terça-feira, dezembro 18, 2007

COMO DESTRUIR UM PAÍS


Diante da atual situação política de Nuestra América, resolvi elaborar uma pequena receita que, creio, será útil aos candidatos a ditadores e demagogos de todos os tipos, cores e ideologias, que sonham em, um dia, alcançar o Paraíso na terra. Para eles próprios, evidentemente. Tomem nota:

Refundar a nação - A primeira lição que um bom caudilho populista deve aprender, talvez a mais importante de todas, é não ser modesto. Nada de reformazinhas cosmésticas aqui e ali, que logo serão superadas e esquecidas. O bom demagogo deve buscar sempre deixar sua marca na história, de forma inesquecível e indelével. E que maneira melhor de fazer isso do que "refundando" o país? Em outras palavras: nada de reconhecer avanços positivos nos governos anteriores; trata-se agora de romper radicalmente com o passado, fazendo dele tábula rasa. Todos os governantes que o antecederam não fizeram mais que destruir a nação; é hora de reconstruí-la das cinzas. Para fixar essa idéia-força na cabeça da população, não se furte a apelar para a história, condenando, por exemplo, as "elites" (ou "oligarquias") que "dominam este país há quinhentos anos". Mudar o nome oficial do país, inserindo um "bolivariano" no meio, é aconselhável. Aproveite e recubra qualquer iniciativa de seu governo, mesmo que seja a inauguração de cemitério de cachorro em Passa-Quatro do Norte, com ares de Moisés abrindo o Mar Vermelho ou de conquista da Lua, afirmando que "nunca na história deste país" se fez coisa semelhante. Finalmente, sempre que algum engraçadinho resolver botar água na sua fervura, apele para a "herança maldita" deixada pelo governo anterior como a raiz de todos os problemas atuais. Ainda que essa tal herança seja o que sustenta sua demagogia.

Apresente-se como representante das camadas populares - Essa é uma lição importantíssima. O bom demagogo deve esforçar-se sempre para trombetear, ante seu eleitorado e os visitantes estrangeiros, sua imagem de legítimo filho do povo, de autêntico rebento dos setores mais desfavorecidos. Se for mestiço, descendente de índios e semi-analfabeto, melhor ainda, pois sempre poderá usar sua origem e sua própria ignorância como moeda política, aproximando-se assim do povo, que o verá como um dos seus. Mesmo que essa ignorância seja voluntária e cuidadosamente estudada para provocar esse efeito, bastante impactante, curiosamente, também nas camadas mais abastadas, que gostam de coisas exóticas e costumam ser acometidas por um forte sentimento de culpa. Assim, tendo você conquistado a condescendência do conjunto da população, e inclusive das "elites", qualquer um que tiver a ousadia de apontar para sua manipulação de suas origens étnico-sociais por razões eleitoreiras será rapidamente tachado de "elitista" e "preconceituoso", ainda que aponte para fatos, nada mais que fatos.

Concentre todos os poderes - Este é o caminho das pedras. Tenha sempre em mente que o verdadeiro objetivo, a finalidade última, do demagogo é ter todo o poder em suas mãos. Mas aqui é preciso cuidado: não se trata de tomar o poder do Estado à força, num golpe ou quartelada. Esse método está ultrapassado. Nos dias de hoje, os caudilhos tratam de se apossar do poder de forma mais suave e dissimulada, usando os próprios meios legais da democracia. Lembre-se de Hitler e Mussolini, ditadores que conseguiram chegar lá pelo voto. Uma vez na cadeira presidencial, entretanto, não se contente com as restrições constitucionais à concentração dos poderes. De preferência, faça sua própria Constituição, após conseguir maioria parlamentar. Use e abuse de plebiscitos e referendos, pois, ainda que manipulados, você poderá dizer que seu governo é democrático e tem apoio popular e muitos acreditarão nisso. Faça questão de falar em democracia, mas sempre coloque um adjetivo depois, como "participativa" e "protagônica", para diferenciá-la da democracia verdadeira, que não precisa de adjetivos. Aproveite e nomeie os juízes da Suprema Corte, e também a Justiça Eleitoral. Se isso ainda não for suficiente, tente reformar a Constituição que você mesmo fez, a fim de conseguir ser reeleito quantas vezes quiser. Trocando em miúdos: use a democracia para destruí-la. Caso não tenha a sorte de encontrar um país em frangalhos, com a população ansiosa para se livrar dos velhos políticos, nem detenha maioria no Congresso, não tem importância: uma mesadinha para os deputados, digamos uns 30 mil caraminguás por mês, são o suficiente para garantir a fidelidade deles. Mas cuidado para que nenhum deputado da base aliada, não querendo servir de boi de piranha em algum escandalozinho qualquer, resolva botar a boca no trombone e chutar o pau da barraca. Aí o caldo entorna.

