Como já disse no meu comentário anterior (e que você não colocou por preguiça ou alguma má intenção), Platão era contra a tirania (leia o livro TODO e saberá).

Portanto, ao contrário do que você disse, NÃO ME UTILIZO DA "República para defender regimes como a ditadura castrocomunista em Cuba..." MUITO PELO CONTRÁRIO, SOU CONTRA A DITADURA (TIRANIA).

Hummm.... Será? Então vejamos.

Em primeiro lugar, vamos lembrar: a democracia é - felizmente - um sistema imperfeito. Por que digo "felizmente"? Porque sempre que alguém tentou impor a perfeição aos negócios humanos, sobretudo à política, o resultado foi uma pilha de cadáveres. A tendência a viver na irrealidade e em criar mundos onde tudo seria perfeito tem sido a causa de algumas das maiores tragédias da História da humanidade. Aí estão Hitler e Stálin, para dar apenas os dois exemplos mais conhecidos no século XX. Essa tendência se encontra em Platão, particularmente em A República, assim como em Hobbes, em Thomas More, em Tomás Campanella. E, é claro, em Marx e Lênin, servindo de justificativa filosófica para regimes totalitários.

Obviamente, nem Platão nem Hobbes estavam pensando em tais regimes quando elaboraram suas doutrinas, e isso só leva à conclusão de que propor sua aplicação literal na realidade de hoje é um anacronismo fruto de mentes fantasiosas e irrealistas. O fato de a democracia ser imperfeita leva cérebros dogmáticos e juvenis a tentar implantar, de forma acrítica e mecanicista, tal ou qual teoria redentora e salvacionista. O resultado desse tipo de engenharia social, não é preciso ser um especialista para perceber, só pode ser desastroso.

"Ah, mas eu sou contra a ditadura (tirania)", diz o leitor. Eu não duvido que ele seja contra a tirania tal como Platão a via, assim como não duvido que ele seja contra a democracia ateniense do século IV a.C. O problema, que pelo visto ele ainda não percebeu, é que tanto democracia quanto tirania são conceitos que significavam uma coisa na época de Platão, e outra coisa completamente diferente hoje, 2.300 anos depois. A democracia criticada pelo filósofo era um regime escravista, no qual dez mil cidadãos livres escolhiam diretamente as autoridades da pólis. Hoje, há de se convir, as coisas são um tanto diferentes. O mesmo ocorre com tirania – e com ditadura (uma criação, aliás, romana, e não grega). Dizer-se contra a democracia hoje, em 2011 d.C., só pode significar, portanto, duas coisas: ou a defesa da anarquia (o que não é o caso do leitor) ou da ditadura (autoritária ou totalitária). É colocar-se, portanto, a favor de regimes como os de Cuba ou da Coréia do Norte.

É possível que Platão estivesse certo ao desconfiar da cidade-Estado de seu tempo, em particular da democracia ateniense, que considerava decadente e que condenou seu mestre Sócrates a beber cicuta. Mas daí a imaginar que sua teoria da comunidade ideal seja viável hoje em dia – mais: que seja preferível à democracia moderna – é de uma ingenuidade dogmática que beira a insanidade. Corresponde a tentar substituir a química pela alquimia, ou os carros a motor pela carroça de burros. Não é por acaso que do nome de Platão veio o adjetivo platônico – no sentido em que entrou para o vulgo, como sinônimo de utópico ou irrealizável. Ler Platão com as categorias da atualidade é coisa de quem ainda está sujando as fraldas em termos intelectuais. O mesmo vale para Hobbes, que em vida era tratado como um excêntrico, assim como para qualquer outro autor.

Do mesmo modo, também é verdade que Platão era contra a tirania, que via como o resultado da distorsão da democracia (a "excessiva liberdade", de que fala o leitor, que a identifica, de forma bucéfala, com a corrupção dos petralhas), e que identificava como o predominio de interesses individuais sobre o interesse coletivo etc. Daí sua preferência por um regime de tipo aristocrático, guiado pela sabedoria dos reis-filósofos. Numa leitura superficial e dogmática, isso significaria que a democracia seria um regime inferior, e que a melhor maneira de evitar a tirania seria alguma forma de regime autoritário coletivista. Menos por um detalhe: isso era no século IV a.C...

Viu, caro leitor? Não era preguiça minha, não, tampouco má intenção. É só bom senso, mesmo. Algo difícil de achar em ignorantes soberbos. Sem isso, de nada adianta ler uma biblioteca inteira.

É algo tão evidente que até me dá certa vergonha repetir: na democracia representativa moderna, fruto do Iluminismo, a possibilidade de interesses privados se sobreporem aos demais é contrabalançada por um sistema de pesos e contrapesos (checks and balances), que Platão não conhecia, nem poderia imaginar que pudesse existir um dia. Ele jamais ouviu falar, nem poderia, em separação de poderes, representatividade parlamentar e estado de direito, para citar apenas alguns pilares da moderna democracia. Ele não conhecia, por exemplo, Montesquieu. Até porque, para tanto, teria que viajar alguns séculos adiante numa máquina do tempo. Os mesmos séculos que me separam do leitor que acredita que basta aplicar o que Platão escreveu para que não tenhamos corrupção – e que acha, num desafio à lógica mais elementar, que se pode ser contra a democracia, hoje, e não corroborar ditaduras.

É esse sistema, baseado no império da lei e não na vontade dos homens, e que foi aperfeiçoado nos últimos dois séculos, e não o sistema ateniense, que chamamos hoje de democracia. E, em tal sistema, os virtuais excessos são combatidos e dirimidos pela própria democracia, e não pela sua dissolução ou substituição por um regime ditatorial. Infelizmente, isso passou totalmente despercebido ao leitor, que pelo visto acabou de ler Platão e acredita ter achado o Santo Graal.

