segunda-feira, dezembro 08, 2008

TRÊS TIPINHOS ORDINÁRIOS

De uns tempos para cá, ao fustigar os esquerdinhas, jornalistas como Reinaldo Azevedo têm contribuído para enriquecer o vocabulário da língua portuguesa. São dele tiradas preciosas e alguns neologismos impagáveis, que dão a impressão de surgir quase naturalmente, como "petralha" - mistura de petista com os Irmãos Metralha, com desvantagem para esses últimos -, "esquerdopata", "esquerdiota", "tontons-maCUTs" - os sindicalistas homiziados no cleptopetismo no poder - e, ainda, "Apedeuta" ou "Babalorixá de Banânia", para se referir ao chefe de todos, o Molusco de língua presa e fílósofo da marolinha que virou tsunami, que virou, por sua vez, uma diluviana diarréia.
.
Pois bem. Como não poderia ficar de fora, também tenho cá a minha modesta contribuição ao léxico da política nacional. Não sei se alguém já o fez em meu lugar. Refiro-me a três tipos bem ordinários e vagabundos que há tempos nos atormentam, com sua pinta romântica de bons-moços e de santarrões sem pecha nem mácula, e que já se converteram numa verdadeira praga bíblica, dessas de deixar as sete pragas do Egito no chinelo. Eis uma breve definição de cada um deles. Leiam e depois me digam se eles não são umas baratas: estão em todos os lugares.
.
O primeiro tipo é o menos numeroso, mas o mais barulhento e irritante de todos. É o militonto, o militante tonto de causas idem. É o petista ou comunista de carteirinha, folclórico, do tipo que adora vestir camiseta vermelha com a estampa de uma estrela ou da foice e do martelo e que prega adesivo do Partido no vidro do carro. Extremamente idealista, é facilmente encontrado em sindicatos, principalmente os vinculados à CUT, e nas universidades, geralmente públicas, tanto do lado de lá quanto do lado de cá dos bancos escolares, embora não se mostre muito afeito aos estudos. Prefere agitar bandeiras e gritar slogans contra o "neoliberalismo", a "globalização" e os EUA, mas não costuma dispensar um bom celular ou uma roupa de grife (se for sindicalista, é geralmente apreciador de um bom uísque escocês).
.
Apesar de seu anticapitalismo, o militonto é bastante ligado à moda também: vez ou outra é visto desfilando com uma camiseta muito fashion de Che Guevara, aquele que gostava de fuzilar sem piedade. Sem perder a ternura, claro. Em geral, é gente de certas posses, embora pretenda falar em nome dos pobres e excluídos. Talvez por isso, seja adepto fervoroso da religião do pobrismo e do coitadismo ("ah, como é bela a pobreza, como é autêntica..."). Altruísta, é bastante caridoso, um defensor intransigente da distribuição de renda - principalmente se for com o dinheiro alheio.
.
Como sói acontecer em certas seitas, o militonto costuma expressar-se por meio de uma linguagem própria, que em alguns casos lembra o português, principalmente na forma como trata seus assemelhados, chamando-os, invariavelmente, de "companheiro" ou "camarada". Se você crê, como José Saramago, que Marx tinha razão e que a humanidade - menos você, claro - não merece viver, então pode ter certeza: você é um "companheiro" ou "camarada". Todos os demais, que ainda defendem coisas como a democracia e a liberdade de pensar, são uns alienados e canalhas da pior espécie, lacaios do imperialismo e porcos direitistas; deveriam estar debaixo de sete palmos de terra, comendo capim pela raiz.
.
Outro ambiente em que o militonto é facilmente encontrado são as ONGs, principalmente aquelas dedicadas a causas do bem, genuinamente pilantrópicas, abastecidas com dinheiro público. Acima de tudo, ele faz questão de estar presente em qualquer "movimento social" que erga a bandeira das "minorias" (negros, índios etc.), ecologistas (onde também atendem pelo apelido de ecochatos), feministas, gays etc., com amplo trânsito nos jornais e nos meios artísticos e "intelequituais".
.
