Não tem jeito. Por mais que se tente debater Política (com "P' maiúsculo), é sempre a política (com "p" minúsculo) o que acaba predominando no Brasil. Bastou a canalhice da campanha de Marta Suplicy contra o candidato adversário à prefeitura de São Paulo, Gilberto Kassab, ser desmascarada e a turbamalta esquerdista saiu em defesa da petista, lembrando que o preconceito e a discriminação também existem "do outro lado" - a "direita", supõe-se -, como se isso fosse um álibi para justificar a baixaria.
Ainda assim, insisto no assunto, pois, como já escrevi, questões que à primeira vista seriam irrelevantes podem trazer ensinamentos preciosos. No caso, a hipocrisia e o duplo padrão moral do PT e de seus aliados são evidentes. O chato é quando não querem enxergar isso, apontando para pecados semelhantes "do outro lado", mesmo quando estes sejam inexistentes. Até pessoas inteligentes - ainda há alguns deles na esquerda, embora em ínfima minoria - caem de vez em quando nessa armadilha mental, tamanho é o esterótipo criado por décadas de doutrinação ideológica segundo a qual tudo que vem da esquerda é bom, e tudo que vem do outro lado, da "direita", é ruim. Li há pouco no site do Pablo capistrano (http://www.pablocapistrano.com.br/) um texto em que ele aponta um laivo de preconceito moralista na campanha da candidata vitoriosa já no primeiro turno à prefeitura de Natal/RN, Micarla de Souza, contra a candidata derrotada, Fátima Bezerra, do PT. No texto, Pablo mencionou uma frase em particular da campanha de Micarla - "sou mãe, sou mulher" - que lhe pareceu uma forma subliminar de preconceito contra Fátima, uma demonstração oblíqua de discriminação por parte da TFP (Tradicional Família Potiguar).
Como escrevi no site, não acompanhei a campanha municipal deste ano em Natal, nem vou dizer que Pablo pertence à curriola dos petralhas que já transformaram o emporcalhamento de reputações adversárias e a mistificação das próprias numa verdadeira religião (esquerdistas são sempre vítimas, jamais culpados...). Sei que ele não é petista. Mas não pude deixar de perceber, em seu texto, um forte viés favorável ao petismo, ou que pelo menos pode ser por ele utilizado, e uma interpretação de uma frase de campanha que me pareceu, para dizer o mínimo, forçada. Para que fique claro o que estou dizendo, vou transcrever aqui o que me escreveu uma pessoa, que se apresentou como "Delia", na sessão de comentários do blog:
"A questão que me trouxe aqui, foi especificamente em relação à seu comentário, sobre a postura da propaganda de Micarla contra a deputada Fátima Bezerra. Como vc mesmo falou , não acompanhou a campanha, e deve desconhecer a Deputada Fátima para tal perspectiva. Fátima é homossexual, lésbica assumida, uma das líderes da bancada da câmara pelos direitos GLBTT. Nunca casou-se com homem, nem tem filhos. Então o problema do discurso de Micarla, não se deu porque Micarla é de direita e Fátima de esquerda, até porque a oposição nessa campanha era de Micarla , pois Fátima detinha o apoio do atual prefeito, da governadora e do presidente da república. O real absurdo foi exatamente pela tentativa de desvalorização da capacidade e do carater de Fátima mediante o fato dela ser lésbica. Num discurso moralista e preconceituoso em que sem muitas subliminaridade Micarla palestrava: " Sou mãe, sou mulher" (e só uma mãe pode entender o que é melhor para seus filhos...)o "sou mãe, sou mulher" era um claro : Sou hétero, sou hétero. bem, espero ter esclarecido um pouco essa questão. Um abraço"
O parágrafo acima tem uma série de problemas. Ao contrário do que sugere quem o escreveu, conheço a candidata Fátima Bezerra, desde antes de ela se tornar deputada federal pelo PT. Também conheço Micarla. Entre as duas, não sei se votaria em Micarla, embora com certeza eu não votaria em alguém do PT. Mas isso não é o mais importante. O que vale, aqui, é saber se a frase utilizada pela campanha de Micarla ("sou mãe, sou mulher") teve mesmo essa conotação discriminatória que estão dizendo que tem, e que tenha, de algum modo, influído no resultado das urnas. A meu ver, nem com muita sutileza poderia ser dito que se trata de uma peça preconceituosa. Ao contrário da campanha suja de Marta em São Paulo, que entrará para a história como um dos golpes mais baixos e nojentos dos últimos tempos, digna de Collor em 1989, a de Micarla pode ser vista, quando muito, como uma típica peça publicitária eleitoreira, ao nível do que se costuma ver nesse período - ou seja: entre o insignificante e o bizarro, passando pelo medíocre. Não como uma menção, mesmo subliminar, à opção sexual da adversária. Aliás, a própria Fátima, pelo que eu vi até agora, não entendeu por esse lado, o que parece ter causado até uma certa irritação entre seus simpatizantes (ela deveria ter "denunciado" essa manifestação de "preconceito", segundo eles). A opinião de que a frase de Micarla traria consigo uma mensagem discriminatória e preconceituosa, ao contrário, é que traz uma clara conotação ideológica. Vou dar um exemplo.
