sábado, abril 16, 2011

POR QUE NÃO EXISTE DIREITA NO BRASIL (E O QUE FAZER PARA RESSUSCITÁ-LA)

O sono da razão produz monstros (Goya)



Aí vai um texto longo, de análise. Peço que me perdoem. Afinal, dizem que blogs são para textos curtos. Mas não acho que seja possível análises telegráficas. Ainda mais de um assunto como o que segue. Espero que gostem.

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Algumas coisas, como a jabuticaba, só existem no Brasil. Outras existem em quase todos os lugares, menos no Brasil. É o caso de um partido político claramente de direita, liberal ou conservador.

Já apontei, em outros textos meus, esse estranho fenômeno, quase exclusivamente nacional (digo “quase” porque há uma Cuba e uma Coréia do Norte – entre as democracias, certamente, é um caso único). Em todos os países democráticos – todos, sem exceção – existe pelo menos um partido conservador forte e estruturado, que a cada eleição disputa de igual para igual, quando não em melhores condições, com a esquerda ou a centro-esquerda, e com estas se reveza no poder. É assim em todos os lugares em que vigora a democracia. Menos no Brasil.

Aliás, por estas bandas, a não-existência de um partido de direita é até celebrada como algo positivo, uma prova mesmo de “maturidade democrática” - como se democracia fosse sinônimo de uniformidade de pensamento, e não de pluralidade. Há alguns meses, o antecessor da atual presidente da República defendeu publicamente a “extirpação” de um partido adversário; antes disso, chegou ao ponto de afirmar, a sério, que o fato de os candidatos presidenciais serem todos de esquerda era um sinal de “progresso da democracia”… E houve quem o aplaudisse por isso!

Cadê a direita?

Nem é preciso lembrar tais fatos para constatar o fenômeno. Fale em "direita" no Brasil e a primeira coisa que virá à mente de seu interlocutor será algum estereótipo do passado, como um general de pijamas remanescente da Guerra Fria ou algum fanático da TFP. Predomina, no Brasil, a anatemização, a satanização da direita, como se esta se resumisse a esses arquétipos e fosse mesmo um sinônimo do mal. Ser de esquerda, por contraste, seria o mesmo que defender o bom, o belo e o justo (em Cuba ou na Venezuela, por exemplo). Chamar alguém de conservador, então, é cobrir-lhe com o pior dos palavrões (ser politicamente conservador, enfim, não seria uma opção respeitável). Adiantaria lembrar que Winston Churchill era de direita, e Stálin era de esquerda?

Há uma clara distorção nisso tudo. Ser "de direita", no Brasil, é estar no centro do espectro politico, olhando para a esquerda. Qualquer coisa que estiver à direita do centro – e não há aí quase nada, a não ser figuras folclóricas como o deputado Bolsonaro – é “fascismo”. Daí o ridículo de alguém considerar “de direita” partidos como o PSDB ou o DEM – o primeiro é um partido social-democrata ao estilo europeu (de esquerda, portanto); o outro, embora tenha entre seus quadros representantes de antigas oligarquias regionais e figuras apontadas como alinhadas à política conservadora, limita seu liberalismo à economia e imita até no nome o Partido Democrata norte-americano (o partido de Barack Obama e de Jimmy Carter, a esquerda dos EUA). Desde 1994, as eleições presidenciais no Brasil apenas atestam a farsa, não sendo mais do que um campeonato de esquerdismo - em que vence, naturalmente, o mais esquerdista. Enfim, cadê a direita?

Recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu um longo artigo, “O papel da oposição”, em que chegou perto de apontar esse problema – o maior com que se defronta a política brasileira. FHC é e sempre foi um homem de esquerda, como não se cansa de dizer, mas percebeu o perigo que um país sem oposição representa para as liberdades democráticas. No artigo, ele lembra, não sem certos saudosismo e constrangimento, o periodo da oposição legal à ditadura militar para repetir o óbvio – que o papel da oposição é opor-se ao governo – e argumenta, com certo desalento, que é inútil disputar o “povão” com os lulopetistas, pois estes já conseguiram aparelhar os sindicatos e toda a chamada superestrutura, para usar o jargão marxista, o que só se consolidou durante o governo Lula, mediante bolsas-isso e bolsas-aquilo (os petralhas, obviamente, não perderam a chance de distorcer o que disse FHC, usando a referência ao "povão" para repetir a balela do PSDB "representante da 'elite'”).

