Imaginem a cena: você, cidadão brasileiro, adulto e pagador de impostos, chega em casa e encontra seu filho de sete anos rasgando a cortina da sala. O moleque, que é dado a fazer arte, em seguida atira aquele vaso de porcelana chinesa que pertenceu à sua avó no chão, espatifando-o, enquanto sai pintando as paredes com lápis de cor. Você, fulo da vida, pensa em dar-lhe uma surra, mas aí pára e recua: se fizer isso, se encostar um dedo no pestinha, corre o risco de ir parar na cadeia. Ele, ou algum vizinho, poderá chamar a polícia, alegando agressão. Você não tem mais o pátrio poder sobre seus filhos: agora este papel cabe ao Estado. O jeito é deixar que o pimpolho continue virando a casa de pernas pro ar.
Aborrecido e frustrado por não poder exercer seu papel de pai e mostrar a seu próprio filho, da maneira que considera mais conveniente, a diferença entre o certo e o errado, você resolve dar uma volta. Vai a um bar, onde espera relaxar tomando uma cerveja e dando umas baforadas. Mas aí se lembra que não é permitido fumar no local, assim como em nenhum outro boteco ou restaurante na cidade. Assim como perdeu a patria potestas, você não tem mais o poder de decisão sobre seus próprios pulmões, mesmo em lugares como esse: é uma determinação estatal. Aborrecido, frustrado e proibido de fumar, você se conforma e se junta a alguns amigos. Eles estão se divertindo, contando piadas. Você, depois de uns goles, se lembra daquela piada muita engraçada. "Era uma vez uma bichinha que..." Mas aí pensa um pouco, olha por cima dos ombros e decide não contar. O bar está cheio. Vai que algum gay escuta e decide lhe denunciar por, sei lá, atitude homofóbica? Antes que aquele sujeito de camiseta colada cor-de-rosa que não pára de lhe encarar desde que você chegou lhe passe uma cantada e você não possa recusar (pode ser interpretado como homofobia), você se despede de todos. Sem palmada, sem cigarro e sem piada, você volta para casa, com a cabeça baixa, pronto para encontrar a casa virada pelo avesso por um pequeno tirano.
Acharam absurdo? Pois é mesmo. E o mais estrambólico de tudo é que é para isso que estamos caminhando. Se depender de algumas iniciativas que ameaçam tornar-se lei, tudo que está descrito acima vai virar realidade. Aliás, já está virando.
Nesta semana o governo Lula da Silva enviou ao Congresso um projeto de lei que torna ilegal palmadas e beliscões dos pais em seus filhos. É mais uma invenção da tal Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, comandada por Paulo Vanucchi. De agora em diante, se vitoriosa a proposta, você, leitor, ficará proibido por lei de dar um puxavante em seu rebento quando ele fizer birra. Se você puxar a orelha dele quando ele estiver berrando e batendo o pezinho no shopping porque quer levar aquele helicóptero de plástico que viu na vitrine, um guarda virá e lhe dará voz de prisão. A menos que queira passar uma temporada no xilindró, você ficará impossibilitado de cuidar da educação de seu filho. O Estado fará isso por você.
Leis como essa, que tornam ilegal a palmada e punem com cadeia quem for pego aplicando-a ao próprio filho, só são possíveis de ser levadas a sério em períodos como o que estamos atravessando, em que a racionalidade parece ter tirado férias e não avisado quando vai voltar. Trata-se de uma lei estúpida, completamente idiota. Primeiro, porque irá afetar apenas pais responsáveis e decentes - pais irresponsáveis e indecentes continuarão agindo como sempre agiram, ou seja: continuarão agredindo e torturando crianças, como já fazem, com ou sem lei (aliás, já existem leis que punem pais torturadores e negligentes). Os pais que amam seus filhos, que quero crer são a maioria, por sua vez, ficarão tolhidos em seu direito - na verdade, em sua obrigação - de criá-los e educá-los para a vida. Segundo - e o mais grave -, a lei é cretina porque constitui uma interferência indevida do Estado na esfera privada, uma intromissão do governo num assunto particular. Como tal, é um passo rumo ao totalitarismo.
O mesmo pode ser dito de outras medidas semelhantes. A tal lei "anti-homofobia", por exemplo, um projeto do movimento GLBTT para criminalizar qualquer manifestação de "preconceito" contra homossexuais. É um absurdo total, um contra-senso absoluto: segundo a definição do que seria homofobia que consta no projeto de lei, quase todos os humoristas no Brasil deveriam estar cumprindo pena. Sem falar na liberdade religiosa, um direito, goste-se ou não, assegurado pela Constituição e fundamental em qualquer democracia. Como ficam os padres católicos e pastores protestantes, ou de qualquer outra denominação? Ficarão proibidos de citar as passagens da Bíblia que condenam o homossexualismo? Serão obrigados, por lei, a permitir que um casal gay troque carícias na frente dos demais fiéis durante uma missa ou um culto? Mas a Igreja Católica não está sendo atacada justamente por causa dos padres pedófilos (muitos deles, também homossexuais, embora estranhamente não se tenha ouvido falar muito desse detalhe)? Francamente, se eu fosse gay, tudo que eu iria querer era que o Estado me deixasse em paz, não que estivesse a serviço de minha escolha pessoal para policiar o pensamento alheio em nome do politicamente correto.
