terça-feira, dezembro 16, 2008

O PARADOXO DA SAPATADA

Há duas maneiras de interpretar o gesto do jornalista iraquiano que atirou os sapatos contra o presidente George W. Bush ontem, em Bagdá. A primeira, que se está impondo como a única, é o óbvio ululante: Bush é impopular também no Iraque, e o tal sujeito que arremessou os sapatos contra ele estava expressando aquilo que milhares de pessoas no mundo inteiro, que se opõem à presença norte-americana no Iraque, querem dizer. Um protesto legítimo contra uma guerra unilateral e desastrosa que deixou milhares de mortos etc. etc. Meio estúpido, mas justo. Até aí, nenhuma novidade.
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A segunda interpretação é bem diferente. Sim, muitos iraquianos querem os americanos fora do Iraque. Sim, a impopularidade de Bush o torna o alvo preferido de sapatadas. Tudo isso é sabido. Mas o protesto, mesmo idiota, demonstra até que ponto a intervenção anglo-americana no Iraque foi acertada. Sem querer, o manifestante que arremessou os sapatos contra Bush fez o maior elogio que se poderia imaginar à invasão do país pelas forças lideradas pelos EUA, cinco anos atrás. Isso mesmo. As sapatadas do repórter no mandatário mais poderoso do planeta - embora em seu ocaso - revelam, por vias tortas, uma realidade que os inimigos de Bush tentam a todo custo esconder: o Iraque hoje é um país muito, mas muito melhor mesmo, do que era antes de 2003.
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O repórter atirou os sapatos em Bush, chamando-o de cachorro. Trata-se de uma ofensa gravíssima no mundo islâmico, uma forma de dizer, como não cansa de repetir didaticamente o noticiário, que a pessoa-alvo do xingamento não vale a terra que pisa. Está preso, e sofrerá processo, como sofreria quem fizesse o mesmo com Lula ou com o prefeito de Pindamonhangaba. Aí é que está o diferencial. No Iraque de hoje, o autor da sapatada está preso e responderá a processo judicial. Nos tempos de Saddam, ele já estaria morto, depois de terríveis sessões de tortura nas mãos dos agentes da repressão política, e sua família sofreria represálias fatais. A cena do protesto, que já virou até piada e jogo na internet, seria censurada pela imprensa oficial, a única permitida. Qualquer manifestação de rua a favor da libertação do repórter sapateiro seria reprimida com brutalidade, e seus líderes, também, assassinados pela polícia secreta. Enfim, tudo terminaria com uma bala na nuca, e o caso não teria qualquer repercussão. Então, valeu ou não a pena ter derrubado o Saddam?
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Desde 2003, quando Bush resolveu invadir o Iraque e remover Saddam do poder, pela primeira vez em sua história o povo iraquiano - xiitas, sunitas, curdos, cristãos - pode expressar-se livremente. Pode, inclusive, atirar os sapatos na cara do presidente dos EUA, sem o risco de ter os olhos vazados, as orelhas cortadas ou os testículos arrancados por causa disso. Que tenha sido um repórter de TV o autor desse atentado cômico é uma clara demonstração dessa nova realidade. O Iraque luta hoje para ser uma democracia. E, numa democracia, há protestos. Em uma ditadura totalitária, como era a de Saddam ou como é a do Irã, esse tipo de coisa não existe: o governo tem 100% de apoio da população (os que não declaram seu apoio total ao regime ganham um bilhete só de ida para a prisão ou para o além). Em outras palavras, se hoje um cidadão iraquiano pode manifestar toda sua raiva contra os EUA atirando os sapatos em Bush e não virar um cadáver, isso se deve a... Bush e aos EUA.
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Os antiamericanos de todos os tipos comemoraram as sapatadas em Bush como se tivessem sido um gol. Não levaram em consideração nada do que está escrito aí acima. Demônio, para eles, é Bush, não Saddam. Ou então, para eles, Saddam Hussein era como as armas de destruição em massa do Iraque: nunca existiu. Ao atirar os sapatos na direção de Bush, o jornalista-manifestante gritou: "Aqui está seu beijo de despedida, cachorro". Poderia ter dito: "Muito obrigado por agora sermos livres, Mr. Bush, muito obrigado".

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