(Na foto, uma legítima cachapa venezuelana)
Para Lula, impor uma ditadura é uma questão da "cultura local"
Lula deu uma entrevista ao jornalista Fareed Zakaria, da Newsweek. Está na edição desta semana da revista. Na capa, a foto dele, Lula, com a chamada "Precisamos ser ousados". Original, não?
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Comecei a ler a entrevista, que também está no site da revista, e fui logo tomado de um sentimento de tédio irresistível. As perguntas do entrevistador, um conhecido esquerdista norte-americano (lá eles são chamados de "liberais"), parecem ter sido feitas sob medida para apresentar o Apedeuta como um grande estadista. "Seu encontro com o presidente Obama durou mais do que esperado. Sobre o que falaram?", "O senhor se deu muito bem com o presidente Bush. Em que eles são diferentes?", "O senhor é provavelmente o líder mais popular do mundo, com 80 por cento de aprovação. Por quê?", e por aí vai.
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As respostas de Lula, como esperado, não trazem nada de novo, são as mesmas a que já nos acostumamos faz mais de seis anos. Sobre o encontro com Obama, Lula disse que falaram de crise econômica e etc. coisa e tal. Disse que reza mais por Obama do que por ele mesmo, "porque os problemas dele são muito mais delicados do que os meus" (ou, antes da tradução: "pruquê us pobrêma dele sum mais cumpricadu que us mêu") . Na hora de explicar sua popularidade, a mesma lengalenga de sempre: o governo vem conciliando crescimento da economia com distribuição de renda, fazendo muito pelos pobres, já retirou 20 milhões da linha de pobreza, já entregou luz elétrica a cerca de 10 milhões de lares, vem aumentando o salário mínimo etc. etc. E aí por diante. Quase se vê o Lula com seu sorrisinho, gesticulando, dizendo "sabe", "ou seja" com a mão levantada, como se estivesse esticando um varal imaginário para dar ênfase ao que diz, enquanto pensa: "esse gringo já está no papo; já engoliu minha conversa direitinho hehe". Enfim, um trololó danado.
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Lula, com aquele seu jeitão de tiozinho que joga toda quinta-feira no bicho, e que muitos na "zelite" tomam por genuína espontaneidade de quem "é do povo", respondeu em seguida uma pergunta oblíqua sobre a reunião de dezembro passado de 33 chefes de estado latino-americanos na Costa do Sauípe - aquela em que Cuba foi admitida no Grupo do Rio sem que ninguém falasse em democracia na ilha-presídio. Lula disse que a reunião foi importante porque pela primeira vez (quase vejo ele dizendo: "nunca antes na história do mundo"...), os países da região haviam se reunido sem uma superpotência econômica como os EUA, e isso era uma forma de ter uma presença maior no cenário mundial. Repetiu ainda a conversa manjada - e furada - de que espera que, com a crise, os países em desenvolvimento tenham uma maior influência na política mundial, tanto em instituições como o Banco Mundial e o FMI quanto no Conselho de Segurança da ONU etc. e tal.
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A essa altura, eu já estava quase arrependido de ter comprado a revista, já havia começado a procurar uma lata de lixo para lhe servir de túmulo, quando resolvi fazer um esforço adicional e ler as duas últimas perguntas da entrevista. Traduzi-as para vocês, com as respectivas respostas:
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O senhor é considerado um grande símbolo da democracia nas Américas. E entretanto algumas pessoas dizem que o senhor tem ficado calado enquanto Hugo Chávez tem destruído a democracia na Venezuela. Por que não falar? Se o Brasil quer um papel maior no mundo, não seria o caso de se colocar a favor de certos valores? Bem, talvez não possamos concordar com a democracia venezuelana, mas ninguém pode dizer que não existe democracia na Venezuela. Ele [Chávez] passou por cinco, seis eleições. Eu só tive duas.