Algum tempo atrás, no Rio de Janeiro, uma candidata petista - que se tornaria ministra do governo Lula e seria defenestrada depois de ser descoberto que fazia turismo às custas do dinheiro público - baseou sua campanha no seguinte lema: "mulher, negra e favelada". Pois bem. Ninguém a acusou de sexista (contra os homens), racista (contra os brancos) ou demagógica (contra os ricos) por causa disso. E isso apesar do evidente apelo vitimista e preconceituoso - sim, preconceituoso! ou vai dizer que ser "mulher, negra e favelada" agora é um critério científico para aferir o caráter e a honra pessoal de alguém? - desse mote de campanha. É que a candidata em questão, Benedita da Silva, era do PT, mesmo partido de Fátima Bezerra. Micarla, do Partido Verde (PV), foi apoiada pela "direita" do estado. Fátima, por sua vez, teve um amplo leque de alianças a seu favor, que incluía o atual prefeito, a governadora e o próprio Lula. Este, em discurso na cidade, falou cobras e lagartos de Micarla, e chegou até a questionar a capacidade de uma jornalista - Micarla é jornalista - de governar uma cidade (como se torneiro mecânico fosse uma profissão mais adequada para quem quiser governar o Brasil...). Pois bem. Não vi ninguém na esquerda criticar a afirmação de Lula como preconceituosa contra jornalistas. À exceção de Micarla, nem os próprios jornalistas o fizeram.
Estranha moral, essa das esquerdas. Inclusive no campo sexual, onde se acham capazes de dar lição até ao Papa. Quando acham que estão sendo vítimas de "preconceito" pelo que quer que seja - se, por exemplo, um candidato adversário se diz pai ou mãe, como se ser solteiro e sem filhos fosse algum defeito -, ficam indignadíssimos e sensibilíssimos, exagerando e distorcendo até não mais poderem a suposta ofensa para que pareça mais grave do que é. Quando, porém, são eles os preconceituosos, usando inclusive a sexualidade do oponente para desmoralizá-lo perante seus eleitores, então não estão fazendo "nada de mais", e ainda aproveitam para atacar a "mídia" por uma suposta "manipulação" e "distorsão" da mensagem veiculada. Aqui, comprova-se mais uma vez o velho ditado de Lênin: "acuse-os do que você é; faça exatamente aquilo que você condena".
