É um dos raros consensos existentes que a soberania é uma das idéias-base da diplomacia. Trata-se mesmo do alicerce primordial das relações internacionais. Ninguém, em seu juízo perfeito, ousaria contestar esse dogma supremo, verdadeiro fundamento dos Estados nacionais. Desde que entrei para os quadros do Itamaraty, em 2002, devo ter ouvido a expressão "soberania" e "defesa da soberania" umas quinhentas vezes, no mínimo, em geral no meio de algum discurso patrioteiro contra o inimigo favorito da humanidade, o imperialismo dos EUA, sempre como uma necessidade imperiosa e um dever sagrado de todo diplomata e funcionário do Estado. Em nome dela, a soberania, declaram-se guerras, fazem-se revoluções. A defesa da soberania, enfim, é mais do que um imperativo político: é uma obrigação moral, um dever imprescindível para a própria existência da Nação.
Pois bem. Essa mesma soberania, tão cara aos nacionalistas de todos os tipos, está sob ameaça hoje na América Latina. E, ao contrário do que dizem dez em cada dez analistas políticos da região, um de seus principais inimigos, hoje em dia, não é a Casa Branca, o Departamento de Estado ou o Pentágono: é o governo do Brasil, de Luiz Inácio Lula da Silva.
Em que me baseio para dizer tamanha sandice?, você deve estar se perguntando. Cito três fatos básicos. Ei-los: 1) a recusa do governo Lula em reconhecer as FARC como terroristas; 2) a política de abstenção na Comissão de Direitos Humanos da ONU em relação à ditadura de Cuba; e 3) o apoio velado ao proto-ditador Hugo Chávez na Venezuela, às vezes por cima dos canais diplomáticos.
Em todos esses exemplos, o governo brasileiro alega defender a soberania dos países envolvidos, dizendo adotar uma postura favorável à não-intervenção e à autodeterminação dos povos. Dificilmente poderia existir algo mais falso. Vejamos cada um desses exemplos, separadamente.
1) Com relação ao não-reconhecimento das FARC como terroristas, a justificação do governo Lula é sempre a mesma: trata-se de um problema interno da Colômbia, e reconhecê-las como terroristas não ajudaria em nada para a solução do conflito, muito pelo contrário. Ouvi essas palavras da boca do próprio assessor especial da presidência da República para relações internacionais, Marco Aurélio ("Top,Top,Top") Garcia, quando indaguei-lhe sobre as razões dessa política do governo brasileiro em relação ao conflito na Colômbia, alguns anos atrás.
Os argumentos apresentados pelo governo Lula, por meio de Marco Aurélio Garcia, para justificar sua política de omissão/cumplicidade com as FARC na questão da Colômbia não valem meia colher de mel coado. São, na verdade, uma grande tapeação. Vejamos por quê:
Em primeiro lugar, o conflito na Colômbia, que se arrasta há mais de quatro décadas, há muito já deixou de ser um assunto interno colombiano. Pelo menos desde que as FARC e o ELN passaram a se sustentar no tráfico de cocaína, cujos carregamentos são enviados para vários países, inclusive o Brasil, a guerra civil já extrapolou as fronteiras daquele país. Desde então, o conflito armado da Colômbia constitui um problema regional, uma ameaça à segurança e à paz de praticamente todos os países da região.
Além disso, como ficou claro para quem quisesse ver pelo gigantesco circo de promoção pessoal montado por Hugo Chávez no caso da libertação de duas reféns colombianas na virada do ano - que culminou, não por acaso, com a defesa veemente feita pelo coronel venezuelano da retirada das FARC da lista de organizações terroristas dos EUA e da União Européia e seu reconhecimento como "força beligerante"-, o não-reconhecimento das FARC e do ELN (e também dos páramilitares de direita da AUC) como terroristas não significaria intromissão alguma nos assuntos internos da Colômbia. Muito pelo contrário: o próprio governo de Bogotá solicita, há anos, que os governos do continente reconheçam esses grupos como o que de fato são. Além do mais, ninguém diz que a União Européia, que considera as FARC como terroristas, está se imiscuindo na política interna colombiana. O não-reconhecimento do terrorismo das FARC, na verdade, não significa neutralidade. Ao negar-se a reconhecer o óbvio - que as FARC são, sim, terroristas em seus métodos e objetivos -, o governo brasileiro, longe de assumir uma postura eqüidistante, apenas beneficia um dos lados do conflito colombiano - o lado do terror e do narcotráfico.
