domingo, setembro 25, 2011

ONDE O ÓDIO SE ESCONDE

Noam Chomsky e Fidel Castro: todos os ditadores são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros


Mandei meu texto A ESTUPIDEZ DOS "OUTROS SETEMBROS" para uma amiga minha de longa data, que mora no exterior. Trata-se de alguém meio de esquerda, como quase todo mundo. Enfim, uma pessoa normal, com opiniões coincidentes com as da maioria sobre a maioria dos assuntos. Ela me respondeu dizendo mais ou menos o seguinte:

1 - Meu texto padeceria de duas falhas, pois partiria do pressuposto de que quem lembra "outros setembros" está querendo apagar a lembrança do 11/9. Antes disso, haveria uma política da memória que estabelece quais fatos devem ser lembrados e quais devem ser esquecidos, pois todo ato de lembrança também seria um ato de esquecimento. E todo ato de esquecimento - uso as palavras dela - requer nos tornarmos invisíveis ao sofrimento de outrem. Citando literalmente: "Não argumento a favor do esquecimento do 11/9. Argumento, sim, em favor da lembrança de outros que padeceram e cujo sofrimento e tormento não são escutados, lembrados, ou até brought to justice. Você fala em termos excludentes, como aquela poesia de Cecília Meireles, OU ISSO OU AQUILO. Esse não é o meu ponto de vista - eu sou POR ISSO E POR AQUILO".

Também citando-a literalmente:

2 - Passemos agora ao segundo ponto que gostaria de levantar sobre o seu argumento - que também acho ser excludente. Você quer qualificar e diferenciar as mortes no WTC daquelas ocorridas no Chile ou com os palestinos. Mas, peraí, o problema do holocausto é do mundo inteiro, o problema do 11 de setembro é do mundo inteiro.... o problema do Chile e o dos palestinos são só deles mesmo?

E finalizou:

Não sei você, mas eu não me julgo capaz de qualificar a morte de qualquer povo, setor, ou partisans de acordo com o tipo de tragédia. Eu, sim, incluo 'todos os setembros' como tragédias da humanidade. Eu, sim, não digo que há tragédias e 'tragédias'. Não posso falar sobre todas as outras pessoas do mundo, mas, aparentemente, você coloca todos no mesmo saco e argumenta que isso não passa de maquinação de um bando de essencialistas do debate político. Mas, veja, ao argumentar isso, você mesmo entra no mesmo tipo de fragilidade analítica e, no fim das contas, só fortalece esse debate tragédia/tragédias, ele/nós, estados unidos/resto do mundo. Eu não faço parte desse debate e, portanto, não me inclua nele.

Depois de dizer que me imaginava "mais inteligente e preparado do que isso", ela arremata: Os 'outros setembros' não são estúpidos, Gustavo. Todos os setembros são validos, todos eles contam uma narrativa de dor, sofrimento e perda de vidas.

Respondi da seguinte maneira:

Bom (segue o nome de minha amiga), gostei de saber que você, segundo suas palavras, não é da turma do OU ISSO OU AQUILO, até porque as tragédias não são excludentes. Eu também sou do ISSO E AQUILO, como no poema. Mas nem por isso vou deixar de perceber quando tentam fazer uma manipulação da realidade com claros objetivos ideológicos. Vamos aos dois pontos que você mencionou:

1) Você diz que há uma "política de memória" que estabelece que fatos devem ser lembrados e quais devem ser esquecidos. Quem estabeleceu essa política? Se você está falando do 11/9, não vejo como lembrar os mortos no atentado pode significar o esquecimento de outras tragédias e de outros sofrimentos. A menos que você seja um Noam Chomsky ou um Tariq Ali da vida, autores que aliás cito, e que acham que vale tudo para atacar os EUA. Esse pessoal, é engraçado, faz exatamente aquilo que acusa os outros de fazer, tentando apagar (e é isso mesmo que querem) a memória do 11/9. É como se os mortos nas Torres Gêmeas e nos aviões tivessem alguma culpa a expiar pelo golpe de 73 no Chile ou por Sabra e Chatila. Enfim, uma baita pliantragem.

Sem falar que os episódios do Chile e de Sabra e Chatila são dois dos mais lembrados e repisados da História. O Pinochet, inclusive, foi sim, no final da vida, "brought to justice" (ao contrário do Fidel Castro, por exemplo). Nem por isso vou sair por aí dizendo que se deve punir alguns ditadores e perdoar outros. Portanto, o que se quer é apagar a lembrança do 11/9, sim (já que não conseguiram culpar os proprios EUA pelos atentados - até tentaram, mas não colou).

