Há duas maneiras de interpretar o gesto do jornalista iraquiano que atirou os sapatos contra o presidente George W. Bush ontem, em Bagdá. A primeira, que se está impondo como a única, é o óbvio ululante: Bush é impopular também no Iraque, e o tal sujeito que arremessou os sapatos contra ele estava expressando aquilo que milhares de pessoas no mundo inteiro, que se opõem à presença norte-americana no Iraque, querem dizer. Um protesto legítimo contra uma guerra unilateral e desastrosa que deixou milhares de mortos etc. etc. Meio estúpido, mas justo. Até aí, nenhuma novidade.
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A segunda interpretação é bem diferente. Sim, muitos iraquianos querem os americanos fora do Iraque. Sim, a impopularidade de Bush o torna o alvo preferido de sapatadas. Tudo isso é sabido. Mas o protesto, mesmo idiota, demonstra até que ponto a intervenção anglo-americana no Iraque foi acertada. Sem querer, o manifestante que arremessou os sapatos contra Bush fez o maior elogio que se poderia imaginar à invasão do país pelas forças lideradas pelos EUA, cinco anos atrás. Isso mesmo. As sapatadas do repórter no mandatário mais poderoso do planeta - embora em seu ocaso - revelam, por vias tortas, uma realidade que os inimigos de Bush tentam a todo custo esconder: o Iraque hoje é um país muito, mas muito melhor mesmo, do que era antes de 2003.
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O repórter atirou os sapatos em Bush, chamando-o de cachorro. Trata-se de uma ofensa gravíssima no mundo islâmico, uma forma de dizer, como não cansa de repetir didaticamente o noticiário, que a pessoa-alvo do xingamento não vale a terra que pisa. Está preso, e sofrerá processo, como sofreria quem fizesse o mesmo com Lula ou com o prefeito de Pindamonhangaba. Aí é que está o diferencial. No Iraque de hoje, o autor da sapatada está preso e responderá a processo judicial. Nos tempos de Saddam, ele já estaria morto, depois de terríveis sessões de tortura nas mãos dos agentes da repressão política, e sua família sofreria represálias fatais. A cena do protesto, que já virou até piada e jogo na internet, seria censurada pela imprensa oficial, a única permitida. Qualquer manifestação de rua a favor da libertação do repórter sapateiro seria reprimida com brutalidade, e seus líderes, também, assassinados pela polícia secreta. Enfim, tudo terminaria com uma bala na nuca, e o caso não teria qualquer repercussão. Então, valeu ou não a pena ter derrubado o Saddam?
O repórter atirou os sapatos em Bush, chamando-o de cachorro. Trata-se de uma ofensa gravíssima no mundo islâmico, uma forma de dizer, como não cansa de repetir didaticamente o noticiário, que a pessoa-alvo do xingamento não vale a terra que pisa. Está preso, e sofrerá processo, como sofreria quem fizesse o mesmo com Lula ou com o prefeito de Pindamonhangaba. Aí é que está o diferencial. No Iraque de hoje, o autor da sapatada está preso e responderá a processo judicial. Nos tempos de Saddam, ele já estaria morto, depois de terríveis sessões de tortura nas mãos dos agentes da repressão política, e sua família sofreria represálias fatais. A cena do protesto, que já virou até piada e jogo na internet, seria censurada pela imprensa oficial, a única permitida. Qualquer manifestação de rua a favor da libertação do repórter sapateiro seria reprimida com brutalidade, e seus líderes, também, assassinados pela polícia secreta. Enfim, tudo terminaria com uma bala na nuca, e o caso não teria qualquer repercussão. Então, valeu ou não a pena ter derrubado o Saddam?
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Desde 2003, quando Bush resolveu invadir o Iraque e remover Saddam do poder, pela primeira vez em sua história o povo iraquiano - xiitas, sunitas, curdos, cristãos - pode expressar-se livremente. Pode, inclusive, atirar os sapatos na cara do presidente dos EUA, sem o risco de ter os olhos vazados, as orelhas cortadas ou os testículos arrancados por causa disso. Que tenha sido um repórter de TV o autor desse atentado cômico é uma clara demonstração dessa nova realidade. O Iraque luta hoje para ser uma democracia. E, numa democracia, há protestos. Em uma ditadura totalitária, como era a de Saddam ou como é a do Irã, esse tipo de coisa não existe: o governo tem 100% de apoio da população (os que não declaram seu apoio total ao regime ganham um bilhete só de ida para a prisão ou para o além). Em outras palavras, se hoje um cidadão iraquiano pode manifestar toda sua raiva contra os EUA atirando os sapatos em Bush e não virar um cadáver, isso se deve a... Bush e aos EUA.
.Os antiamericanos de todos os tipos comemoraram as sapatadas em Bush como se tivessem sido um gol. Não levaram em consideração nada do que está escrito aí acima. Demônio, para eles, é Bush, não Saddam. Ou então, para eles, Saddam Hussein era como as armas de destruição em massa do Iraque: nunca existiu. Ao atirar os sapatos na direção de Bush, o jornalista-manifestante gritou: "Aqui está seu beijo de despedida, cachorro". Poderia ter dito: "Muito obrigado por agora sermos livres, Mr. Bush, muito obrigado".
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