Acertadamente, FHC denuncia, em seu texto, o cinismo e a hipocrisia do PT, que se apropriou de conquistas econômicas e da estabilidade proporcionadas pelo governo do PSDB, contra as quais se bateram no passado, bem como o desfazimento institucional que os oito anos de governo Lula acarretaram, com a institucionalização de práticas clientelistas e fisiológicas como o mensalão. O importante, escreveu FHC, é buscar novas estratégias para ganhar setores ainda não homogeneizados pelo discurso e pelas práticas dos lulopetistas, inclusive fazendo uso das redes de comunicação social da internet como o Facebook, o Twitter etc.

Tivesse se atrevido a ir um pouco mais longe, o sociólogo FHC acertaria em cheio, e não pela tangente. Se houvesse se livrado de certo ranço marxistóide, abandonando de vez os cacoetes esquerdistas apreendidos na época em que era um dos principais expoentes da hoje desacreditada “teoria da dependência”, ele perceberia que o grande problema brasileiro, atualmente, não é a ausência de “oposição”, mas de um partido claramente de direita e conservador. É a falta de tal partido, e não o fato de os tucanos não saberem usar a internet, o que constitui a maior ameaça à democracia no Brasil. (O fato de tantos não se terem dado conta disso, ou ignorarem essa ameaça, é mais uma prova da lavagem cerebral esquerdista – imaginem um país em que só houvesse partidos de direita.) Enfim, é algo que ele, FHC, também não poderia fazer, pois equivaleria a um "mea-culpa".

(Na verdade, não deveria causar surpresa a ninguém que os lulopetistas tenham se apoderado desavergonhadamente da política econômica do PSDB, a ponto de reivindicarem cinicamente sua paternidade: afinal, tucanos e petistas são crias do mesmo berço esquerdista uspiano, e aqueles apenas prepararam o caminho para que estes os substituíssem no governo. Antes de um Lênin, vem um Kerensky.)

A questão fundamental, em outras palavras, é a seguinte: como explicar que, embora o comunismo tenha caído em desgraça como regime político após a queda do Muro de Berlim e o colapso da URSS, ele tenha até ficado mais forte na América Latina, e no Brasil em particular? Como explicar esse fenômeno, além, claro, pela ignorância dos crimes inomináveis do comunismo, que não mais se justifica, ou pelo cinismo puro e simples, que leva algumas pessoas a se orgulharem de sua condição de comunistas, enquanto liberais e conservadores escondem, envergonhados, suas posições ideológicas?

Dito de outro modo: após 1989, a esquerda, ou pelo menos sua parcela mais importante, abandonou qualquer esperança de ser hegemônica em economia, mas manteve, e até ampliou, sua hegemonia ideológica e cultural. Abraçou o capitalismo - parte dela o fez -, mas apenas como um instrumento para levar adiante sua agenda antiliberal e antidemocrática. Questões antes desprezadas pelos partidos comunistas tradicionais, como a defesa de "minorias" e a preservação do meio ambiente, atreladas à agenda esquerdista, tornaram-se meros pretextos para atacar o capitalismo. Hoje, há mais comunistas na USP e na UnB do que em Pequim ou em Havana. Ao mesmo tempo, ninguém no Brasil se diz abertamente de direita, mas muitos se declaram oprimidos pela elite burguesa. Como explicar essa incongruência? Mais: como se chegou a essa situação?

O erro dos militares

Grande parte da culpa, paradoxalmente, recai sobre o regime militar de 1964, implantado exatamente para varrer do país a ameaça comunista.

Os militares são lembrados por terem imposto um regime autoritário conservador e combatido sem trégua a oposição de esquerda, sobretudo a esquerda armada. Quase ninguém lembra, porém, que entre as vítimas do arbítrio militar esteve também a direita civil, que foi marginalizada após 1964. Partidos como a UDN foram extintos e politicos anticomunistas como Carlos Lacerda foram cassados e tiveram suas carreiras políticas destruídas. O lugar destes foi ocupado por uma multidão de áulicos e oportunistas. O partido de sustentação do regime militar, a ARENA – de onde saíram muitos integrantes do DEM, ex-PFL – era ideologicamente nulo, como foram também seus sucessores.

Ao mesmo tempo, os militares no poder promoveram a ascensão de tecnocratas para os principais cargos públicos. Gente como Delfim Netto, hoje um dos principais gurus econômicos de Lula da Silva. Em termos politicos, surgiu um enorme vazio, que foi logo preenchido, durante o processo de “abertura” após 1974, pelo antigo MDB - de onde saíram FHC e José Serra – e por lideres esquerdistas exilados, como Leonel Brizola e Miguel Arraes, para não falar de um certo sindicalista barbudo e de voz rouca, que desponta para a politica exatamente nessa época. Nesse processo, defensores do regime, como ACM e José Sarney, passaram-se rapidamente para o outro lado. E onde ficou a “direita”? Em parte alguma.