2) Quanto ao segundo ponto, acho que você não entendeu o que eu escrevi: qualquer exercício de comparação envolve senso de proporções. É evidente que as mortes no Chile ou no Líbano não pertencem apenas aos chilenos ou aos palestinos, assim como o Holocausto e os 100 milhões de mortos pelo comunismo não dizem respeito apenas aos judeus ou aos russos e chineses (ou seja: não estou tentando "qualificar" a morte de ninguém, é exatamente o oposto). Mas é preciso ter algum senso de proporções para avaliar a realidade. Allende foi em parte responsável pela própria queda, como sabe qualquer um que estudar um pouco o que foi o governo marxista da Unidade Popular, e o massacre dos palestinos ocorreu dentro do contexto da guerra civil libanesa. Nada disso se pode dizer do 9/11: as pessoas morreram sem saber por quê, de forma não-provocada. Isso não justifica nada, claro, mas ajuda a desmascarar associações como a que os antiamericanos de plantão fazem todo 11 de setembro.

Enfim, toda essa onda de "outros setembros" é coisa da esquerda tonta e antiamericana.

E, a título de P.S.:

Só mais uma coisa: você não acha curioso que os "outros setembros" citados são sempre fatos que tiveram o dedo dos EUA ou de Israel, como o golpe do Chile e o massacre no Líbano? Por que não citam, sei lá, o começo da Segunda Guerra Mundial, que também aconteceu num setembro? Afinal, todos os setembros são válidos, não é verdade?

Fiquei esperando uma resposta para essa minha última observação. Em vez de respondê-la, minha amiga reclamou do fato de que, segundo ela, "as pessoas tiram Chomsky de bode expiatório para tudo". Aproveitou para fazer um pequeno elogio de Chomsky ("é o cara que desperra da pós-adolescência branca, rica e universitária americana para a idéia de que há um mundo depois das fronteiras dos EUA") e, na frase seguinte, me critica por eu estar supostamente baseando "a esquerda do mundo todo" no Chomsky etc. Afirma que, ao criticar a esquerda e seus "outros setembros", eu estaria caindo na mesma ciranda maniqueísta etc. etc. (quanto a isso, não faço nenhuma questão em negar: quando se trata de liberdade versus tiranias, sou maniqueísta mesmo, e com muito orgulho). Pediu alguma citação ou referência em que Chomsky ou Tariq Ali tenham dito que querem esquecer o 11/09 e que ele deve ser apagado da memória, pois "não tem uma pessoa sã que diga isso". Afirmou ainda alguma coisa que não consegui entender direito sobre palhaçada e crianças pedindo para morrer, e que "os atentados de 9/11 não podem ser reduzidos simplesmente a uma política de memória - o que é necessário são estudos que ultrapassem o que a memória constrói e consigam revelar dados, narrativas, e explicações importantes sobre o mundo em que vivemos e sobre o que queremos fazer daqui para frente" etc. Finalmente, disse que não vai ficar discutindo minhas opiniões políticas, que seriam "essencialistas". (Fez, a propósito, uma associação entre minha afirmação sobre os "outros setembros" serem coisa de esquerda tonta antiamericana e o criacionismo que até agora também não consegui entender.)

Minha amiga certamente não entendeu, ou não quis entender, nada do que escrevi, o que não me surpreende (também se disse ocupada demais com a tese que está escrevendo na universidade para debater comigo, o que compreendo). Afinal, reconheço que é mesmo difícil para alguém com vagas inclinações esquerdistas (ou seja, alguém que, em geral, segue o mainstream) apreender um texto de quem não reza pela cartilha de um Noam Chomsky. Sem falar que ela parece não saber que o sujeito já chegou até a defender o regime genocida do Khmer Vermelho do Camboja, dizendo que as denúncias de massacres nos campos da morte eram invenções da imprensa burguesa... Hoje ele anda por aí abraçado a Hugo Chávez e a Fidel Castro, entre um livro e outro em que tudo o que faz é desviar a atenção do que aconteceu em 11 de setembro de 2001 para citar a Baía dos Porcos ou o Vietnã. Uma mente sã?

Certamente minha amiga não sabe, assim como 99% da humanidade, que todo o discurso dos "outros setembros", sob o pretexto de "lembrar outros sofrimentos", pretende, na verdade, relativizar, minimizar e anular a memória do que aconteceu nos EUA naquela manhã de terça-feira uma década atrás. Ou seja: não visa a lembrar, mas esquecer. E faz isso ao CONTRAPOR à lembrança do horror nas Torres Gêmas os setembros cultuados pela esquerda, como se uma tragédia relativizasse, minimizasse ou anulasse outra. Certamente, ela não sabe que isso se chama propaganda e desinformação - coisa que a esquerda, chomskiana ou não, é useira e vezeira em fazer.

