Perigosos terroristas e mercenários de extrema direita financiados pela CIA, segundo Fernando Morais
Acabou de sair, pela Companhia das Letras, o novo livro do badaladíssimo Fernando Morais, Os Últimos Soldados da Guerra Fria. Segundo a sinopse que li num site, o livro narra a história de uma rede de espiões a serviço da ditadura comunista cubana infiltrados em grupos de exilados anticastristas nos EUA durante os anos 90 - uma história que, por si só, vale a pena ser lida.
Ainda não comprei o livro, mas, pelo que andei vendo e lendo na internet, já posso fazer uma idéia do que se trata. Principalmente de quem são os "heróis" e os "bandidos" dessa história, segundo Morais. E já posso adiantar que, pelo menos quanto a um dos lados, a coisa cheira a engodo, a falsidade, a mistificação.
Se depender do autor de Chatô e Corações Sujos, pode-se facilmente deduzir que o livro pode até ser boa leitura, cheio de revelações saborosas e lances cinematográficos, mas dificilmente o leitor terá em mãos uma obra jornalística que possa ser chamada, por mínimo que seja, de isenta ou imparcial. Muito pelo contrário.
Conhecido chavista e castrista, assim como o famoso guerrilheiro de festim e mensaleiro José Dirceu (de quem, aliás, falava-se até um dia desses que estaria planejando uma biografia), Fernando Morais pode ser qualquer coisa, menos um escritor "neutro". Ainda mais em se tratando de regimes como o dos irmãos Castro, a ditadura mais longeva do Ocidente, por quem nutre uma indisfarçável admiração a ponto da tietagem explícita (como quase toda a esquerda tupiniquim, diga-se). Morais já tratou do tema antes, em um livro publicado em 1976 - A Ilha - que, se teve o mérito de ser a primeira obra escrita por um autor brasileiro sobre Cuba em muitos anos, em pleno governo militar do general Geisel, traz o estigma indelével de ter ajudado a construir a mitologia esquerdóide sobre a tirania castrista, uma velha tara da esquerdopatia latino-americana. Mais tarde, ele daria outra contribuição valiosa à hagiografia esquerdista nacional, em sua biografia da agente comunista alemã (era espiã do serviço secreto militar soviético) Olga Benario - que virou um péssimo filme, por sinal. Assim como em A Ilha Morais pinta a ditadura cubana com tintas benévolas e virtuosas (como se uma ditadura benévola e virtuosa fosse algo possível), em Olga, ele mostra a primeira mulher de Luiz Carlos Prestes como uma heroína e mártir da esquerda revolucionária dos anos 30 etc. e tal. Só faltou cantar a Internacional ao ritmo de salsa.
Em Os Últimos Soldados da Guerra Fria, pelo visto, Morais segue o mesmo figurino esquerdista consagrado em seus outros best-sellers. Basta ver como ele se refere, em todas as entrevistas que concedeu até agora sobre o livro, aos alvos da espionagem cubana nos EUA - os membros da comunidade exilada na Flórida. "Desertores", "traidores", "terroristas", "mercenários" e "milícias de extrema direita" são os adjetivos que ele usa para definir os exilados (só faltou o gusanos - "vermes" -, que é a maneira habitual como a propaganda oficial cubana se refere aos inimigos da tirania). A missão dos agentes cubanos a serviço de Fidel Castro infiltrados entre eles seria, assim, "evitar ataques terroristas contra Cuba" (127 em cinco anos, segundo contabilidade de Morais, que não diz quantos morreram nesses ataques). Até ser desmantelada, com a prisão de vários desses espiões pelo FBI em 1998, essa operação, chamada de Rede Vespa, teria sido responsável por impedir "dezenas de atos terroristas" etc.