Na verdade, leis como a que criminalizam a palmada, as piadas de gay ou o cigarro seguem o mesmo padrão de leis que obrigassem todos a escovar os dentes ou a só ingerir alimentos saudáveis: o padrão totalitário (outra tentativa idiota e que seguia o mesmo raciocínio torto foi o plebiscito sobre desarmamento, que felizmente tomou um "não" bem redondo alguns anos atrás). Seu verdadeiro objetivo não é criar harmonia ou bem-estar, mas limitar e, no final, eliminar a liberdade individual - e a responsabilidade individual que daí advém e que lhe é inerente. O resultado não são cidadãos mais conscientes e responsáveis, mas exatamente o contrário: pessoas infantilizadas e irresponsáveis, incapazes de gerir suas próprias vidas ou as de outros. E totalmente dependentes do Estado. Se você lembrou do Bolsa-Família, está no caminho certo.
Não é de admirar que iniciativas como essa ocorram exatamente agora, e pelas mãos dos lulo-petistas. Lula já se tornou um deus para muitos; agora quer ser também o pai de nossos filhos. Papai-Lula já se proclamou o reformador do mundo; logo, não há nada de surpreendente em querer ser também juiz de costumes. Ele já virou de cabeça para baixo as noções de ética e de democracia, arvorando-se em pai da pátria; por que não se arvorar em pai, literalmente, de cada brasileiro? O Brasil já teve um presidente que quis proibir o biquini nas praias; agora, tem um presidente que quer mandar na educação familiar de cada um. Lula ainda não nos diz como devemos fazer sexo. Mas não está muito longe disso.
Aliás, é interessante como todos os ideólogos do dirigismo estatal e defensores da "igualdade" parecem ter problemas sérios em educar seus próprios filhos. Rousseau, o filósofo do século XVIII considerado o avô do socialismo, demonstrou todo seu amor à humanidade abandonando sua prole a um orfanato estatal. Ferrenho defensor do império da virtude pública, era incapaz de ensiná-la na vida privada. Lula também não foge à regra, como mostra a educação que proporcionou a seu filho Lulinha, especialmente as lições que deu sobre a diferença entre o dinheiro público e o privado e a imoralidade do nepotismo... Pelo visto, Lula deixou de dar uma boas chineladas em Lulinha quando criança. Deu no que deu.
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Se a tal lei da palmada fosse somente estúpida, já seria suficientemente grave. Mas ela é mais do que isso: é um passo rumo às trevas, ao fim da liberdade. Nem falo da idealização da criança e da destruição da autoridade paterna (ou materna), fontes de tantos desajustes. Assim como Nelson Rodrigues, não vejo a criança como um ser que deve mandar nos pais, e sim o contrário. A palmada, nesse sentido, pode ter, sim, um papel pedagógico. Tenho uma filha de um ano e sete meses. Jamais precisei, e espero sinceramente jamais precisar um dia, dar-lhe uma palmada. Nem por isso aceito que funcionários do governo venham me dizer como devo educá-la. Reservo-me o direito de não entregar sua educação nas mãos de Lula e Paulo Vanucchi.
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Sempre haverá quem diga que leis como a da palmada ou a anti-fumo - uma invenção dos tucanos, para não dizerem que só pego no pé dos petistas - podem até ser uma intromissão num assunto privado, e são até desnecessárias visto o que digo acima, mas é preciso reconhecer que elas trazem em si boas intenções etc. e tal. Respondo que é mais um motivo para repudiar essa tentativa de tratar a todos como crianças ou idiotas. Idéias totalitárias vêm sempre embaladas nas melhores intenções. Os inimigos da liberdade não se contentam em estatizar a economia; querem também estatizar a vida privada. Perguntem aos cidadãos da antiga União Soviética.
4 comentários:
se você quiser emitir fumaça cancerígena e estragar o paladar das pessoas num restaurante eu acho errado, não fumo e não me importo que se matem, mas que se matem sozinhos e não estraguem as refeições dos outros ao redor. também acho errado a legalização do cigarro, vicia e prejudica a economia dos miseráveis que trocam o leite do filho pelo maço de cigarro, para que serve um cigarro? gerar empregos, receita para médicos, industrias farmacêuticas e impostos? Acredito que fumar a maconha dos traficantes é tão idiota quanto cigarro.
israel, a única democracia do Oriente Médio, para mim não deveriam nem estar lá, lembrando o processo de criação de israel. foi criada a faixa de gaza, se você estivesse na faixa de gaza o que você diria ou faria a respeito?
Concordo com esse texto mas sugiro que você mude o nome do Blog.Ao invés de Blog Do Contra coloque blog do PSDB.Você só usa o blog para criticar o governo do PT? Pare com isso e começe a ser sensato. Não use esse poderoso veículo de comunicação apenas para mudar as opiniões das pessoas. Se quer falar dos erros do governo do Lula ok mas ressalte também os acertos.
"Concordo com esse texto mas sugiro que você mude o nome do Blog.Ao invés de Blog Do Contra coloque blog do PSDB.Você só usa o blog para criticar o governo do PT?"
Último parágrafo, primeira linha:
"Sempre haverá quem diga que leis como a da palmada ou a anti-fumo - uma invenção dos tucanos, para não dizerem que só pego no pé dos petistas" [...]
Sugiro ler antes de comentar.
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