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Ele tem bandos armados nas ruas. Isso não é democracia de verdade. Olha, temos que respeitar as culturas locais, as tradições políticas de cada país. Já que eu tenho 84 por cento de apoio nas pesquisas de opinião, eu poderia propor uma emenda à Constituição para um terceiro mandato. Eu não acredito nisso. Mas Chávez quis ficar... Eu acredito que mudar de presidente é importante para o fortalecimento da própria democracia.
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O que dizer do que está aí em cima? Fico imaginando que, a cada pergunta, Celso Amorim ou, talvez, Marco Aurélio "Top, Top" Garcia estariam do lado, cutucando o Apedeuta e dizendo baixinho no ouvido dele: "repete aquilo que combinamos, presidente; sempre dá certo com esses americanos trouxas" etc. Pois é... Ninguém pode negar que a Venezuela é uma democracia, diz Lula, pois, afinal, lá já houve umas cinco ou seis eleições... Como se democracia fosse sinônimo de plebiscitos, não de exercício democrático do poder ou de respeito ao Estado de Direito Democrático.
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Mas o pior foi o que veio em seguida: é preciso respeitar as culturas e tradições locais, disse o Babalorixá, como o hábito de alguns presidentes de ter bandos armados nas ruas... Chávez já mandou fechar uma emissora de TV que lhe fazia oposição e já expulsou deputados e jornalistas estrangeiros que falaram mal de seu governo (assim como Lula), além de ter fortes laços comprovados com as FARC, os narcoterroristas colombianos. Mas, e daí? Isso tudo é parte da cultura local, como uma cachapa ou uma arepa, os pãezinhos típicos venezuelanos, ou das tradições políticas do país... A Venezuela esteve livre durante quarenta anos de candidatos a ditadores como Chávez, mas é ele que expressa a tradição política venezuelana... Nesse momento, Zakaria deve ter pensado: "pô, esse Lula é um dos meus mesmo, um verdadeiro multiculturalista".
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Não é preciso muita imaginação para perceber que o mesmo critério antropológico se aplica à perfeição a outros governos que Lula admira, como a ditadura dos irmãos Castro em Cuba. Há fuzilamentos e presos políticos? "É da cultura local", claro. E os 2 milhões que fugiram da ilha? "É parte da tradição política"... Claro, claro. Apenas uma coisa me intriga: por que esse mesmo tipo de argumento não foi usado pelos companheiros petistas quando se referiam à ditadura de Pinochet no Chile, anos atrás? Deixa pra lá.
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Se mente de forma tão descarada em relação a outros presidentes, Lula não fica atrás em relação a si mesmo. Talvez Zakaria e o público americano acreditem que ele, Lula, jamais pensou em terceiro mandato, e que - vejam só -, mesmo com 84 % de popularidade, ele não cogitou da ideia, e que acredita mesmo em coisas como alternância política e democracia. Como se ele não tivesse deixado sua tropa de choque ficar meses e meses cozinhando a ideia no Congresso, para ver se dava certo. Não deu. E, agora, ele prepara a companheira Dilma e diz acreditar na democracia.
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Mas, afinal, por que ele se diz tão interessado em democracia? Afinal, ela não faz parte de nossa cultura local, nem de nossa tradição política, não é mesmo?
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Quanta besteira! Quanto cinismo!
3 comentários:
Caro amigo,
Adicionei o seu blog à minha lista de acompanhamento de blogs liberais e conservadores.
Parabéns
Klauber C. Pires
LIBERTATUM
http://libertatum.blogspot.com
Cumprimentos. Jamais existiu maior enormidade entre nosotros, macaquitos brasileños. Obama é um gozador, e sabe de todas as contas das Caymans. Em primeiro de abril, não perca "Sobre a construção de 1 milhão de casas" www.allmirante.fr.cc.
Seu blog se encontra entre os meus favoritos, pela sua postura diante dos fatos.
Um abraço e boa semana.
Airton.
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