Para ficar mais claro: como evitar, por exemplo, que a liberdade de imprensa seja usada irresponsavelmente para caluniar outros? ou que a corrupção se alastre? Uma mente infantilizada pelo dogmatismo diria que o jeito é acabar com a liberdade de imprensa e impor a censura, ou fechar o Congresso e decretar a lei marcial. Uma mente liberal, que leu Platão e Hobbes com o olhar do seculo XXI e não dos séculos XVII ou IV a.C., responderia: com mais liberdade de imprensa e com mais democracia.

O leitor, claro, não pensa assim. Para ele, a corrupção, por exemplo, é aliada da democracia, e não sua inimiga. Ele identifica a corrupção como um "excesso de liberdade". Talvez por acreditar que a propria democracia seja um excesso. Enfim, ele é contra a tirania sim, mas só a de Atenas no século IV a.C…

Dizem que o clube mais numeroso do mundo é o dos inimigos das ditaduras de ontem e amigos das ditaduras de hoje. Pelo visto, esse clube não pára de crescer.

domingo, novembro 06, 2011

À MODA STALINISTA

por Roberto Pompeu de Toledo

Pouco antes de jogar a toalha, na semana passada, e entregar a cabeça do ministro do Esporte, Orlando Silva, o PCdoB tentou reinventar seu passado. No programa de propaganda obrigatória que foi ao ar no dia 20, apresentou como emblemas do partido Luís Carlos Prestes, Olga Benario, Jorge Amado, Portinari, Patrícia Galvão (a Pagu), Oscar Niemeyer e Carlos Drummond de Andrade. Era uma fraude similar às operações do programa Segundo Tempo. Dos sete, os seis primeiros pertenceram ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o arquirrival do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O sétimo, o poeta Carlos Drummond de Andrade, não foi nem de um nem de outro. O partido tentava, num programa de TV em que jogava as últimas fichas para safar-se do escândalo no Ministério do Esporte, pegar carona num casal de ícones da história brasileira (Prestes e Olga) e em algumas das mais queridas figuras da cultura do país.

O caso menos grave é o de Oscar Niemeyer, o único vivo do grupo. Apesar de ter sido militante do PCB, já apareceu em programas anteriores do PCdoB, do qual aceita as homenagens. O mais grave é o de Prestes. O PCdoB surge, em 1962, do grupo que, no interior do PCB, discordou da denúncia do stalinismo promovida na União Soviética após a morte do ditador. O PCdoB, com um curioso “do” no meio da sigla, será daí em diante o guardião da pureza stalinista. Os outros são a “camarilha de renegados”. E o renegado-mor, claro, é Prestes, o líder do PCB. No verbete “PCdoB” da Wikipédia, escrito num tão característico comunistês que não deixa dúvida quanto à sua procedência oficial, Prestes é tratado de “revisionista” (insulto grave, em comunistês) e acusado de ter “usurpado a direção partidária”. Também se diz ali que “abandonado à própria sorte, em idade avançada”, Prestes “dependerá de amigos como Oscar Niemeyer para sobreviver”. Eis colocadas na mesma cloaca da história (o comunistês é contagiante) duas figuras que agora o PCdoB alça ao altar de seus santos.

Entre os outros casos de usurpação biográfica, a alemã Olga, primeira mulher de Prestes, foi fiel soldado das ordens de Moscou. Morreu muito antes de surgir o desafio do PCdoB, mas é de apostar que essa não seria a sua opção. Portinari e Pagu morreram, no mesmo 1962 do cisma comunista, ele fiel à linha de Moscou, ela convertida ao trotskismo, portanto inimiga do stalinismo. Jorge Amado na década de 60 já tinha o entusiasmo mais despertado pelo cheiro de cravo e pela cor de canela do que pela causa do proletariado. Em todo caso, sua turma era a de Prestes, o “Cavaleiro da Esperança” que cantara num livro com esse título.

O caso mais estapafúrdio é o de Drummond. Nos anos 1930/1940 ele praticou uma poesia de cunho social e filocomunista. Chegou a colaborar com o jornal Tribuna Popular, do PCB. Mas nunca se filiou ao partido. Cultivou a virtude de nunca ser firme ideologicamente. O namoro com o comunismo, dividia-o com a fidelidade ao Estado Novo, ao qual serviu no Ministério da Educação. No pós-guerra, mitigava o comunismo com a sedução pela UDN do amigo e mentor Milton Campos. Em 1945 votou para senador em Luís Carlos Prestes, do PCB, e para presidente em Eduardo Gomes, da UDN. E, em 1964, apoiou o golpe militar. “A minha primeira impressão foi de alívio, de desafogo, porque reinava realmente, no Rio, um ambiente de desordem, de bagunça, greves gerais, insultos escritos nas paredes contra tudo. Havia uma indisciplina que afetava a segurança, a vida das pessoas”, explicou numa entrevista, transcrita em livro recente (Carlos Drummond de Andrade Coleção Encontros). Agora vem o PCdoB dizer que Drummond foi um dos seus!?

Desconcertante história, a desse partido. A defesa do stalinismo levou-o a festejar o grande timoneiro Mao Tsé-tung e, quando o timão do chinês emperrou, buscar inspiração na Albânia do “Supremo Camarada” Enver Hoxha. Arriscou uma aventura guerrilheira nos barrancos do Araguaia. E, em anos recentes, encantou-se pela UNE e pelo monopólio da carteirinha de estudante, declarou ao esporte um amor insuspeitado em quem associava o partido à figura franzina do patrono João Amazonas (1912-2002) e recrutou, para reforço de suas chapas, jogadores de futebol (Ademir da Guia, Muller) e cantores (Netinho de Paula, Martinho da Vila) em quem nunca se suporia inclinação pela causa da foice e do martelo. Se há uma coisa em que manteve a coerência, é no vezo stalinista. Stalin mandava cortar das fotos dirigentes do partido caídos em desgraça. O PCdoB inclui em suas fileiras gente que lhe foi alheia. Pelo avesso, chega ao mesmo fim de falsificar a história.

sábado, novembro 05, 2011

DEMOCRACIA É PARA GENTE GRANDE

"E, de tanto ler livros de cavalaria, perdeu o juízo". (Dom Quixote)

Estou me divertindo bastante com os comentários que um certo Diogo Dias encasquetou de fazer no blog. Ele acha que a democracia não presta. Mais que isso: acredita que, ao dizer coisas como "cara, não acredito na democracia" e "com certeza, o Estado-Leviatã é melhor", ele estaria emitindo uma opinião que não tem nada a ver com a defesa de um regime político ditatorial. E, para justificar esse seu ponto de vista, ele cita, logo depois de Hobbes, Platão.

