segunda-feira, dezembro 19, 2011

O HERÓI DA DEMOCRACIA E A MÚMIA COMUNISTA



Às vezes a História prega peças na gente, com um sentido de ironia que desafia a compreensão.

Quis o destino que Václav Hável, o herói da luta contra o comunismo na ex-Tchecoslováquia, e Kim Jong-il, o caricato tirano comunista da Coréia do Norte, morressem quase no mesmo dia.

O poeta e dramaturgo Václav Hável, 75 anos, passou quase toda sua vida na oposição à ditadura comunista imposta a seu país por um golpe de Estado após a Segunda Guerra Mundial. Entre idas e vindas pela cadeia e manifestos como o "Carta 77", que pedia respeito aos direitos humanos, teve sua obra literária censurada pelos comunas capas-pretas a mando de Moscou. No auge da "primavera de Praga", sufocada com tanques pelo Kremlin em 1968, e destoando dos comunistas “soft” liderados por Alexander Dubcek, ele dizia o que era, já então, uma realidade inegável: era impossível dar uma “face humana” ao comunismo, uma ideologia e um regime desumanos por natureza (lição que alguns saudosistas ou simpatizantes da foice e do martelo ainda insistem em ignorar). Em 1989, ao sair de sua última estada na prisão, tornou-se o líder da Revolução de Veludo, que encerrou de vez, sem que um tiro fosse disparado, o domínio marxista-leninista no país, do qual se tornaria, meio relutantemente, presidente oito dias depois da queda do Muro de Berlim. Com a divisão da Tchecoslováquia em 1993, assumiu a Presidência da República Tcheca, aposentando-se da política em 2003.

O ditador Kim Jong-il, 69 anos, jamais conheceu a cadeia, embora tenha mandado milhares para campos de concentração. Herdeiro do ditador Kim Il-sung (o "grande lider", caso único na História de "presidente eterno" mesmo depois da morte), Jong-il, o "estimado líder", transformou todo o seu país, a Coréia do Norte (oficialmente, "República Popular Democrática da Coréia", embora não seja nem democrática, nem popular, nem, a rigor, república) numa imensa prisão. Desde a morte do papai-ditador (que tinha, no currículo, a responsabilidade por uma das mais sangrentas guerras do século XX, entre inúmeras violações aos direitos humanos), o nanico Jong-il, com seu jeito esquisitão e cabelo à la Chico César, seguiu à risca o padrão de bizarrices que costuma acompanhar todos os ditadores do tipo. Não contente em matar seu próprio povo de fome (botando a culpa, claro, nos terríveis “imperialistas ocidentais”), ainda ameaçava o mundo com a arma nuclear, que a ditadura construiu em segredo por cinquenta anos. Fiel à tradição familiar e seguindo o exemplo de outros tiranos comunistas como Fidel Castro, algum tempo atrás ungiu seu filhinho, o rechonchudo Kim Jong-un, como seu sucessor. Tudo indica que Jong-Un seguirá a mesma trilha de loucura totalitária do pai e do avô, afastando a empobrecida Coréia do Norte de sua vizinha, a rica - e democrática - Coréia do Sul.

Dificilmente poderia haver contraste maior: de um lado, um homem que dedicou sua vida à luta pela liberdade; de outro, um dos maiores praticantes do totalitarismo. Um deixa como legado a restauração da democracia em seu país, hoje um dos mais prósperos da Europa centro-oriental. Outro, deixa atrás de si um rastro de morte e destruição quase inimaginável, um país arrasado e reduzido à mais absoluta miséria por um regime capaz de tornar suportável a distopia totalitária imaginada por George Orwell em sua obra-prima, 1984. A separar os dois personagens, mais do que a distância, um mundo de diferenças. No caso do norte-coreano, um oceano de cadáveres.

Dizem que a morte iguala a todos. Se isso é verdade, aí estão dois exemplos que desmentem esse lugar-comum. Václav Hável, o herói da democracia, está no Céu, onde devem estar os benfeitores da humanidade. O mundo civilizado, que é a parte da humanidade que presta, chora sua morte e lhe rende justas e merecidas homenagens. Quanto à múmia comunista Kim Jong-il, assim como todos os demais tiranos sanguinários de sua laia, não há nada a se lamentar em sua morte. Que a terra lhe seja pesada.

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