Micarla disse que é mãe e mulher. É algo que não pode ser posto em dúvida, e diz respeito a mais do que uma opção sexual - a menos que ser homem ou mulher tenha deixado de ser uma determinação biológica e se transformado numa questão de escolha pessoal na hora de nascer. Pode-se questionar se ser mãe e mulher é ou não sinal de caráter ou honestidade, ou se é ou não suficiente para determinar a qualidade de bom administrador. Mas, a menos que venha acompanhado de uma mensagem explícita contra os que não partilham dessa condição, tentar enxergar nisso algum sinal de "discriminação" ou "homofobia" é pura forçação de barra. Até porque, pode-se perfeitamente ser pai (ou mãe) e ser homossexual, ou ser hetero e não ter filhos. É isso que ocorre sempre que se mistura vida privada e eleições, ou sempre que se tenta usar fatores como opção sexual - homo, hetero, bi, pan ou o que seja - como bandeira política: um festival de hipocrisia e indignações afetadas. Se a suposta vítima do preconceito é alguém de esquerda, então, o escarcéu é total. É como se, porque uma candidata tem trejeitos pouco femininos, a candidata adversária estivesse proibida, pelos padrões politicamente corretos, de se dizer mãe e mulher. Alguém falou em preconceito? Alguém falou em ditadura mental?
Enxergar qualquer traço de homofobia - ou, como escreveu alguém, "valoração ideológica da representação familiar" segundo um "arquétipo de moralismo e discriminação" - na afirmação "sou mãe, sou mulher", como se fosse uma forma subreptícia de dizer "sou hétero" diante da opção homossexual, clara ou oblíqua, do(a) candidato(a) adversário(a), é algo tão absurdo quanto identificar na frase um quê de aversão aos homens solteiros e sem prole. Segundo o mesmo raciocínio que enxerga uma mensagem subliminar preconceituosa e homofóbica nessa afirmação, todos os que não se enquadram no padrão "mulher" e "mãe" - os indivíduos do sexo masculino sem filhos - deveriam se sentir injuriados e ofendidos com a peça de marketing eleitoral e não votar em Micarla. Pode-se dizer que a frase da campanha de Micarla é infeliz. Pode-se dizer que seja uma besteira demagógica. Idiota, até. Mas, homofóbica? Preconceituosa? Ora, façam-me o favor!
Tudo isso seria uma imensa besteira se não servisse para revelar o nível de farisaísmo hipócrita dos esquerdistas. Desde quando ser mãe e mulher - ou ser homem e pai, ou hetero e solteiro, ou gay e casado e com filhos - é defeito? E desde quando reivindicar para si esses epítetos é um sinal de preconceito contra quem quer que seja? Afinal, existe um "movimento" gay, que tem inclusive uma sigla - GLBTT - e uma parada do "orgulho gay". Quem diz que isso é uma manifestação de preconceito contra quem NÃO É gay (embora o seja em muitos casos)? Inventaram um "dia do orgulho gay". Agora vêem discriminação até em alguém se dizer mãe (ou pai). Daqui a pouco o sujeito, para não passar por "homofóbico", terá que se declarar - e provar ser! - adepto entusiasta de práticas sexuais pouco ortodoxas...
Ao contrário da campanha de Micarla, a de Marta Suplicy é claríssima em sua alusão à sexualidade do candidato concorrente ("ele é casado? tem filhos?"). É uma demonstração homofóbica como a que os petistas se acostumaram a denunciar em seus adversários, com todo estardalhaço, dizendo-se os únicos legítimos defensores da liberdade sexual. A diferença é que, tendo sido feita contra alguém "de direita", a insinuação sobre a vida privada jamais será considerada grave o suficiente ("o que tem de mais, gente? o eleitor tem o direito de saber sobre a vida pessoal do candidato"). Já qualquer suposta referência feita à vida pessoal deles próprios, os esquerdistas, será recebida, por mínima ou inexistente que seja, como a obra pérfida de moralistas e fascistóides, um escândalo de proporções bíblicas. Dona Marta, que agora chafurda na lama em São Paulo, mostra-se ultra-sensível e ultra-melindrosa sempre que alguém lembra as circunstâncias de sua separação e segundo casamento, que ela mesma transformou num circo midiático alguns anos atrás. Ao mesmo tempo, ela e seus aliados não vêem "nada de mais" em fazer ilações sobre a vida pessoal dos rivais. Enquanto isso, os simpatizantes do PT em outros estados buscam pêlo em ovo, vendo "homofobia" até em canção de ninar. Há uma diferença entre sutileza e paranóia. Assim como entre indignação e hipocrisia.
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