Na minha época de professor, deparei com alguns tipos assim. São os chamados ignorantes soberbos - acreditam que, por terem lido um autor (ou a orelha de um livro sobre um determinado autor), são superiores aos demais alunos, que não leram nada. Até aí, tudo bem. O problema é que não raro eles acham que encontraram a chave para a solução dos problemas da humanidade. Não raro, tropeçam no próprio autor, que citam como se fosse o Quinto Evangelho, caindo numa confusão dos diabos. Mas não perdem a pose. Talvez por vaidade. Certamente, por infantilismo.

É o caso do Diogo. Em seu último comentário, ele escreveu o seguinte:

Falta de senso crítico é não ler as obras com atenção. Se você for até a passagem em questão da República de Platão, verá que ele está falando da virada da democracia para a tirania."A liberdade em excesso, portanto, não conduz a mais nada que não seja a escravatura em excesso, quer para o indivíduo, quer para o Estado".

Logo abaixo ele continua: "É natural, portanto, que a tirania não se estabeleça a partir de nenhuma outra forma de governo que não seja a democracia, e, julgo eu, que do cúmulo da liberdade é que surge a mais completa e mais selvagem das escravaturas"(Platão, República, 564a)

É só ler o livro 8 da República com atenção que você poderá comprovar isso que foi citado e muito mais sobre o que ele fala com relação a democracia e a tirania.

O que está acima (há mais no comentário, mas nem vale a pena responder) comprovou minha suspeita de que é inútil tentar argumentar com alguém como o Diogo. Quem cita autores como Platão ao pé da letra para tentar justificar uma opinião contrária à democracia representativa atual - ainda mais com um argumento bucéfalo, que liga democracia à corrupção no governo - está além do alcance de qualquer razão. Pessoas assim não precisam de aulas de Política. Precisam de aulas de Lógica (ou então trocar o remédio).

Como eu disse antes, os trechos acima são um exemplo de uma forma preguiçosa de pensar. É o mesmo mecanismo mental que move os fanáticos políticos e os fundamentalistas religiosos. Para uns, é a Bíblia ou o Corão; para outros, é O Capital - ou A República.

Do mesmo modo que um crente fervoroso acredita que basta aplicar o que está nas Sagradas Escrituras para que todos vivam felizes e em comunhão, há quem acredite que basta aplicar o que está em tal ou qual autor para que tenhamos um mundo ideal, de ordem e tranquilidade. E não importa, para essas pessoas, que os autores em questão tenham vivido num mundo que desconhecia a existência das galáxias e da luz elétrica, 2.500 anos atrás... Do mesmo modo que não importa que existam passagens no Antigo Testamento que defendem, por exemplo, o apedrejamento de adúlteras. Está no livro? Então basta aplicar (ou "basta ler")...

Trata-se, além de uma expressão de preguiça intelectual, de um anacronismo, uma tentativa de interpretar conceitos e idéias fora do contexto histórico em que elas surgiram. Não é preciso ser um especialista para perceber que a democracia de que falava Platão e da qual ele desconfiava não é, evidentemente, a mesma democracia em que vivemos. Não é a democracia em que todos os cidadãos são considerados e tratados como iguais perante a lei, em que vigora a liberdade de opinião e a tripartição de poderes. Não é, enfim, a democracia de 2011, mas a de Atenas em 380 a.C. Tampouco a tirania de que ele fala tem o mesmo significado da que tem no século XXI. Acredito que não preciso explicar por quê.

Isso, claro, não tem a menor importância para mentes como a do Diogo. Para pessoas como ele, democracia e tirania (para não falar em conceitos como totalitarismo) não são coisas reais, mas simples categorias abstratas, idéias retiradas de um livro de Platão ou de Hobbes. Não fazem parte da realidade, nem da História, mas apenas de um debate acadêmico. Tanto que ele chegou mesmo a me desafiar a "derrubar" a teoria hobbesiana sobre o Estado. Como se "derrubar" uma teoria política fosse algo possível, assim como derrubar uns pinos numa partida de boliche...

Diogo não acredita na democracia, nem na de ontem, nem na de hoje. Eu acredito. Mais que isso: acredito que qualquer coisa que não seja a defesa da liberdade individual é um flerte com o totalitarismo, a pior forma de tirania (por exemplo: insinuar uma suposta relação causal entre a democracia e a corrupção, um argumento - repito - bucéfalo). Também acredito que pinçar trechos da obra de qualquer autor e tomá-los como a Verdade Revelada é típico de quem intelectualmente ainda não saiu das fraldas. É coisa de quem tem preguiça de pensar, para dizer o mínimo.

Platão e Hobbes são autores importantes demais para serem seqüestrados por mentes que nem sabem o que desprezam. Já afirmei, teorias são apenas isso: teorias. O que não significa, claro, que não sejam coisas perigosas. Como tal, não deveriam ficar ao alcance de mentes imaturas, tomadas de afã dogmático (e que nem sabem o que isso significa).

O mais engraçado é que o próprio Platão menosprezava os livros, preferindo a uma cultura livresca o método socrático do diálogo. Mas acredito que até isso nosso amigo desconheça. O que é mais uma razão para afirmar que se trata de mais um ignorante soberbo, orgulhoso da própria ignorância.

Como eu disse antes, até poderia ficar aqui discutindo a teoria do contrato social de Hobbes ou debatendo o que Platão quis dizer, frase por frase. Mas não vejo por que fazê-lo, diante de alguém que acredita que ele escreveu A República para defender regimes como a ditadura castrocomunista em Cuba...