Não ponho em dúvida que, entre os cerca de 2 milhões de cubanos exilados nos EUA desde que em 1959 Fidel e Raúl Castro tomaram o poder e instalaram uma ditadura comunista na ilha caribenha, haja grupos de extrema direita e mesmo terroristas. Certamente, eles existem, e já cometeram atentados (alguns deles, como Orlando Bosch e Luís Posada Carriles, contra vítimas civis). Mas uma coisa é admitir esse fato; outra coisa é enaltecer o trabalho de espionagem de uma tirania contra exilados em um país estrangeiro. E parece que é exatamente isso o que Fernando Morais faz em seu novo livro.
Fico pensando como seria recebido um livro que elogiasse, por exemplo, a Operação Condor, a cooperação clandestina entre as ditaduras militares do Cone Sul da América Latina contra seus inimigos exilados nos anos 70. O autor de semelhante peça seria execrado (com razão) como um crápula e um canalha, e coberto com os piores adjetivos. Entre os alvos visados pelos serviços secretos militares estavam grupos terroristas de extrema esquerda que praticavam atentados, alguns dos quais, como os Montoneros argentinos e o MIR chileno, estavam organizados na Junta de Coordenação Revolucionária (JCR, uma espécie de precursora do Foro de São Paulo). E não há, pelo menos na vasta bibliografia de esquerda, nenhuma obra que os chame de mercenários e terroristas. Gostaria que alguém me explicasse por que isso só vale para os cubanos de Miami. Assim como adoraria saber por que nenhuma dessas obras chama abertamente o que existe em Cuba de ditadura. Muito agradeceria também se me explicassem por que os policiais e militares que participaram da Condor são execrados, enquanto que os espiões cubanos presos nos EUA são louvados como heróis em Cuba.
"Alto lá, seu agente do imperialismo ianque! A Operação Condor matou vários exilados; seu objetivo era liquidar fisicamente os opositores das ditaduras militares no exílio, ao contrário da Rede Vespa" etc. - poderia gritar o patrulheiro esquerdista, erguendo sua carteirinha de militante. Pois bem, companheiro! Tenho aqui duas questões a fazer: 1) se o objetivo da rede de espiões cubanos na Flórida era "evitar atos terroristas", como diz Morais, como eles fariam isso? Certamente, não seria pelo convencimento, mas pela eliminação física (sequestro, assassinato ou o que seja) dos terroristas - ou seja: exatamente o que fazia a DINA chilena do general Pinochet; e 2) em 1996, Fidel Castro ordenou o afundamento de uma balsa com dezenas de refugiados cubanos que tentavam escapar da ilha-prisão. Várias pessoas morreram. Eram todas terroristas?
No mesmo ano de 1996, no auge da "guerra secreta" contra os "mercenários" anticastristas descrita por Morais, o Coma Andante deixou clara sua determinação de defender o povo cubano, mandando derrubar um avião do grupo de exilados Hermanos al Rescate, que havia penetrado o espaço aéreo cubano. O que o levou a tomar essa decisão tão patriótica? O avião - vejam vocês - estava atirando... panfletos! Uma terrível ameaça terrorista, como se vê. (Para não falar dos cerca de 17 mil fuzilados desde 59, como os três pobres-diabos executados em 2003 por tentarem fugir do país, assim como centenas de presos politicos e as Damas de Blanco... todos perigosíssimos bandidos contrarrevolucionários, claro.)
Posso estar enganado, mas desconfio que esses fatos ficaram de fora da narrativa de Fernando Morais ou, se foram mencionados, o são de forma superficial, ou mesmo como uma justificativa para os atos da ditadura cubana. Se for esse o caso, fica a pergunta: por que não justificar também os crimes da Operação Condor? Quem sabe Fernando Morais, com seus inegáveis talento literário e veia investigativa, resolva um dia escrever um livro sobre isso. Mas aí acho que já estou sonhando alto demais...
Um comentário:
Gostei. E por isso fiz a traducao em italiano, aqui pove ver:
http://ilmosta.blogspot.com/2011/09/cuba-lelogio-alla-delazione.html
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