Em 1988, o então ditador do Chile, general Augusto Pinochet, convocou um plebiscito para decidir sobre sua permanência ou não no poder, que tomara à força num sangrento golpe de estado em 1973. Com isso, pretendia cobrir de legitimidade seu regime, uma das ditaduras militares mais brutais da história da América Latina, garantindo para si mais alguns anos de desmandos à frente do Estado. Para sua frustração, a grande maioria da população chilena, cansada de tanta arbitrariedade, votou em peso pelo "Não", manifestando seu descontentamento com o regime e seu anseio pelo retorno à democracia. Dois anos depois, a ditadura militar chilena chegava ao fim.
Em 2 de dezembro de 2007, situação semelhante ocorreu na Venezuela, com o plebiscito que decidiu, por uma pequena margem de diferença (51% a 49%), em favor do "Não" à pretensão do ditador de facto do país, coronel Hugo Chávez Frías, de ver aprovada a reforma constitucional que lhe permitiria manter-se indefinidamente na cadeira presidencial. No poder desde 1999, Chávez está à frente de um dos governos mais populistas da história da América Latina, caracterizado pelo personalismo caudilhesco e pela demagogia, sustentado pelos dólares do petróleo.
As duas situações são muito parecidas. Mudam apenas a época e os países, além dos personagens principais. No entanto, há claramente uma grande diferença, desta feita de percepção, entre os dois fatos. Em 1988, a esquerda chilena e latino-americana, brasileira inclusive, exultou como nunca com a derrota de Pinochet. Em 2007, a esquerda brasileira, com Lula e o PT à frente, recolheram-se a um acabrunhado e entristecido silêncio, sentindo o baque. Estão pianinho, como se diz.
Não faltará quem, dentre as hostes esquerdistas, procure racionalizar a derrota de Chávez, afirmando que tal fato é a prova de que o regime chavista é, afinal, democrático, e que todas as afirmações em contrário são, portanto, nada mais do que acusações levianas da ultra-direita e do Departamento de Estado. O mesmo poderia ser dito do regime de Pinochet, por ter permitido o plebiscito que decidiu pelo fim da ditadura. Por aí se vê o nível e a honestidade dos argumentos da tropa de choque pró-Chávez.
É o fim do Socialismo do Século XXI? Não creio. Aliás, essa é justamente, a meu ver, a principal diferença entre as situações do Chile em 1988 e da Venezuela de hoje. Ao contrário da ditadura de Pinochet, o regime chavista está longe de ter queimado seu último cartucho. Quando da realização do plebiscito, o regime dos generais chileno só sobrevivia por inércia, há muito arrastando-se para o fim e dando mostras claras de esgotamento. O autoritarismo militar estava em crise no continente, com os processos de redemocratização avançando a pleno vapor no Brasil, Argentina e Uruguai, dentre outros países. O fascismo bolivariano de Chávez, Morales, Correa et caterva, por sua vez, somente agora começa a dar os primeiros sinais de cansaço. Além disso, as reservas do combustível de que ele se nutre - o petróleo, por um lado, e a demagogia populista e antiamericana, de outro - são, pelo menos no último caso, inesgotáveis. Como demonstra o comportamento de seus cúmplices brasileiros e as tentativas bolivarianas na Bolívia e no Equador, sempre haverá quem esteja disposto a defender com unhas e dentes seu regime. Se têm alguma dúvida, leiam a Carta Capital, que nesta semana publicou uma capa em que, ao mesmo tempo em que reconhece a derrota de Chávez no plebiscit0, louva o caudilho bolivariano por dar comida e educação (!) aos pobres da Venezuela. Enquanto houver idiotas desse naipe, o Napoleão de circo venezuelano poderá ficar sossegado, pois as probabilidades de ele não seguir o caminho de Pinochet ou de Idi Amin continuarão sendo altas.
Pinochet é justamente execrado como um dos ditadores mais cruéis e sanguinários do século XX. Quando morreu, há um ano, milhares de esquerdistas fizeram festa nas ruas. Com todas as barbaridades cometidas por seu regime em 17 anos de autoritarismo, ele aceitou o resultado do plebiscito que rejeitou seu governo e devolveu o Chile à democracia. Receio que o mesmo não possa ser dito de Chávez, que, apesar da derrota do último domingo, ainda não abandonou seu projeto totalitário e militarista. E muito menos de seu mentor, Fidel Castro, que, alérgico a qualquer coisa que lembre remotamente democracia, continua a dar as cartas na ilha-prisão do Caribe. Quando esses dois saírem de cena, será que nossos esquerdistas também farão festa?
A rejeição dos venezuelanos ao projeto de reforma constitucional continuísta de Chávez não deve ser vista como o fim do chavismo. Basta lembrar as palavras do próprio fanfarrão bolivariano, logo após reconhecer a derrota no plebiscito: "por enquanto..." (não por acaso, as mesmas palavras por ele pronunciadas quando do fracasso de sua primeita tentativa - sangrenta - de tomada do poder, numa quartelada mal-sucedida em 1992). Também não se pode deixar de lado o fato (coincidência?) de o plebiscito ter-se realizado em coordenação com tentativas semelhantes de reforma constitucional na Bolívia e no Equador, sem falar na campanha subterrânea pelo terceiro mandato do Grande Molusco no Brasil. Assim como o Rei da Espanha, os venezuelanos mandaram Chávez calar a boca. Mas é improvável que esse Mussolini tropical mantenha a matraca fechada por muito tempo. Que ninguém se iluda com vitórias momentâneas. A fascistização da América Latina está só no começo.
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