Tenho uma sugestão ao MEC: na capa de livros de clássicos da Ciência Polîtica seria bom colocar um aviso - "não recomendável para crianças e débeis mentais". Aí estão comentários como o do leitor acima para explicar por quê. Democracia, assim como os filmes pornô, é para adultos.

terça-feira, novembro 01, 2011

KADAFI E BIN LADEN. OU: EXPLICANDO A DIFERENÇA ENTRE UM LINCHAMENTO E UMA OPERAÇÃO DE GUERRA.

Juro que não sabia que havia tanta viúvas do Bin Laden. Uma dessas criaturas piedosas, sensíveis e humanistas escreveu o seguinte sobre o texto em que esclareço a diferença entre a morte do saudita e a de Kadafi:

Absurdo! Assim como Bin Laden, Kadafi "foi o resultado de uma operação de guerra, não de um mandado judicial".Se defendemos a lei para um devemos defender para o outro. Usar o argumento de que nenhum tribunal o julgaria, no caso de Bin Laden, não é desculpa. Publicar Excluir Marcar como spam

Vamos lá, o mais didático possível:

Kadafi: estava preso e indefeso, sem chance de escapar. Sem falar que havia um mandado de prisão contra ele expedido pelo Tribunal Penal Internacional. Sua morte foi uma execução extra-judicial, portanto ilegal e injustificável, tanto do ponto de vista politico quanto militar e moral. Não foi uma “operação de guerra”: foi um linchamento.

Bin Laden: estava escondido em uma fortaleza em um país teoricamente aliado dos EUA, protegido por militares locais. Morreu de arma na mão. Seu julgamento seria uma impossibilidade prática – cada país atingido por atentado da Al-Qaeda poderia demandar uma ação judicial contra ele, criando um imbróglio jurídico internacional (só para ilustrar: havia uma sentença de morte esperando por ele na Arábia Saudita). Sem falar no óbvio risco à segurança que capturá-lo vivo implicaria (possibilidade de ataques mais intensos da Al-Qaeda etc.). Sua eliminação foi, portanto, uma necessidade militar, um ato de guerra legítimo.

De um lado, um ex-ditador capturado e indefeso, implorando pela vida. De outro, o terrorista mais procurado do mundo, encastelado em sua fortaleza e cercado de guarda-costas dispostos a se matar para impedí-lo de ser capturado. A morte de Bin Laden foi motivo de júbilo e celebração mundial. A de Kadafi, de vergonha. E ainda há quem não veja qualquer diferença. Cegueira ou burrice? Talvez as duas coisas.

As viúvas do megaterrorista podem chorar e lamentar à vontade por ele. Prefiro lamentar as milhares de vítimas que ele fez pelo caminho. E continuo a dizer que, pelo menos no caso de Bin Laden, a Justiça foi feita. Ao contrário do que houve com Kadafi.

Tá bom, né? Mais que isso, só desenhando com lápis de cor.

segunda-feira, outubro 31, 2011

AINDA RESPONDENDO A UMA MENTE DOGMÁTICA. OU: OS EXCESSOS DA DEMOCRACIA SE COMBATEM COM MAIS, NÃO COM MENOS, DEMOCRACIA

E ainda tem quem defenda isso...


De vez em quando, sou obrigado a trocar idéias com cérebros ginasianos, altamente influenciáveis pela última leitura que fizeram. Estou acostumado a esse tipo de coisa desde meus tempos de professor. Lembro que alguns alunos ficavam entusiasmados com certas teorias políticas, ao ponto de querer aplicá-las imediatamente na realidade.

Os mais inteligentes logo percebiam que aquilo era uma canoa furada, e abandonavam esse projeto delirante. Outros, porém, insistiam no delírio, acreditando ingenuamente na possibilidade de ajustar o mundo ao que disse tal ou qual filósofo iluminado em tal ou qual parágrafo de sua obra magna. É uma forma preguiçosa de pensar, típica de mentes adolescentes e dogmáticas.

É o caso de um certo Diogo, que, ao que parece, deve ter acabado de ler O Leviatã, de Thomas Hobbes e, acometido da mesma sensação atordoante que geralmente se tem ao se terminar de ler o livro pela primeira vez, acredita ter encontrado o Graal. Ele está convencido de que o Estado-Leviatã é superior à democracia. Está convencido de que eleições livres, liberdade de expressão e pluralismo político são bobagens e que renunciar a essas conquistas da humanidade em nome de uma suposta proteção estatal é algo razoável. Até aqui eu consigo entender. O que não consigo entender de jeito nenhum é por que ele nega que isso seja defender o totalitarismo.

Diogo escreveu o seguinte (e começou com uma epígrafe de Platão; sabe como é: para dar mais autoridade ao que diz):

"A liberdade em excesso, portanto, não conduz a mais nada que não seja a escravatura em excesso, quer para o indivíduo, quer para o Estado". (Platão, República, 564a)

O problema com a utilização de epígrafes é que elas podem dizer qualquer coisa, dependendo da intenção de quem as utiliza. Sempre procurei ser bem cuidadoso quanto a isso. Retirada de seu contexto, uma epígrafe pode ser utilizada para justificar tudo, até o contrário do que se quer dizer. Eu, se quiser, posso interpretar a frase acima de forma alternativa, por exemplo como um alerta contra os que usam a democracia para destruí-la (os extremistas e os demagogos). No caso, o contexto é a tese do Diogo segundo a qual o a democracia seria um regime inferior, pois padeceria de um “excesso de liberdade”, que se revelaria na corrupção do governo lulopetista (um “oba-oba do caralho”, como ele diz). Conclusão: Platão estava falando do mensalão e da roubalheira no ministério dos Esportes…

Agora que aprendi que Platão, além de filósofo, tinha poderes divinatórios (e que a resposta para a corrupção é acabar com a democracia), vou tentar entender o que o Diogo diz em seguida:

O problema que coloquei, e você não entendeu, não é a liberdade, mas sim o excesso.

