quarta-feira, fevereiro 02, 2011

EGITO: O QUE ESTÁ EM JOGO (E AS BESTEIRAS QUE ANDAM DIZENDO POR AÍ)


Parece um manifestante pela democracia para você?

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Antes de tudo, é preciso deixar bem claro: Hosni Mubarak, o presidente do Egito, é um ditador. E, como todas as ditaduras, a sua é desprezível. Ele se mantém no poder há 30 anos, em eleições fraudadas, existe censura à imprensa e a oposição é duramente reprimida. Além do mais, é um ditador incompetente: seu governo falhou miseravelmente em garantir boas condições de vida para a população, razão pela qual ela está saindo às ruas pedindo sua renúncia. Mubarak é um déspota, um tirano. É mais do que chegada a hora de o Egito ser uma democracia. Democracia e direitos humanos são valores universais e inegociáveis. Ponto.

Visto isso, vamos agora ao que está passando despercebido na cobertura da atual onda de protestos e manifestações que, começando na Tunísia (onde o ditador de plantão já foi posto para correr), espalhou-se por vários outros países do Norte da África e do Oriente Médio.
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Em primeiro lugar, alguém aí prestou atenção em quem está à frente das manifestações? Ou, melhor dizendo: alguém aí já se deu conta de quem é hoje a maior força de oposição no Egito à ditadura de Mubarak? Se não sabem, eu vou explicar.

A principal força de oposição ao regime egípcio é a Irmandade Muçulmana. O que é a Irmandade Muçulmana? É uma organização terrorista islamita criada nos anos 20 e que deseja transformar o Egito – e os demais países da região - num Estado islâmico, onde imperaria a sharia, a lei muçulmana. A Irmandade Muçulmana serviu de incumbadora para várias outras organizações terroristas islamitas. Uma delas, o Hamas, tomou o poder em 2007 na Faixa de Gaza, após vencer as eleições no ano anterior. Imediatamente, todos os seus opositores políticos foram passados a fio de espada. Assim como o Hamas, a Irmandade Muçulmana deseja destruir Israel. Assim como o Hamas, a Irmandade Muçulmana odeia a democracia. Preciso dizer o que aconteceria se o Egito, o país árabe mais populoso (80 milhões de habitantes) e, ainda por cima, uma potência militar, caísse nas mãos dos fanáticos da Irmandade Muçulmana?

Não há dúvida de que as manifestações no Cairo pela renúncia de Mubarak trazem, em si, a esperança de democracia, algo que o Egito jamais conheceu em sua história milenar. Mas, ao mesmo tempo, há nelas um cheiro forte de Teerã-1979. Existe o perigo real de o Egito se tornar um novo Irã. A se julgar por muito do que tenho lido e ouvido nesses últimos dias, eu diria mesmo que o risco é bastante real, é mais real do que nunca.

Nessas horas, sempre aparecem vozes oportunistas que batem na surrada tecla: "É tudo culpa dos EUA" (notem que dizem "dos EUA", e não "de Obama"...). Isso porque Mubarak é aliado dos EUA, de quem recebe vultosa ajuda militar. A associação é instantânea nos cérebros adolescentes, para os quais o antiamericanismo é uma espécie de religião, uma senha capaz de explicar o universo: "se ele é aliado dos EUA, e se ele é um ditador, então os EUA são responsáveis pela ditadura" etc. Melhor dizendo: o Egito só é uma ditadura porque os EUA querem etc. etc.

Já ouvi vozes ditas respeitáveis repetirem essa bobagem, arrotada por gente do naipe de um Fidel Castro ou de um Hugo Chávez (que aproveitaram, aliás, para tirar uma lasquinha da crise no Egito, posando de democratas [!] e culpando – adivinhem quem – os EUA pela crise...). Inclusive aquele que está sendo apontado como o principal líder da oposição a Mubarak, o ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica Mohamed El-Baradei, já deu mostras de que assina embaixo desse discurso vigarista - ele parece ter adotado a retórica nasserista do passado, e tem feito acenos à Irmandade Muçulmana (com quem anunciou ter feito um acordo, meu Deus do céu!). Pois bem. Basta uma rápida olhada na história recente do Egito para desmontar mais essa farsa.