Uma coisa é lembrar outros massacres e outras tragédias; outra coisa é tentar CONTRAPOR esses massacres ao que aconteceu nos EUA dez anos atrás. E é EXATAMENTE ISSO o que está por trás da discurseira dos "outros setembros". Mais uma vez: se o objetivo é lembrar, e não esquecer, por que não lembram do começo da II Guerra? Ou do massacre dos atletas israelenses em Munique, em 1972, cometido por um grupo terrorista que se chamava, não por acaso, Setembro Negro?

A resposta é óbvia e, como tudo que é óbvio, precisa ser explicado nestes dias: o começo da II Guerra e o massacre de Munique não servem aos objetivos propagandísticos dos antiamericanos. A queda de Allende no Chile, ou a chacina dos palestinos, sim. Afinal, o governo dos EUA de então apoiou o golpe de Pinochet, e o massacre de Sabra e Chatila ocorreu sob as barbas das tropas israelenses - e Israel é aliado dos EUA, entenderam? Logo, o 11/9 viria como uma espécie de "vingança" contra atos passados dos EUA, que estariam, assim, "colhendo o que plantaram" (como se os mortos tivessem alguma coisa a ver com isso...). Não se trata, portanto, de lembrar tragédias por serem tragédias, por constituírem momentos de sofrimento e dor para toda a humanidade, como faria qualquer pessoa com um mínimo de decência, mas de instrumentalizá-las, de utilizá-las com um fim político-ideológico. Mesmo que a tragédia em questão não possa ser comparada, em termos de contexto e de dimensão, ao 11/9 (sobretudo no caso do Chile). Em outras palavras: uma canalhice, uma imoralidade total.

Minha amiga não é - isso posso dizer com certeza - uma fanática, tampouco uma radical antiamericana. Não é uma militante de esquerda, embora tenha lá suas simpatias mais ou menos secretas (ainda traz um certo ranço petista, mas tudo bem). Até onde sei, é uma pessoa bastante razoável; desconfio mesmo que nem seja particularmente politizada. É somente alguém inteligente que se deixou levar por um discurso vigarista, que repete provavelmente sem pensar, como a maioria dos que o repetem ad nauseam, mecanicamente. Acredito em sua sinceridade quando diz que todos os setembros são iguais e constituem tragédias da humanidade. Mas, infelizmente, ela não se deu conta da manipulação ideológica de que está, sem querer e sem saber, participando. E é aí que está a eficácia desse tipo de propaganda. Ela é eficaz não pelo que diz abertamente, mas pelo que NÃO diz, apenas sugere ou estimula, apelando muitas vezes para a ingenuidade e a boa-fé das pessoas.

O que está por trás do discurso dos "outros setembros"? O ódio, pura e simplesmente. O ódio aos EUA e a tudo que ele representa. Sobretudo o ódio à liberdade e à democracia. Mas é claro que os antiamericanos que o engendraram não podem explicitar esse ódio. Precisam apresentá-lo com outra roupagem, desidratada, liofilizada, embalada e envernizada, como se fosse o contrário do que é. Mas basta cavar um pouco e a verdade vem à tona: não engoliram o fato de que os EUA (o mundo civilizado, na verdade) foi alvo de um ataque abjeto, e portanto buscam pretextos para continuar alimentando essa mentalidade odienta. E os "outros setembros" caem como uma luva para esse objetivo, levando muita gente - gente inteligente, racional e moderada - a referendar essa impostura.

Minha amiga pode achar que não faz parte do debate e pedir que eu não a inclua nele. Tarde demais. Ao ter referendado o discurso dos "outros setembros", ela já se incluiu. Só me resta tentar ajudá-la a sair desse atoleiro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fidel Castro Por incrível que pareça, há “pouco” tempo atrás fez um lado de todo um continente tremer, enquanto o outro lado o via como um exemplo a seguir, fez o mundo parar inúmeras vezes pra ouvir seus discursos, seja por medo ou admiração, salvou milhares de pessoas da fome, da prostituição e da ignorância, colocou sua vida em favor de seu país e seu povo. Fidel amou cada ser humano que passou por sua vida, indiretamente ou diretamente, não resolveu todos os problemas da ilha e muito menos do planeta, mas tudo que ele conseguiu fazer foi feito com amor, de dentro da alma. Aquele velho doente é um dos maiores Heróis da História da Humanidade.