Sou obrigado a corrigir o leitor, já que ele não se corrige: o problema, caro Diogo, é sim a liberdade, e não seu “excesso”, como você diz: é essa a questão para Hobbes. A liberdade, para ele, é um bem a que os indivíduos renunciam em troca de segurança, em primeiro lugar. Você acha isso perfeitamente válido nos dias de hoje. Portanto, só posso concluir que a liberdade, para você, é um bem descartável, e não um direito natural e inalienável do cidadão.

Prossegue Diogo:

Você coloca as coisas numa teoria dualista que não posso concordar: se é contra a democracia, então é pró-ditadura. Ou seja, ou se é democrata, ou se é pró-ditadura.

Será que fui eu que coloquei a questão em termos dualistas, como diz o leitor? Vamos lembrar o que ele mesmo escreveu:

“Cara, não acredito na democracia”

“O grande problema, a meu ver, da democracia é sua liberdade exacerbada. Tudo pode nessa porra de governo, um oba oba do caralho!”

“Com toda a certeza o Estado Leviatã é muito melhor”

“Renunciar à liberdade em troca da proteção não é nenhum absurdo”

“O Estado tem total importância dentro da composição do cidadão”

Quem escreveu o que está aí em cima é alguém que nega ter uma visão dualista sobre a democracia. Alguém que diz não acreditar nela, pois esta padeceria de uma “liberdade excessiva” (daí a corrupção dos petralhas, nessa visão distorcida e míope), entre outras coisas. A diferença entre mim e ele é que eu acredito na democracia, e acho-a superior a todos os outros regimes. Ele acha que ditadura é melhor.

Mesmo assim, Diogo diz: “sou contra a democracia, mas não a favor da ditadura”. Sério? Conheço apenas duas alternativas possíveis à democracia: a ditadura ou a anarquia. Anarquista, já sei que Diogo não é, pois ele diz defender o Estado (e um Estado “forte”, o Estado-Leviatã). O que sobra?

Vamos colocar a questão assim: digamos que apareça alguém dizendo-se a favor da ditadura. Do que devo chamá-lo? De democrata?

Agora eu pergunto: as frases acima são de quem é a favor ou contra ditaduras?

Por que o Diogo se nega a admitir seu juizo de valor e, portanto, seu dualismo antidemocrático? Porque leu Platão (com as mesmas lentes com que leu Hobbes):

Platão, na Reública, se demonstra tanto contra a democracia quanto ao seu oposto, a tirania. Segundo seu entendimento, a tirania viria da democracia e, portanto, deveria combater as duas formas de governo.

Sim, Platão tinha um problema com a democracia grega de seu tempo – que ele culpava pela morte de seu mestre Sócrates (e que era bem diferente da democracia representativa atual, mas isso também passou despercebido ao Diogo). Ele preferia um tipo de regime aristocrático. A pergunta é: e daí? Platão tambem era a favor de um tipo de sociedade ideal dividida em castas, como na Índia. Devemos tantar "aplicar" isso também?

Embora o leitor negue, fica claro que ele enxerga na filosofia de Platão uma justificativa para regimes totalitários, como a Alemanha nazista e a URSS. Como, aliás, muitos viram, enxergando em A República uma espécie de utopia precursora do comunismo e do nazismo (e, de fato, pode-se tracar a origem filosófica do totalitarismo a esse livro seminal). Se é esse o caso, aproveito para repetir: sorry, sou pela democracia.

Diogo vai além, e, enxergando um “problema metodológico” nos exemplos que dei, recusa-se a ver qualquer relação entre o Estado hobbesiano e regimes totalitários.

De qualquer maneira, há um problema metodológico em seus exemplos. Aonde é que podemos afirmar que Khmer Vermelho, Fidel Castro ou Ditadura Stalinista são exemplo de uma aplicação prática da teoria hobbesiana? Sabemos que todos esses exemplos fogem (e muito) do que seria a aplicação da teoria hobbesiana da maneira como ele a coloca. E você, como leitor e professor de Hobbes, sabe muito bem disso!

Quando eu lecionava, fazia questão de dizer que teorias são teorias, não fórmulas mágicas que podem ser aplicadas como experimentos sociais. Onde quer que isso aconteceu, aliás, o resultado foi opressão e tirania. Com Hobbes não é diferente. Exatamente por isso, teorias são coisas perigosas, que não deveriam ficar ao alcance de cérebros juvenis: estes são incapazes de perceber a relação entre hobbesianismo e totalitarismo, por exemplo. E terminam negando o óbvio, caindo numa grande confusão.

Eu até me disporia a debater filosoficamente com gente como o Diogo, se ele não tivesse recorrido a um argumento bucéfalo. Uma das maiores lorotas que alguém já inventou é que a democracia favorece a corrupção, enquanto a ditadura a combateria. Isso ocorre porque, com a imprensa livre, os escândalos são mais divulgados, dando a impressão, nas mentes pouco cultivadas, de que se rouba mais na democracia. É um argumento bucéfalo, porque se baseia numa inexistente relação causal entre liberdade política e roubalheira. Além do mais, corresponde a dizer que os petistas, por exemplo, são os maiores democratas que existem, pois são os que mais roubam. Se, mesmo com a vigilância das instituições democráticas, esse pessoal apronta tanto, imagine o que fariam com poder absoluto e imprensa sob censura? Já pensaram se, em vez da VEJA, só tivessemos, sei lá, a Carta Capital?

De todos os motivos que se poderia ter para desprezar a democracia, a crença de que ela padeceria de um "excesso de liberdade" que favoreceria a corrupção é, de longe, o mais idiota, o menos digno de ser rebatido. Basta lembrar da frase de Lord Acton: "O poder corrompe; e o poder absoluto corrompe absolutamente".