Em primeiro lugar, se alguém é responsável pelo fato de o Egito ser hoje uma ditadura, certamente não são os EUA, nem a antiga potência colonial, a Grã-Bretanha, mas os próprios egípcios. A rigor, o Egito é uma ditadura militar desde 1952, quando um golpe derrubou a monarquia do rei Faruk e deu início ao governo ditatorial de Gamal Abdel Nasser. Sob Nasser, um virulento nacionalismo pan-árabe e anti-Israel deu o tom da política interna e externa do país - o Egito fechou o canal de Suez em 1956, provocando uma guerra contra Israel, Reino Unido e França, e foi fragorosamente derrotado em 1967 por Israel na Guerra dos Seis Dias. Após a morte de Nasser, em 1970, seu sucessor, Anuar Sadat, atacou Israel em 1973 (a Guerra do Yom Kippur). Rechaçado no campo de batalha, percebeu que era impossível destruir Israel pelas armas e fez a única coisa sensata que um governante árabe pode fazer: assinou um acordo de paz com Israel em 1978, o que lhe rendeu um prêmio Nobel da Paz. Por esse motivo, em 1981 foi assassinado por terroristas islamitas em uma parada militar no Cairo. Seus assassinos eram membros da – adivinhem - Irmandade Muçulmana (um dos que foram presos acusados de participarem da conspiração para matar Sadat, um certo Aiman Al-Zawahiry, é atualmente o número dois da Al Qaeda de Osama Bin Laden). Desde então, Mubarak tem governado com mão de ferro, já tendo escapado de um atentado em 1996.

Mesmo assim, um idiota do antiamericanismo de espinhas na cara poderia dizer: "Ah, mas os EUA apóiam a ditadura de Mubarak com armas e dinheiro; isso mostra que esse papo de defesa da democracia é balela, que eles não defendem a democracia coisa nenhuma" etc. Eu respondo: e o que você esperava que eles fizessem, cara-pálida? Deixar a Irmandade Muçulmana tomar o poder? Pensem bem: uma ditadura do mundo árabe, coalhado de ditaduras, decide ser sua aliada. O que você faria? Derrubá-la, como fizeram com a ditadura de Saddam Hussein no Iraque? É, existe essa opção. Mas peraí: isso não seria uma intervenção externa, "imperialista"? Além do mais, que grupo terrorista-genocida é financiado pelo Cairo?

Não resta dúvida de que o regime de Mubarak é despótico e cruel, assim como despótico e cruel era o regime do Xá do Irã, Rehza Pahlevi. Mas acredito que ninguém com o juízo no lugar e em pleno domínio de suas faculdades mentais trocaria uma ditadura laica e aliada do Ocidente por uma teocracia islamita. Em 1979, muitos dos que saíram às ruas pedindo a cabeça de Rehza Pahlevi no Irã acabaram fuzilados ou enforcados apenas alguns meses depois pela polícia política dos aiatolás. É provavel que o mesmo aconteça no Egito, caso a razão - e a democracia - dê lugar às legiões do ódio e do fanatismo.

Desmentindo a máxima tiririquiana, no Egito, pior do que está, pode ficar sim. Basta a Irmandade Muçulmana chegar ao poder. Nesse caso, podem ter certeza: muitos dos que hoje estão nas ruas protestando vão sentir saudades de Hosni Mubarak.

5 comentários:

Anônimo disse...

Nossa ! Parabens pelo texto. Foi bem racional e nao saiu defendendo ngm.
A situacao no Egito e bastante delicada . Nos do ocidente ficamos torcendo por uma real democracia !

Anônimo disse...

Mas..
Se vc peceber, indiretamente (pois, ele não falou com todas as letras) Obama quer que o ditador do Egito deixe o poder...
No fundo, deve está morrendo de medo do que vem por aí...

Pereira disse...

Agora você está numa bela sinuca. Ou apóia Mubarak, um ditadura ou apoia a reinvidicação popular, mesmo que islâmica. Se escolher por Mubarak fica óbvio para mim e os demais leitores deste blog que você possui uma tendencia totalitária (ao contrário do que vem dizendo) e uma atitude contra o Islã e os religiosos mulçumanos.

Mauro Babinski disse...

Parabéns pelo texto !
Uma ótima reflexão sobre esse paradoxo.

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto!
depois de 4 dias conseguirei ir ao banheiro por causa dele!

de onde surgiu essa raiva toda dos muçulmanos?