Cale a imprensa - O bom candidato a ditador deve sempre ter em mente que a imprensa, tirando a oficial, é sempre sua inimiga, e que notícia boa é sempre notícia a favor. Para garantir essa visão cor-de-rosa, não hesite em maquiar a realidade. Pode começar por uma repaginada no visual, por exemplo, trocando um macacão surrado de operário por ternos bem cortados (ou, se preferir, pode criar sua própria persona, usando símbolos como uma boina militar ou uma roupa com motivos indígenas, fique à vontade). Não esqueça de contratar um bom marqueteiro, a fim de passar uma imagem simpática, e cuidar da aparência (você vai perceber que, nesse jogo da política, aparência é tudo que há). Quanto à imprensa não-tutelada, não vá com muita sede ao pote. Nada de sair por aí mandando de cara empastelar jornais e espancar jornalistas atrevidos. Comece devagarinho, usando os próprios meios legais, como processos por injúria e difamação. Expulsar um jornalista estrangeiro que ousou escrever sobre seus hábitos etílicos, juntando assim censura e patriotada, é uma boa pedida, embora possa pegar mal no início. Idem para tentar tutelar o que se passa na TV, de preferência com nomes pomposos e aparentemente anódinos como Conselho Federal de Jornalismo. Ameaçar sutilmente cortar o fornecimento de papel aos jornais ou cancelar a concessão para funcionar, também é útil. Sem falar no método mais infalível de todos: grana. Com o tempo, você verá como parte da imprensa vai ficar mansinha, vendo como você é maravilhoso e dizendo amém para o seu governo. Logo, logo, você poderá alçar vôos mais altos, fechando, por exemplo, aquela emissora de TV que lhe incomodava. Lembre-se: o que você quer não é debate, não é honestidade. É aplauso.

Distribua assistencialismo - Demagogo que se preze não pode descuidar do bom e velho panen et circensis. Sobretudo porque isso é o que costuma lhe garantir apoio entre as massas populares, e simpatia em setores da intelligentsia nacional e internacional. Aproveite que há idiotas no mundo que sempre vão confundir populismo com justiça social, e faça farto uso de verbas oficiais para distribuir dinheiro e outros benefícios aos mais pobres. Se seu país for rico em recursos naturais, como petróleo, não pense duas vezes antes de torrar os petrodólares com "missões" assistencialistas nas favelas das principais cidades, ainda que tal assistencialismo não se traduza em melhorias efetivas da qualidade de vida da população. Se os alimentos começarem a sumir das prateleiras e a inflação disparar, não se preocupe: basta culpar a ganância dos especuladores, e pronto. O paternalismo estatal, seja na forma de misiones ou de Bolsa-Família, é item indispensável no kit de qualquer demagogo, pois ajuda a manter a população dócil e sob cabresto, criando uma clientela dependente e fiel. Mesmo se o seu maior beneficiário - ou seja, você, candidato a ditador - tenha passado metade da vida vociferando contra a esmola dos ricos, pois esta só fazia promover o conformismo e adiar a tão necessária revolução. Não importa: você está no governo agora, não é mais tempo de bravatas. Lembre-se: você gosta dos pobres; quanto mais deles houver, melhor.

Aparelhe a máquina estatal - É muito importante, para garantir o poder, cercar-se de companheiros leais. Essa lição elementar da política se aplica com muito mais intensidade no caso de líderes populistas e caudilhescos. No seu caso, não se trata apenas de encher a máquina estatal com companheiros de partido ou de campanha, em geral sem nenhuma outra qualificação para exercer o cargo para o qual acabaram de ser nomeados que não o fato de serem companheiros de partido ou de campanha. Trata-se de garantir o controle efetivo da máquina do Estado, sem o qual o projeto populista-totalitário não pode ser implantado. O fato de os que ocupam os altos cargos públicos não terem nenhum compromisso com estes ou capacitação técnica para exercê-los não deve ser um óbice para você: saiba que o Estado deve estar a seu serviço, e não da população. Se tal aparelhamento ideológico do Estado resultar em tragédias, como, por exemplo, a queda de um avião por causa de má administração do sistema aéreo, acione a outra máquina, a da propaganda, e é grande a chance de todos aceitarem a esparrela de que foi tudo uma fatalidade.