Não, Diogo, não concordo que o grande problema da democracia seja o “excesso de liberdade”. Qualquer excesso da democracia é resolvido com mais, e não menos democracia. Do mesmo modo que qualquer virtual excesso da liberdade de imprensa é resolvido com mais, e não menos, liberdade de imprensa, como dizia Thomas Jefferson. Qualquer coisa diferente disso – censura, por exemplo – é flerte com a tirania e com o totalitarismo. Ponto final.

O engraçado é que isso tudo começou, lembrem, porque um energúmeno veio aqui e chamou o tirano Fidel Castro de "herói da humanidade", afirmando que trocaria a democracia por um prato de lentilhas...

A história é bastante conhecida, mas vale a pena repetir: certa vez, perguntaram a Winston Churchill o que ele achava da democracia. Sua resposta foi a seguinte: a democracia é o pior dos regimes politicos, excetuando todos os outros. Assino embaixo.

Enfim, assim como não é possível "derrubar" uma teoria política, não se pode "aplicá-la", ipsis literis. Quando tentaram, o resultado foi apenas terror e opressão (e aí estão Hitler e Stalin para provar). Seria bom, juntamente com a leitura, um pouco de senso crítico e de bom senso. É isso que distingue um estudioso sério de um boçal.

sábado, outubro 29, 2011

A "REVOLUÇÃO MACONHISTA" EM AÇÃO NA USP

Eis o naipe dos invasores do prédio da administração da FFLCH da USP. Notem a faixa ao lado...


Na última quinta-feira, uma turba de baderneiros e delinquentes, militontos de grupelhos de extrema-esquerda associados ao narcotráfico, atacou a PM com paus e pedras no campus da USP, a maior universidade brasileira. Motivo: os policiais tinham acabado de deter três colegas apanhados em pleno ato de queimar um baseado. Em seguida, os vagabundos invadiram o prédio da FFLCH, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, queimaram bandeiras - do Brasil e do estado de São Paulo - e estenderam cartazes pedindo a saída do reitor e da PM do campus. Uma das faixas dizia que os policiais não eram "trabaliadores" (sic), mas o "braço armados (sic) dos exploradores"...

Os delinquentes - que parte da imprensa, sei lá por quê, insiste em chamar de "estudantes" ou de "manifestantes" - acreditam que fumar maconha é parte do currículo acadêmico. Mais: que é um ato libertário e revolucionário, blá blá blá. Naturalmente, eles vêem a PM ccomo a vêem os delinquentes, e se queixam da "opressão" de que seriam vítimas: ou seja, do fato de não poderem acender um cigarrinho de artista sem ter que prestar contas à Lei por isso.

Desde maio, quando um estudante foi assassinado a tiros numa tentativa de assalto dentro do campus, há um acordo entre a reitoria da USP e a PM que concede a esta o direito - na verdade, o dever - de zelar pela segurança no local. Os "estudantes" que agora ocupam a FFLCH não levantaram um giz contra a morte brutal do colega, mas se encheram de fervor revolucionário contra a prisão de três maconheiros nas imediações das salas de aula. Ou seja: matar estudantes para roubar-lhes a carteira, pode; combater o narcotráfico e o consumo de drogas, não. É a revolução maconhista-estudantil em ação.

É inacreditável.

Um bando de desocupados acha que está acima da lei, e que tem o direito de sequestrar a universidade e de impedir, pela intimidação e pela violência, estudantes de estudarem, professores de darem aula e, agora, policiais de prenderem bandidos e combaterem o narcotráfico - e isso é visto por muitos intelectuais e jornalistas (sem falar em políticos de esquerda) como algo "normal" ou, como disse um deputado petista, um "rito de passagem" (!). Rito de passagem para o quê? Só se for para a bandidagem. Aliás, como mostram as fotos, até o visual dos narcotraficantes dos morros cariocas e da periferia os "estudantes" estão imitando. Mas há quem ache lindo jovens (ou nem tão jovens assim) atacando policiais e invadindo prédios públicos pelo sagrado direito de fumar maconha.

O fato é por demais conhecido de todos, mas, por alguma razão, quase ninguém quer tocar no assunto: as universidades brasileiras, a começar pela USP, foram tomadas por um discurso vigarista, essencialmente antidemocrático, que enxerga na defesa da Lei e da Ordem um sinal de "reacionarismo", e na agitação política - que inclui o consumo de drogas ilícitas - um gesto de rebeldia juvenil. Por trás disso estão grupelhos de extrema-esquerda que não têm absolutamente nada a ver com os interesses dos estudantes e dos professores, e que só usam as universidades como locais de agitação política para a divulgação de suas ideologias totalitárias. O mais paradoxal de tudo: geralmente, com slogans "em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade". Fascistas de esquerda, seu compromisso com a educação é nulo. Agora, mostram-se na prática aliados do narcotráfico contra a polícia, que num estado de direito é a democracia fardada. É a aliança narcótico-estudantil...

A zorra na USP reflete essa situação de indigência e de anarquia. Obviamente, a maioria dos estudantes não tem nada a ver nem se sente representada por esses maloqueiros. Estudantes de verdade não têm tempo para esse tipo de besteira: estão ocupados estudando e, em muitos casos, também trabalhando. Os revolucionários do toddyinho e dos sucrilhos que tomaram de assalto a FFLCH e querem ver a PM fora do campus não têm essas preocupações burguesas: não estudam nem trabalham, sendo sustentados por papai e mamãe. Estão lá para agitar, fazer proselitismo barato, jogar pedras na polícia - e fumar maconha.

Não por acaso, a "descriminalização da maconha", como um passo para a liberação total de qualquer substância ilícita, já constitui uma das principais bandeiras da esquerda no Brasil. Trata-se de um pretexto para fazer a "revolução", mediante a afronta à Lei e ao Estado de Direito Democrático. E nada mais do que isso. Aí estão os acontecimentos na USP para provar.

