Embalado por uma corte de bajuladores, incensado por uma imprensa embasbacada e por empresários incapazes de enxergar além do próprio bolso, estimulado por altos índices de popularidade em função do que outros fizeram e pelo silêncio cúmplice de uma oposição auto-castrada, Luiz Inácio Lula da Silva achou que estaria marcando um gol de placa ao assinar, juntamente com a Turquia, o acordo nuclear com o Irã de Mahmoud Ahmadinejad, na terça-feira passada. Menos de 24 horas depois, porém, a fanfarra deu lugar à depressão mais profunda: percebendo que o acordo não passava de uma forma de Ahmadinejad ganhar tempo para evitar sanções e prosseguir desafiando o mundo com seu programa nuclear secreto, as cinco potências do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha, aprovaram unanimemente novas sanções internacionais ao Irã, tornando o acordo, anunciado com estardalhaço na véspera, letra morta. O "gol de placa" virou uma bola murcha. Pior: um vexaminoso gol contra.
"Tem gente que não sabe fazer política sem inimigos", esbravejou o reformador do mundo, querendo referir-se aos países do Conselho de Segurança, aparentemente se esquecendo de que Mahmoud Ahmadinejad não sabe fazer política sem o inimigo objetivo - Israel, que ele jurou varrer do mapa. "O acordo era o mesmo que tinham proposto antes", lembrou, ignorante do fato de que, justamente por isso, um novo acordo nas mesmas bases com Ahmadinejad, que já descumpriu acordos semelhantes no passado, não acrescenta nada. "Dizem que o Brasil não tinha nada que se meter na questão do Irã; e os EUA, o que tem a ver com a questão?", urrou o especialista em geopolítica e auto-proclamada pomba da paz, investindo contra os alvos de sempre, a "elite" e os EUA, que não o deixariam fazer uma política externa "sem inimigos". Como se os EUA, principal aliado e suporte de Israel, e maior alvo do terrorismo islamita, não tivessem nenhum interesse em neutralizar uma ameaça terrorista representada por um Estado teocrático com armas nucleares...
Lula acreditou, convencido por assessores que só dizem o que ele quer ouvir e pela lista dos mais influentes da Time, que bastaria uns tapinhas nas costas e duas ou três piadas que ele resolveria de uma vez por todas a questão mais complexa do mundo atual. Acreditou nos próprios poderes demiúrgicos para, "olho no olho", convencer Ahmadinejad a deixar de ser Ahmadinejad e cimentar, assim, o caminho para, quem sabe, ganhar o Nobel da Paz ou tornar-se o primeiro secretário-geral monoglota da história da ONU. Infelizmente para ele, a realidade não se ajustou a seus planos. Quebrou a cara, de forma miserável.
O mais novo vexame da política externa lulista demonstra claramente o quão desastrosa pode ser uma diplomacia quando a esta se juntam a pretensão e a ignorância. Lula é considerado por muitos um gênio da política doméstica, onde se beneficia da ausência de oposição real e de décadas de endeusamento, mas não passa de um total ignorante em questões externas. Seu conhecimento dos problemas do Oriente Médio não vai além de uma conversa de botequim com os companheiros do partido. Para ele, resolver conflitos internacionais de décadas ou séculos é como conseguir um acordo entre sindicalistas e empresários da FIESP, ou como costurar uma aliança com o PTB ou o PMDB, na qual ele pode exercer seu charme de ex-metalúrgico e sua habilidade instintiva de conciliador. Em política internacional, ao contrário, isso não basta. Lula jamais se deu ao trabalho de ler um livro e estudar a questão que se propõe resolver, confundindo árabes com persas. O resultado é uma sucessão de trapalhadas, que apenas deixam exposto seu despreparo e o colocam na posição de bobo da corte ou de idiota útil da arena internacional, como escreveu recentemente o New York Times. O que o impele não é a preocupação genuína com a segurança e a paz mundial, mas a ambição pessoal, a pura, simples e infantil vaidade.
Há outros fatores, claro, que só reforçam a trapalhada. A Turquia, como país islâmico, pode ter lá seus motivos para assinar o acordo com o Irã. Entre outros fatores, ambos os países são vizinhos, e partilham uma grande população curda, além de possuírem laços históricos e comerciais que se perdem nas brumas do tempo. Mas e o Brasil? A busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, uma velha obsessão do Itamaraty, ficou, na prática, mais longe depois do acordo de Teerã - os países árabes, cujo apoio Lula corteja para o pleito, desconfiam tradicionalmente do Irã, coisa que Lula também parece ignorar completamente. Sobra a ambição nuclear própria, a megalomania que membros do governo já deixaram clara em algumas declarações contrárias ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), inclusive com a tese, realmente fantástica, da "bomba nuclear para fins pacíficos" (!)... É somente isso que explica, além da soberba e da ignorância, o apoio quase explícito dos lulistas ao programa nuclear iraniano.
"Mas o Brasil assinou o TNP, e a Constituição proíbe o País de ter armas nucleares", poderia lembrar alguém. É verdade. Mas isso não elimina outra grande verdade: esse é o governo presidido por um sujeito que, diante de um obstáculo constitucional à expulsão de um jornalista estrangeiro que havia escrito sobre seus hábitos etílicos, resolveu a questão com um murro na mesa e a seguinte frase: "Foda-se a Constituição!"
A união da pretensão com a ignorância jamais pode dar bons resultados. A política externa petista do Itamaraty é uma prova disso.
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