Confesso: não entendo muito de futebol. Pior que isso - o que é realmente imperdoável para um brasileiro -: não sou muito fã de bola. Não torço para nenhum time, nem acompanho nenhum campeonato. Mesmo a Copa do Mundo não me causa muito emoção (a última que acompanhei com real interesse foi também a primeira a que assisti pela televisão, em 1982, quando eu tinha oito anos de idade; desde então, Copa do Mundo para mim é algo tão emocionante quanto um campeonato de sinuca ou de peteca). Por isso jamais levei a sério o papo idiota da "pátria de chuteiras". Acho, aliás, que esse pensamento, a identificação da nacionalidade com onze marmanjos de camiseta e calção, é um dos aspectos mais nefastos de qualquer país.
O futebol é uma bobagem. Como, aliás, qualquer esporte. Nenhum país fica melhor, nenhum povo se torna mais educado, porque a seleção nacional ganhou a Copa do Mundo, ou porque seus atletas conquistaram o maior número de medalhas em uma Olimpíada. Se têm alguma dúvida, vejam quantas medalhas olímpicas ganhava a antiga Alemanha Oriental, um regime comunista, e comparem com quantas medalhas ganhava a capitalista Alemanha Ocidental, muito mais desenvolvida. Uma das Olimpíadas mais vistosas já realizadas foi a de Berlim, em 1936, que Hitler transformou em palco para a propaganda nazista. Guerras já foram deflagradas por uma partida de futebol, como sabem os antigos iugoslavos e Honduras e El Salvador. Hoje vivemos uma onda de euforia irracional porque o Brasil irá sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada. O México sediou uma Olimpíada e duas Copas do Mundo, e nem por isso virou um paraíso. Hoje, está mais para um inferno do tráfico de drogas.
Como disse, o futebol é uma bobagem. Se déssemos às falcatruas dos políticos 1/3 da atenção que dispensamos às declarações de Dunga ou aos dribles de Ronaldo Fenômeno - sem falar nos escândalos com travestis e marias-chuteiras -, o governo já teria caído há muito tempo. O futebol é o ópio do povo. E é a alegria dos cartolas e espertalhões que já estão esfregando as mãos com a perspectiva de boas ladroagens em 2014. Sem falar dos politiqueiros de plantão, sempre prontos a capitalizar em cima de vitórias esportivas. Lula resolveu visitar vários países da África justamente na época da Copa da África do Sul. Ele queria estar presente à final do campeonato. Com a eliminação do Brasil diante da Holanda, é duvidoso que ele vá comparecer.
Aqui é que entro com o meu, digamos, pitaco de (mau) torcedor. Quem assistiu ao jogo entre Brasil e Holanda viu mais do que futebol. Viu uma equipe que vinha se preparando com disciplina militar por um treinador belicoso e inimigo da imprensa desmoronar por motivos alheios à técnica futebolística. Depois de um primeiro tempo quase perfeito, que parecia até mesmo prenunciar uma goleada sobre os holandeses, o que se viu foi um espetáculo lamentável de despreparo mental. Bastou um gol de empate numa falha da defesa para que a seleção brasileira virasse geléia. Incapaz de lidar com as constantes provocações e pipocagens do time adversário, os temperamentais jogadores brasileiros deixaram escapar todo seu destempero, toda sua falta de controle emocional. Arregaram.