Atualmente aboletado no governo, em geral em algum cargo comissionado, o militonto geralmente não vê problema algum em usar os mesmos métodos de seus adversários "de direita", antes por ele tão condenados, já que todos os meios são válidos se são para o bem da revolução e da classe trabalhadora. Mas toma o cuidado de livrar a cara do mandante-mor, blindando-o contra qualquer engraçadinho que quiser chamar-lhe à responsabilidade, e atribuindo todas as acusações de corrupção a uma conspiração das elites e da mídia - ainda que quase toda ela esteja em seu bolso, literalmente - para desestabilizar o melhor governo da história da humanidade.
.
Dono de uma fé absoluta e de uma certeza inabalável na justeza de sua causa, o militonto vê a si mesmo como um herói e um grande humanista, o paladino da ética e da virtude - mesmo que, para atingir seu objetivo, atire a ética e a virtude pelo ralo. Os mais extremados dentre os membros dessa fauna - sempre há uns mais radicais do que outros, num processo centrípeto sem fim - costumam denunciar seus ex-companheiros, considerando a corrupção um "desvio de rota" da ideologia original, supostamente pura e imaculada - coisa "de direita", enfim. Assim, "racham" e formam novas siglas, que, não considerando a sigla-mãe suficientemente esquerdista, apenas repetem a trajetória daquela de onde vieram, num processo de metástase.
.
Messiânico, o militonto faz uma distinção entre o "legal" e o "legítimo", defendendo o "Direito achado na rua". Assim, não mede esforços para colocar um figurão na cadeia e fazer justiça, ainda que à custa da própria Justiça. Não raro, enxerga a Lei como um obstáculo, e não como um instrumento ("um mero pedaço de papel"), a serviço do que considera ser a verdadeira justiça - ou seja, aquilo que considera os verdadeiros anseios da sociedade, dos quais se diz o legítimo porta-voz e cumpridor implacável. Crê que pensar criticamente é falar mal do capitalismo e elogiar o socialismo. Adora falar em democracia e em direitos humanos. Menos em Cuba e na Coréia do Norte.
.
O segundo tipo, mais numeroso que o primeiro e menos do que o terceiro, mas nem por isso menos importante, é o simpatizanta, o simpatizante anta. Não é radical como o militonto, mas endossa todas as suas atitudes. Não sendo abilolado o suficiente para pertencer à primeira categoria, nem cara-de-pau o bastante para ser do outro tipo, prefere o meio-termo. Na verdade, é um militante envergonhado, que não quer se comprometer, adotando uma posição bastante cômoda, oferecendo apoio na retaguarda. Atua como o torcedor que prefere assistir ao jogo em casa, com cervejinha e em frente à TV, longe da agitação da geral, para não correr riscos.
.
Geralmente, de forma inconsciente, o simpatizanta torce pelo PT e pela esquerda, ou melhor, contra o DEM e o PSDB, não porque se identifique plenamente com as teses esquerdistas, mas porque teme passar por "direitista" ou "reacionário" na roda de amigos, quase todos eles também de esquerda ou simpatizantas como ele. Acredita piamente que a esquerda é o lado do bem e do justo e que seu apoio tácito a ela não é um compromisso com mensaleiros e aloprados. Geralmente um bom sujeito, do tipo que tem muitos amigos, seu maior medo é passar por chato ou inconveniente. Sua maior ambição na vida é ser reconhecido como uma boa pessoa e seguir a multidão, que para ele está sempre certa. Antigamente, era chamado de "inocente útil".
.
Finalmente, o terceiro tipo: o equilibesta, ou filósofo do equilíbrio, ou radical da isenção. Filho dos tempos pós-modernos, é o tipo mais numeroso de todos, e constitui a maioria nas redações dos grandes jornais e demais veículos de imprensa. Também conhecido como "nem-nem", por basear sua visão de mundo na expressão "nem com fulano, nem com beltrano", adota como filosofia de vida o isentismo ou nenhumladismo. É o eunuco da política: se o militonto é conhecido por suas certezas absolutas e inabaláveis, o equilibesta cultiva a dúvida constante e o relativismo. Ou seja: diante de um fato ou de um personagem polêmico, temendo passar por fanático ou intolerante, ele prefere não tomar posição e ficar em cima do muro, colocando-se a favor nem de um lado, nem do outro. Dito de outro modo: seu lado é não ter lado algum. Ou: sua posição é não ter qualquer posição. Em outras palavras: o equilibesta não é contra nem a favor, muito pelo contrário. Tudo em nome da análise fria e objetiva, pautada pela mais científica isenção e pela imparcialidade salomônica.