O alijamento da direita civil pré-64 e sua substituição pela tecnocracia prepararam o terreno para a convergência de todos esses setores no campo da economia, em que o nacionalismo econômico e o dirigismo estatal se tornaram a ideologia oficial de nove em cada dez politicos brasileiros (o caso de Roberto Campos, ex-ministro do marechal Castello Branco, era uma anomalia excepcionalíssima). De tal forma que, após o interregno desastroso do governo Collor – aliás, uma caricatura de politico liberal, hoje comodamente alinhado nas hostes governistas –, não havia ninguém para defender abertamente e sem rodeios medidas como a privatização das estatais e cortes nos gastos públicos. Tal tarefa foi desempenhada, de forma relutante e pela metade, quase pedindo desculpas, pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso, desde então tachado imbecilmente de “neoliberal” pelas esquerdas.

Quanto aos partidos “de direita”, o DEM à frente, restringiram-se a um liberalismo pela metade, a um liberalismo para inglês ver, limitado quase inteiramente aos números da economia. Esquecem-se, assim, que o liberalismo econômico é inseparável do liberalismo politico, sem o qual aquele não passa de uma casca vazia, uma forma de justificativa de regimes autoritários. Ou alguém duvida que, economicamente, a China é hoje mais “liberal” do que o Brasil? Não dá para separar Adam Smith e John Locke, Friedrich Hayek e John Stuart Mill.

Mas o mais importante: a despolitização da sociedade promovida pelos militares veio de mãos dadas com a renúncia à guerra cultural. Os militares perseguiram os opositores do regime e exterminaram as guerrilhas de esquerda, e nisso demonstraram implacável eficiência, mas não fizeram absolutamente nada para impedir que o marxismo tomasse conta das universidades e do aparato cultural no Brasil. Pelo contrário: figura de proa do regime de 64, o general Golbery do Couto e Silva – o principal articulador do processo de abertura política nos governos Geisel e Figueiredo – defendia abertamente a “teoria da panela de pressão”, segundo a qual era necessário, e até desejável, que a esquerda dispusesse de um canal de expressão nas artes e na cultura, vistas até então como um terreno “inofensivo”.

O resultado disso foi que os militares renunciaram completamente a qualquer tipo de controle capaz de impedir a hegemonia gramsciana da esquerda, que se intensificou a partir do final dos anos 60, com os esquerdistas ocupando cada vez mas espaços nas áreas jornalística, artística e cultural, ao mesmo tempo em que a repressão se intensificava. Havia censura, é verdade, mas esta visava tão-somente impedir a divulgação de certas notícias consideradas incômodas para o regime, e não a impor a visão ideológica dos militares – até porque o regime militar não tinha qualquer ideologia, apenas a chamada "doutrina de segurança nacional". Nas artes, no cinema, nas redações dos jornais e revistas, nas universidades, nos sindicatos, nas igrejas – em toda a superestrutura da sociedade a visão de mundo marxista, na forma de revolução gramsciana, se impôs praticamente sem oposição.

Nunca se leu tanto Marx e Gramsci nas escolas e universidades brasileiras quanto nos anos 60/70, auge da ditadura militar. Também não se fez nenhuma tentativa séria, por parte dos militares, de evitar que a esquerda monopolizasse a História do período. Resultado: 25 anos depois do fim do regime dos generais, somente se conhece o ponto de vista dos "derrotados", com a consequente repetição ad nauseam de mitos e falácias sobre os "heróicos guerrilheiros que só queriam a democracia" - uma mentira desmentida pela simples leitura dos documentos das organizações terroristas (aliás, dizer que não eram terroristas é outro mito esquerdista sobre a época, desmentido facilmente por palavras e fatos). Com o tempo, seria estranho que o PT e seus aliados de esquerda não cooptassem os "movimentos sociais" e as universidades não se tornassem, como se tornaram, verdadeiras madraçais do pensamento único esquerdista. Do mesmo modo, foi durante o regime militar que os meios de comunicação, em especial a TV, tiveram um extraordinário avanço, sendo a grade de programação preenchida por novelas e filmes escritos e dirigidos por renomados esquerdistas, com temas esquerdistas. Eis o grande erro dos militares: negligenciaram a cultura. A esquerda e a extrema-esquerda agradecem.