Coloque pobres contra ricos - Item da mais alta importância. O velho discurso marxista da luta de classes, verdadeiro catecismo das esquerdas, é sempre bem-vindo. Como bom adepto da arte da demagogia, você sabe perfeitamente que nenhum ditador, desde o século XIX, conseguiu impor sua tirania sem apelar para esse tipo de chavão. Tendo-se atribuído a missão messiânica de "refundar" o país, e apresentando-se como o representante iluminado dos anseios populares, você precisa coroar essa sua missão atiçando os pobres contra os ricos, os sem-terra contra os latifundiários, o proletariado contra a burguesia. Nesse quesito o apoio das esquerdas, em especial dos comunistas, ser-lhe-á de extrema relevância. Consciente que o comunismo soviético já foi para as cucuias faz tempo, e que o socialismo fracassou onde quer que tenha sido implantado, trate de rebatizá-lo, acrescentando-lhe um "democrático" ou um "do século 21". Tenha o cuidado, porém, de não deixar muito claro o que isso significa, deixando aberto o caminho para as mais diversas interpretações. É recomendável, aliás, cultivar a imprecisão. Por exemplo, caso lhe perguntem qual sua ideologia, responda que não é nem capitalista nem comunista, nem de direita nem de esquerda, apenas um "torneiro mecânico". Diante de uma platéia de empresários, é bom fingir compromisso com a estabilidade econômica, a disciplina fiscal, a democracia etc. Para a companheirada, porém, pode soltar o verbo, prometendo a revolução. Desse modo, você vai deixar seus adversários da oposição atordoados, enquanto implementa seu projeto de poder quase na surdina. Deixe os bobocas esquentarem a cabeça para descobrir qual é a sua. Afinal, quando descobrirem - se descobrirem -, já será tarde demais. Com essa aparente indefinição e ambigüidade, você conquistará de imediato o respeito da burguesia e a simpatia e apoio entusiastas de grande parte da intelligentsia européia e continental, órfã da utopia comunista e ansiosa por se deixar enganar novamente. Também não se importe com o fato de, sob seu governo socialista, ter surgido uma elite de burocratas e novos-ricos empoleirados nas tetas estatais. Assim como ocorria na ex-URSS e continua a ocorrer em Cuba, eles ganham dinheiro e bebem seu Romané-Conti a R$ 11 mil a garrafa para servir à causa dos trabalhadores. Além disso, junte à luta de classes uma pitada de chauvinismo nacionalista. Faça como Mussolini, transferindo a dicotomia ricos versus pobres para o cenário internacional. Esta é a próxima dica.

Invente um inimigo externo - Seguindo esse último conselho, não deixe de condenar, em seus discursos, o "imperialismo", escolhendo um país - de preferência, os EUA - para demonizar como responsável por todos os males do mundo. Aproveite que esse é um tipo de discurso que, não importa a época, sempre terá uma audiência atenta e fiéis seguidores. Além de servir para unir a nação em torno de sua figura e desviar a atenção dos problemas internos, a retórica antiimperialista serve também para projetá-lo no exterior, como líder dos povos oprimidos, mesmo que seu país seja um dos maiores exportadores para o "império". Busque aproximar-se de outros inimigos jurados da Casa Branca, em geral países democráticos como o Irã e a Coréia do Norte, a fim de formar um eixo contra as ambições imperiais de Bush e cia. Tal discurso será sempre popular, e tem o bônus de ser de fácil assimilação pelas massas incultas e analfabetas: estas sempre vão querer alguém para culpar pelos seus próprios infortúnios, causados, em grande medida, por você mesmo. Se esse inimigo externo a condenar for os EUA, aí sim a coisa fica perfeita. Sobretudo se o país estiver envolvido em duas guerras impopulares no Oriente Médio, e que, ainda por cima, resultaram na derrubada de duas das piores tiranias dos últimos cinqüenta anos. Nesse caso, é aconselhável, mesmo a título de propaganda, explorar o temor de uma invasão ianque, tal como Fidel Castro faz em Cuba há quase meio século, e armar-se até os dentes. Você dirá que as armas são para enfrentar a invasão iminente, mas é claro que o verdadeiro inimigo é interno: o próprio povo, cada vez mais vigiado.