Na verdade, a maconha é a droga mais leve traficada e consumida no campus da USP. Nem de longe se compara ao efeito deletério da vulgata marxistóide e do anticapitalismo primário que passam, naquela e em quase todas as universidades do país, por "ciências humanas". Já escrevi sobre isso: as universidades públicas brasileiras, por força de décadas de hegemonia ideológica esquerdista, há muito deixaram de ser centros produtores de conhecimento e viraram verdadeiras madraçais, onde os talibãs do PCO e do PSTU deitam e rolam, muitas vezes incentivados por professores-militantes mais interessados em fazer política partidária do que em lecionar. E tudo isso estimulados por uma mitologia idiota de "rebeldia estudantil", cultivada por gente que, de tanto fumar Marx e Gramsci, acredita que ainda estamos em 1968 e que estudantes - ainda que sejam estudantes profissionais, que não estudam - são a nova classe revolucionária.

Já passou da hora de enquadrar esses filhinhos-de-papai arruaceiros e irresponsáveis. Que alguém lhes ensine, além de Português, que a Lei também é para eles e que as universidades são locais de cultura e conhecimento, e não de farra. É preciso ensinar-lhes a viver numa sociedade democrática. E, numa democracia, ninguém tem uma licença especial da sociedade para delinquir. Se os pais desses energúmenos não o fizeram, que seja a polícia, então, a lhes dar umas boas palmadas.

AINDA A TENTAÇÃO TOTALITÁRIA - RESPOSTA AO DESAFIO DE UM LEITOR

Ossos de vítimas da ditadura comunista do Khmer Vermelho no Camboja: há quem prefira isso a viver em liberdade


Um leitor, o Diogo Dias, me mandou um comentário curioso. Pegando carona em minha resposta ao anônimo sadomasoquista que afirmou que trocaria a democracia pela promessa de segurança e outras coisas sob um regime ditatorial como o de Cuba ou da Coréia do Norte, ele resolveu enveredar por um debate, digamos, filosófico. E me fez um desafio.

Por coincidência - ou, seria melhor dizer, para azar dele -, já lecionei, durante um tempo, Ciência Política. Lembro que uma das aulas mais concorridas que dei foi sobre a diferença da concepção de Estado nos três autores contratualistas - Hobbes, Locke e Rousseau. Lembro que uma aluna insistiu comigo para que eu declarasse minha preferência por um dos três autores, o que tentei o máximo possível evitar fazer. Limitei-me, pelo que me lembro, a buscar contextualizar as três teorias, da maneira mais didática possível, sendo Hobbes um autor mais ligado ao Absolutismo (o que não é inteiramente verdadeiro: ele não acreditava no direito divino dos reis, por exemplo). Locke, por sua vez, é o filósofo político do Estado liberal moderno e Rousseau, do socialismo e de suas variantes.

Diogo não parece muito preocupado com essas nuances. Em vez de se debruçar sobre elas, ele prefere fazer a apologia da visão hobbesiana, de uma forma que me parece bastante cândida, com uma sinceridade que chega a ser comovente:

Passando por esse blog, não pude deixar de notar a boa discussão que se está levantando acerca da democracia. Cara, não acredito na democracia, mas isso não me faz de esquerda. O grande problema, a meu ver, da democracia é sua liberdade exacerbada. Tudo pode nessa porra de governo, um oba oba do caralho!

O fato de alguém dizer que não acredita na democracia - e que o "grande problema" desta seria sua "liberdade exacerbada" - diz tudo. Eu nem precisaria comentar. Mesmo assim, faço algumas observações.

Em primeiro lugar, não estou "discutindo" a democracia: estou defendendo-a. Para mim, liberdade de expressão, por exemplo, não se discute nem se negocia: é uma conquista da civilização. Trata-se de defendê-la contra tentativas de jogá-la no lixo. Não "discuto" democracia, pois não discuto o direito à liberdade, que para mim é um direito natural. Seria como discutir o direito a pensar ou a respirar.

Diogo diz que não acredita na democracia. O contrário de democracia, sabemos, é ditadura. Esta pode ser de dois tipos: ou um regime autoritário ou, pior ainda, totalitário - uma forma muito mais profunda e funesta de repressão estatal (os dois exemplos conhecidos são o nazifascismo e o comunismo). Não é preciso ser de esquerda para ser antidemocrático, pois há ditaduras de direita. Mas, de qualquer modo, o leitor acabou de dizer que prefere a ditadura à democracia. Ou que acha a liberdade um luxo, sei lá. Creio que não preciso dizer o que penso a respeito.

O leitor afirmou ainda, sem qualquer base que sustente sua afirmação, a existência de uma relação causal entre uma suposta "excessiva liberdade" e a corrupção governamental. Parece ter esquecido, com isso, que é exatamente o contrário: corrupção (ou "oba-oba do caralho", como ele diz) não decorre, provém ou resulta da democracia, mas de sua total deturpação; os desmandos da quadrilha petralha no poder - decorrentes do aparelhamento políticio-ideológico do Estado - são um fator de destruição da democracia, e não sua realização. Não por acaso, os lulopetistas investem tanto contra as instituições democráticas, como a separação dos poderes e a liberdade de imprensa: é que a imprensa livre é uma barreira contra esses desmandos. É nas ditaduras que a corrupção pode florescer com mais impunidade, pois não há quem fiscalize os detentores do poder. Dizer que a roubalheira é resultante da democracia é de uma estupidez atroz; corresponde a culpar a vítima pelo crime.

Com toda a certeza o Estado Leviatã é muito melhor e isso não tem nada com ser de esquerda. Quero ver você derrubar argumentativamente a teoria hobbesiana do Estado Leviatã. Quando você escrever um artigo acadêmico que apresente bons argumentos e consiga provar estes argumentos, daí eu concordo contigo.

Alguém dizer que o Estado-Leviatã (onde o governante tem poder de vida e morte sobre os súditos, e a figura do cidadão é inexistente) seria "muito melhor", ainda por cima "com toda a certeza", é algo revelador da personalidade e da natureza de quem escreve. Nada tenho a afirmar a respeito, a não ser o fato de que sou um liberal, portanto não gostaria de viver sob o tacão de um regime todo-poderoso, com o qual eu teria uma relação de servo para com o senhor. Como escrevi antes, há quem goste de ser dominado; eu, não.