A revolução gramsciana em ação

Como sempre acontece quando ocorre uma revolução, ainda que silenciosa, a cultura anterior – nesse caso, a alta cultura –, foi completamente obnubilada, tendo dado lugar à propaganda ideológica pura e simples. A tal ponto que falar em cultura hoje no Brasil é falar de algo que não existe, ou que já deixou há muito de existir: as grandes figuras da intelectualidade brasileira deixaram de ser Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa ou mesmo Jorge Amado, e passaram a ser Chico Buarque de Holanda, Marilena Chauí, Emir Sader, Marco Aurélio Garcia, Tarso Genro, Frei Betto…

Enfim, um enorme deserto, em que a alta cultura, substituída por um misto de agitprop e show business, tornou-se coisa do passado. Em seu lugar, a propaganda, muitas vezes nem sequer disfarçada, foi entronizada. E o pior: sem que ninguém percebesse. (O que comprova a máxima de que a melhor propaganda é mesmo a que não parece propaganda.) O objetivo desse tipo de propaganda é tornar mais fácil a ascensão dos esquerdistas ao poder, mediante a conquista de corações e mentes. Para que fazer a revolução pela força, ou mesmo pelas urnas, se se pode transformar todos em militantes repetidores de slogans – e o melhor: sem que ninguém se dê conta disso?

Assim, de forma lenta e gradual, anestésica, quase imperceptível, a esquerda brasileira conseguiu impor, nos últimos quarenta anos, sua hegemonia cultural e política, baseada na ditadura do "politicamente correto" e mediante os meios de comunicação de massa. Hoje, a agenda esquerdista é a única que se faz ouvir nos canais de TV, especialmente nos chamados temas comportamentais. O povo brasileiro é majoritariamente conservador e nem quer ouvir falar em legalização do aborto ou em "casamento" gay, mas tais coisas lhe são constantemente impingidas pelo noticiário e pelas novelas da Rede Globo, que fazem abertamente a apologia do gayzismo e do abortismo. Imposturas como as cotas raciais, por exemplo, só são possíveis porque não existe uma resistência politica efetiva, algo que partidos como o DEM e o PSDB não têm a menor intenção de fazer (tal tarefa acaba ficando nas mãos de setores da Igreja ainda não sequestrados pela "teologia da libertação" e pastores evangélicos - menos, claro, os da Record -, da VEJA ou de associações de empresários, ou de blogueiros isolados). Sem falar em atentados claros à liberdade religiosa e de expressão disfarçados de defesa dos "direitos humanos" como o PNDH-3 e em campanhas falaciosas como a do "desarmamento" que, mesmo derrotada num plebiscito em 2005, reaparece sempre, de forma oportunista, como no recente massacre na escola em Realengo, no Rio de Janeiro.

Nos EUA e nas democracias européias, temas como esses fazem parte do debate politico cotidiano. No Brasil, ao contrário, denunciar fatos documentados como a ligação do PT com as FARC e a corrupção governamental, ou mesmo cobrar coerência em temas como aborto, ou defender princípios e valores cristãos, é descartado imediatamente como "moralismo direitista", quando não é "golpismo" (!). Nesses e em outros assuntos, como a descriminalização das drogas e a maioridade penal, a opinião popular destoa frontalmente da agenda dos esquerdistas. Com que direito, portanto, estes se dizem os legítimos representantes do "povão"?

Enquanto a inexistente “oposição” brasileira continuar bancando o avestruz e enfiando a cabeça na areia, recusando-se a travar a necessária batalha das idéias e elegendo a defesa do liberalismo econômico como única bandeira, o caminho para a implantação de uma forma de ditadura esquerdista no Brasil estará aberto sem qualquer impedimento. E sem que um único tiro precise ser disparado. De fato, em nenhum outro país a revolução cultural gramsciana está tão avançada quanto no Brasil. Realmente, o Brasil é, por esse ângulo, menos democrático do que a Venezuela – no país de Hugo Chávez, existe oposição ao governo, e inclusive uma direita organizada e atuante, ao contrário do que ocorre (ou melhor: não ocorre) no Brasil. Pode-se dizer, sem exagero, que nenhum outro país está mais pronto para se tornar uma ditadura comunista. Cultural e ideologicamente, o Brasil já é uma república soviética. Graças, em parte, aos militares e à "oposição".

3 comentários:

Anônimo disse...

Prof Gustavo, perfeita análise, meus parabéns
o SR APENAS ESQUECE-SE DE QUE O PT É UM PARTIDO CRIMINOSO, QUE VIOLA AS LEIS E VIVEMOS NUMA DITADURA ALEGRE. Assim, poucos são os politicos que possuem ficha limpa e se atrevem a ir contra este bando de criminosos.

GRAÇA NO PAÍS DAS MARAVILHAS disse...

A revolução persiste ....Creio que vivamos o ápice do gramcismo no BRASIL, e ao mesmo tempo, da mediocridade e do niilismo
O numero de suicidas aumentou, de assassinatos,da violencia doméstica, enfim, o plano destruidor anda de vento em popa
MAS DEUS VAI PROVAR QUE É BRASILEIRO- SERÁ?

Anônimo disse...

No garden without its weeds.