Reescreva a história - "Quem controla o passado, controla o presente", já dizia George Orwell. "E quem controla o presente, controla o futuro". Isso significa que, para assegurar a posse do poder, é indispensável ter o controle também da educação pública, instituindo um eficiente sistema de doutrinação político-ideológica nas escolas. Não somente através de ameaças abertas ou veladas às instituições de ensino privado, mas principalmente mediante um amplo esquema gramsciano de lavagem cerebral, existente há décadas, no qual militantes disfarçados de professores procuram doutrinar, com cartilhas marxistas, crianças de 13 e 14 anos de idade contra o perverso sistema capitalista e em favor de grandes humanistas como Stálin e Mao Tsé-Tung. Nesse sentido, não hesite em comparar-se a figuras proeminentes da história pátria, e até mesmo mundial, como Bolívar ou Jesus Cristo, atribuindo-lhes supostas características socialistas. Some a isso uma boa dose de revisionismo histórico, pedindo desculpas aos países africanos, por exemplo, pela escravidão negra no passado (ainda que os próprios africanos tenham feito largo uso também do trabalho escravo), ou concedendo a torto e a direito indenizações milionárias a famílias de militantes que lutaram pela democracia (ainda que esses militantes quisessem transformar o país numa Cuba). Com esse tipo de manipulação da História, não duvide, você terá as portas abertas para seu projeto populista de poder.

Desqualifique seus críticos, não os argumentos - Outra dica importante: jamais responda as críticas que lhe fizerem. Apele para a desqualificação de quem as fez, usando e abusando do velho método de argumentação ad hominem, que consiste em atacar o mensageiro, não a mensagem. Assim, você poderá unir o útil ao mais últil ainda, impedindo o debate e desviando o foco para a pessoa que o iniciou, somando, de quebra, mais alguns pontinhos. Por exemplo, alguém mencionou que o governo está gastando demais com o aparelhamento dos Ministérios e projetos sociais assistencialistas de caráter puramente eleitoral? São neoliberais, querem um Estado para os ricos somente. Alguém protesta contra os freqüentes atentados à liberdade de expressão e outras garantias constitucionais? É um reacionário, um defensor da velha ordem oligárquica. Alguém cogitou de seu impeachment por causa da roubalheira oficial, fartamente documentada para quem quiser ver? É um golpista, um saudoso dos anos de chumbo da ditadura. Alguma voz se ergueu para criticar o sistema de cotas raciais nas universidades, que apenas oficializa o racismo, sob pretexto de combatê-lo? É um racista, neto de senhores de escravos e membro da Ku-Klux Klan. Alguém criticou a proposta de prorrogar pela eternidade um imposto que nasceu provisório? São sonegadores, ainda que o imposto em questão penalizasse ricos e pobres. E assim por diante.
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Tenha amigos no exterior - A experiência demonstra que um demagogo legítimo não dura muito tempo sem amigos importantes, não somente nos governos de outros países, mas também nos meios acadêmicos e artísticos em geral. Assim como Mao Tsé-Tung teve um Edgar Snow e Fidel Castro teve um Herbert L. Matthews, o bom caudilho de hoje não pode sobreviver sem um Ignacio Ramonet ou um Noam Chomsky. Não se acanhe, se você for um pouquinho inclinado à leitura, em brandir um livro desses gênios quando estiver discursando, sobretudo se for no maior palco de todos, a Assembléia Geral da ONU. Não esqueça também de chamar esses amigos preciosos para conversar de vez em quando, de preferência com tudo pago pelo governo que você preside. Dá visibilidade, e também ajuda a inflar-lhes os egos.
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Conte com a ignorância alheia - Finalmente, nenhum desses conselhos elencados acima teria alguma serventia se não fosse por essa deusa suprema, a verdadeira guia da vida dos mortais: a ignorância. Jamais subestime a capacidade humana de iludir-se. É ela o verdadeiro motor da História.

Seguida à risca essa receita, asseguro que estarão criadas as bases para mais um governo populista e personalista, messiânico e autoritário. Garanto que o resultado será, em pouco tempo, um país destroçado, uma economia arrasada ou estagnada, as divisões sociais e raciais exacerbadas, a insegurança galopante, as instituições em frangalhos, um povo imbecilizado, uma intelectualidade vendida ou estupidificada. O verdadeiro caminho para a reedição dos piores pesadelos do século que passou. A humanidade não aprende com seus erros; apenas espera a oportunidade de repeti-los. Como tragédia ou como farsa. Ou como ambas.

3 comentários:

Augusto Araújo disse...

Quem escreveu estes tópicos q vc elencou foi Lenin e o mentor argentino (nao lembro o nome) do Hugo Chávez, não?

Sim acho q já tinha lido algo a respeito e está certinho com o q os proto-ditadores e governantes sedentos de poder para phoder com a naçao fazem.

Augusto Araújo disse...

lendo melhor, acho q vc mesmo q fez nao?

Gustavo disse...

Fui eu mesmo. Mas, tirando as conclusões, poderia sim ter sido o Lênin ou o Norberto Ceresole (o guru do Chávez).

abraços