Também como já falei, defender o Leviatã estatal não é exclusividade da esquerda (aliás, falei exatamente isso no meu texto, quando lembrei que há quem suspire de saudades da ditadura militar). Quanto a derrubar argumentativamente a teoria de Hobbes, sinto desapontá-lo, leitor, mas não posso nem quero fazê-lo. Por dois motivos: 1) este não é um blog acadêmico; e 2) academicamente, é impossível "derrubar" a teoria hobbesiana, como é impossível "derrubar" a teoria de Locke ou a de Rousseau. Isso porque, assim como todas as teorias políticas, não se trata de uma teoria científica, demonstrável empiricamente: pode-se comprovar ou não, por exemplo, uma teoria sobre a gravidade ou sobre as estrelas, mas nunca, jamais, uma teoria sobre a origem e finalidade do Estado. No terreno das ciências humanas, pode-se dialogar com autores, mas não "derrubá-los". Isso só é possível nas ciências físicas ou naturais, onde há um grau razoável de certeza. Aristóteles, por exemplo, está completamente superado quanto a suas teorias científicas; mas sua filosofia continua uma referência indispensável. Compreender isso é básico.

Em outras palavras: eu posso concordar ou discordar da visão hobbesiana sobre o estado de natureza e o contrato social; posso concordar com sua visão pessimista da natureza humana e, ao mesmo tempo, apontar o que considero erros e contradições em seu pensamento político; mas daí a dizer que posso "derrubá-lo", ainda mais "argumentativamente", vai uma grande diferença. Tudo o que posso fazer, no terreno das idéias políticas, é afirmar com quais delas me identifico e explicar racionalmente por quê. Eu, por exemplo, prefiro a democracia ao Estado totalitário. Você, Diogo, prefere o totalitarismo. Prefiro a liberdade individual. Você prefere o arbítrio estatal. Ou, dito de outro modo: prefiro eleições livres e pluralismo político; você prefere censura e opressão. Qual das duas opções é mais compatível com o atual estágio da civilização? Melhor: qual dos dois regimes - o democrático ou o autocrático - é mais compatível com a felicidade humana?

Renunciar à liberdade em troca da proteção não é nenhum absurdo como pensa a mente democrata.

É sim, se se é democrata. E mesmo do ponto de vista da segurança: em geral, regimes totalitários não dão nem uma coisa nem outra. Os regimes comunistas, por exemplo, mataram 100 milhões de pessoas no século XX. Gostaria de saber que segurança houve para as vítimas.

O Estado deve dar ao cidadão segurança, saúde, educação, moradia e tudo mais que se possa esperar do Estado. Ou você vai me dizer que somos seres autônomos, que o Estado é inútil e que só deve existir para preservar a economia? Ou, seguindo suas palavras, depois dos seis anos nos libertamos do Estado e nada mais deve ser por ele garantido. Isso é pura falácia! O Estado tem total importância dentro da composição do cidadão e Hobbes sabia disso. Portanto, te desafio, de maneira argumentativa, a romper com o contrato social!

Segurança é dever do Estado, segundo a teoria liberal clássica. Quanto à saúde, educação, moradia "e tudo mais que se possa esperar" (o que seria isso?) só é dever do Estado segundo a visão rousseaniana, que deu origem ao socialismo moderno (nem Hobbes falava sobre isso, a não ser obliquamente). Gostaria de saber o que o leitor entende por "seres autônomos"; estaria ele se referindo à autonomia individual perante a sociedade e o Estado, defendida por Locke e J.S. Mill? Nesse caso, estou de acordo com eles: o fato de o Estado prover segurança, justiça e defesa nacional (suas três funções clássicas, ou "mínimas" - que curiosamente, o mastodôntico Estado brasileiro não cumpre direito, como quase tudo o mais) não retira do cidadão sua autonomia em matéria econômica, intelectual ou espiritual (se ele crê em Deus ou não, por exemplo). A menos, claro, que a pessoa seja um defensor do totalitarismo.

Há ainda um erro de lógica no comentário: se o Estado, segundo a concepção liberal-democrata (que eu defendo) seria "inútil", então não poderia, por definição, cuidar da economia: deveria cuidar de coisa nenhuma. Melhor dizendo: deveria desaparecer. Mas isso não seria mais liberalismo, e sim anarquismo. Estou em outra, como qualquer pessoa razoalmente inteligente pode perceber com facilidade ao ler este blog.

Mais dois erros: um, de interpretação e outro, de concepção. O de interpretação: não falei que, depois dos seis anos de idade, "nos libertamos do Estado e nada mais deve ser por ele garantido" (!). Primeiro, porque aos seis anos de idade ninguém tem discernimento para se libertar de nada: nem da família, nem do Esrado. Segundo, porque o Estado deve garantir - é o que diz a tradição liberal - os direitos individuais do cidadão, como a liberdade e a propriedade (que são inseparáveis). Portanto, o leitor me atribuiu uma falácia impossível. Talvez porque pense com as categorias que usamos quando temos seis anos de idade.

Outro erro, de concepção: o autor me desafia a romper com o contrato social (!). Ora, eu não poderia fazê-lo, nem se quisesse: contratos sociais, sejam de que tipo forem, não podem ser rompidos, a não ser por uma revolução. Um indivíduo, que dele faz parte, é incapaz de romper com ele. No caso do contrato social hobbessiano, o contrato, ou pacto, é firmado entre os indivíduos que aceitam renunciar à liberdade individual em nome da segurança e da esperança de uma vida melhor. Trata-se de um esquema filosófico, não de um pacto concreto. Como eu poderia "romper" com algo assim?

Romper com a Lógica, isso sim, eu poderia fazer. Mas desconfio que, ao colocar a discussão nos termos acima, o leitor já fez isso.