.
Com isso, bancando a Suiça, o equilibesta acredita adotar uma postura o mais possível livre de preconceitos e paixões ideológicas, esperando pairar acima da própria realidade. O que não o impede de se perfilar, quase sempre, ao lado da esquerda. É o que acontece, por exemplo, quando se revela horrorizado com a invasão do Iraque pelos EUA ou com os mortos por Pinochet no Chile, enquanto silencia ou tenta mostrar-se neutro diante da agressão da Rússia à Geórgia ou de ditaduras como a dos irmãos Castro em Cuba. Tudo em nome da moderação, claro.
.
Geralmente um indivíduo com certo nível intelectual, que lê bons livros e escuta bons discos, dono de gostos artísticos e estéticos, sobretudo musicais, bastante sofisticados, o equilibesta adora detonar o Bush e seus aliados, culpando a eles e ao "imperialismo do Ocidente" pelo terrorismo da Al Qaeda e das FARC. Obcecado por ser isento e orgulhoso de sua própria imparcialidade, que confunde com neutralidade e justiça, tem verdadeiro horror a tudo que lhe pareça partidarismo. No entanto, jamais se viu nenhum deles condenar com a mesma veemência os mais de 100 milhões de mortos pelo comunismo no século XX, pelo menos da mesma maneira como condenam e denunciam os crimes, reais ou não, do "capitalismo" e da "direita". No máximo, afirma a equivalência moral entre comunismo e nazismo, esquecendo-se que este último, ao contrário do primeiro, jamais se proclamou um novo humanismo, assim como da quantidade de vítimas, bem maior no caso do comunismo. Se estivéssemos na década de 30, o defensor do equilíbrio e da eqüidistância estaria a favor da neutralidade entre Churchill e Hitler, ou entre Roosevelt e Mussolini. Tentaria achar um juste milieu, certamente, até entre o Gulag soviético e os fornos crematórios de Auschwitz. Proclamaria a impossibilidade de tomar uma posição a favor da democracia ou do totalitarismo e iria dormir.
.
Do mesmo modo, o equilibesta defende a equivalência moral entre o terrorismo islamita e aqueles que o combatem, como Israel e os EUA. Imparcial, acredita que o ódio que os fundamentalistas islâmicos cultuam contra o Ocidente é culpa do próprio Ocidente, sem se importar com o fato de que isso equivale praticamente a culpar as vítimas pelos atentados. Considera irracional e truculento qualquer um que aponte a diferença entre quem faz pessoas inocentes em pedaços em explosões destinadas intencionalmente a fazer o máximo possível de vítimas e corta cabeças de inimigos por não terem a mesma religião e quem, por sua vez, usa a força para punir os responsáveis por atrocidades desse tipo e, no caminho, faz vítimas de forma não intencional. Ou entre quem rouba desbragadamente em benefício próprio e quem rouba dizendo fazê-lo em nome de altos ideais humanistas. Ignora que, diante da morte e da mentira, não fazer nada já é tomar uma posição. Mesmo assim, defende com unhas e dentes a neutralidade entre a corda e o pescoço, entre a bala e o peito. Por trás disso tudo, é fácil perceber, o que existe é apenas o medo elementar de fazer escolhas morais.
.
Os três tipos acima citados se complementam, um não existiria sem o outro. Não haveria militontos se não houvesse os simpatizantas, nem equilibestas, para lhes dar corda. E vice-versa.
Os três tipos .
Esse é um pequeno mostruário de alguns tipos que já se tornaram dominantes entre nós. Podem-se encontrá-los com facilidade em qualquer lugar, em qualquer conversa: no trabalho, nas escolas, nas igrejas, nas festas de fim de ano, nos batizados, nas mesas de bar. Esses três tipos, além dos oportunistas de sempre, compõem a base de apoio do atual governo do Brasil.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom, muito bom mesmo. As novas palavrinhas são ótimas! Já incorporei ao meu vocabulário....
beijinhos.