O vexame é ainda maior quando comparado com a atuação de outras seleções. No dia seguinte à desclassificação do Brasil, ainda de ressaca, os brasileiros tiveram algum consolo na eliminação da Argentina. Mesmo perdendo de 4 a 0 para a Alemanha, a seleção de Maradona e Messi, atrevo-me a dizer, saiu da Copa com dignidade. Com a cabeça erguida. Os brasileiros, ao contrário, saíram da pior maneira possível. E não me refiro somente ao gol contra e ao descontrole de Felipe Melo. À diferença do time de Dunga, a Argentina tomou de quatro e foi recebida com festa em Buenos Aires. Nossos outros vizinhos sul-americanos, mesmo perdendo ou na iminência de perder, também souberam manter a cabeça no lugar. O Paraguai desperdiçou um pênalti contra a Espanha, que também perdeu um dois minutos depois, e nenhum dos dois times se descompôs em campo. O Uruguai, em desvantagem no último minuto da prorrogação contra Gana, teve sangue-frio suficiente para reverter a situação e faturar nos pênaltis. Fico imaginando o que fariam os jogadores brasileiros, como Kaká ou Robinho, se tivessem perdido uma penalidade máxima. Não sabemos perder. Muito menos ganhar.
A verdade é que damos importância demais ao futebol. Para nós, vencer uma Copa do Mundo, ou mesmo uma partida amistosa, é uma questão de vida e morte. De segurança nacional. Da vitória ou da derrota em campo depende nosso humor, até mesmo nosso orgulho como povo. É como se o país não existisse sem o futebol. Isso demonstra como somos atrasados. O Brasil já viveu só de açúcar ou de café. Hoje vive da jabulani.
Mais que isso, é no futebol que se evidenciam nossos maiores defeitos, nossas taras nacionais mais arraigadas. Se vencemos uma partida, isso é motivo para que aflore todo nosso ufanismo, toda nossa megalomania e provincianismo - quase sempre, as duas coisas vêm juntas -, todo nosso complexo de vira-latas disfarçado. Se, ao contrário, o time perde, é motivo para a mais profunda prostração, um sentimento de zé-ninguem quase insuportável. Um psicólogo diria tratar-se de um caso clássico de esquizofrenia, ou de transtorno de personalidade bipolar, manifestado sazonalmente.
Não quero parecer chato ou estraga-prazeres - em minha terra se chama "corta-lombra" -, mas a verdade é que, pelos motivos acima, sou indiferente a que o Brasil ganhe ou não a Copa do Mundo. Estou me lixando se o Brasil for hexacampeão. Esse tipo de oba-oba não faz meu gênero. Muito mais interessante seria acompanhar o destino do dinheiro público nas obras da Copa de 2014 ou da Olimpíada de 2016. Certamente, teríamos - teremos - motivos de sobra para nos envergonharmos. É mais chato, eu sei, mas quem disse que a verdade é sempre agradável?
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(Aliás, por falar em chatice, nada mais chato do que as horas e horas perdidas de discussão inútil em insuportáveis mesas-redondas, essa invenção tipicamente brasileira, uma conversa de boteco em que um bando de marmanjos - e, nos últimos tempos, também mulheres - dão vazão à mais completa falta de assunto. Sem falar nas crônicas em tom de poesia, a "literatura de estádio", tão chata quanto uma vuvuzela.)
"O futebol é só um jogo", repetiam a cada dois minutos os locutores depois do fracasso da seleção brasileira. Mentira. O futebol não é só um jogo. É o reflexo do caráter de um povo. Os próprios locutores sabem disso. Tanto que, se a seleção brasileira tivesse saído vitoriosa, estariam berrando slogans ufanistas. Como perdeu - e perdeu de forma vergonhosa -, tentam pôr panos quentes e racionalizar a derrota.
O descontrole emocional dos jogadores brasileiros é uma síntese do descontrole psicológico dos brasileiros, um povo cordial, que se deixa levar pelas emoções, em geral pelas baixas emoções, e não pela razão. Aliás, é exatamente isso que significa a palavra cordial, tal como definida por Sérgio Buarque de Holanda. Cordial não por ser polido ou cortês, mas por deixar-se levar por aparências, ou colocar geralmente a bile à frente dos neurônios. Isso fica claro na política, por exemplo. Por aqui, falar mal de um demagogo ignorante com intenções caudilhescas e megalomaníacas que governa como um animador de auditório é um crime de lesa-pátria. É... O futebol é realmente um espelho da nação.
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