Finalmente, dizer que o reconhecimento das FARC e do ELN como terroristas seria um empecilho ao processo de paz na Colômbia é de uma vigarice sem tamanho, além de demonstrar completo desconhecimento do que se passa no país vizinho. Ora, o objetivo dos narcoterroristas colombianos não é alcançar a paz coisa nenhuma. É, sim, tomar o poder e impor, na Colômbia, um regime marxista, com o apoio de seus aliados e inocentes úteis. Alguns anos atrás, o governo colombiano do presidente Andrés Pastrana, anterior ao atual, atendeu a várias reivindicações dos "guerrilheiros" e entregou às FARC um território maior que a Suiça. O que se viu desde então não foi nenhum avanço no processo de paz, mas apenas o recrudescimento dos atentados.
2) Quanto à abstenção sistemática do Brasil nas votações sobre Cuba na Comissão de Direitos Humanos da ONU - uma política, justiça seja feita, adotada desde antes do atual governo brasileiro -, a manipulação interesseira da soberania para beneficiar a tirania cubana se mostra ainda mais evidente. A justificativa apresentada sempre pelo governo brasileiro - não se pode politizar a questão dos direitos humanos na ilha, é preciso defender a não-intervenção e a autodeterminação dos povos - não passa de conversa para boi dormir. Isso porque a "politização" alegada diz respeito a quem faz as denúncias - geralmente, os EUA -, e não às violações em si. A esse respeito, por exemplo, cita-se sempre a política dos EUA em relação a seus aliados, como Israel e a Arábia Saudita. Do que se deduz que a não-condenação da ditadura castrista de Cuba pelos fuzilamentos e prisões de dissidentes políticos ocorre tão-somente porque as denúncias partem dos EUA. Pode existir politização da questão maior do que essa? Há alguns dias, Lula foi a Cuba e se encontrou com Fidel Castro. Na ocasião, elogiou a saúde do ditador e sorriu para as fotos. Quanto aos presos políticos na ilha, nenhuma palavra. Enquanto isso, os dissidentes continuam presos e o povo cubano impedido de se manifestar livre e soberanamente na ilha-prisão de Cuba, verdadeiro paraíso dos companheiros petistas.
3) E quanto ao apoio velado de Lula a Hugo Chávez? Creio que aqui não é preciso dizer muito para demonstrar que, também nesse caso, o discurso da não-intervenção é mera fachada para encobrir uma relação ideológica bastante íntima. É suficiente recordar alguns episódios, como o envio de um navio cheio de petróleo à Venezuela em pleno paro contra Chávez, no começo de 2003 - o que, certo ou não, é até hoje lembrado pela oposição venezuelana como prova de cumplicidade de Lula com seu companheiro bolivariano, e de parcialidade a seu favor - e, mais recentemente, o discurso de Lula em julho de 2005, no 15. aniversário do Foro de São Paulo, entidade que, não por coincidência, reúne os atuais presidentes do Brasil e da Venezuela, além do "Coma Andante" Fidel Castro e as FARC. Nesse caso, acho que vale a pena citar algumas palavras de Sua Excelência em seu discurso, quando se refere à vitória de Chávez no plebiscito de 15 de agosto de 2004 que o manteve na presidência. Não acreditem em mim, acreditem nele:"O Chávez participou de um dos foros que fizemos em Havana. E graças a essa relação foi possível construirmos (...) a consolidação do que aconteceu na Venezuela, com o referendo que consagrou o Chávez como presidente da Venezuela". Difícil imaginar maior confissão de intromissão nos assuntos internos de outro país do que essa, à margem dos canais governamentais normais. Um verdadeiro atentado à soberania do povo venezuelano. Quanto ao Foro, muita gente ainda acha que é algo inofensivo, um simples fórum de debates sem maiores conseqüências (pelo menos não dizem mais que é uma fantasia, já é um avanço...).
Outros exemplos poderiam ser dados, como a falta de atitude do atual governo brasileiro em relação à encampação das refinarias da PETROBRAS na Bolívia, que muita gente até hoje não entendeu (o fato de Evo Morales ser parceiro de Lula e Chávez no FSP talvez explique). Mas os três acima bastam para dar uma idéia de até onde vai esta articulação estratégica continental.
Tudo isso me faz pensar. A idéia de soberania nacional é certamente uma das mais importantes já surgidas na história. E também uma das mais deturpadas, mais prostituídas. Os exemplos acima mostram isso cabalmente. Como também demonstra a sua utilização por regimes tirânicos e ditatoriais, geralmente como um álibi para justificar a repressão política interna e violações aos direitos humanos - o caso de Cuba é óbvio demais para ser ignorado -, a soberania é inseparável da democracia. Mais que isso: a soberania, como conceito e como realidade, só faz sentido se vem acompanhada da preservação de valores políticos e morais elevados, reconhecidos amplamente como essenciais à vida civilizada. De nada vale defender a soberania de um país submetido a uma ditadura brutal, como a de Hitler ou a de Saddam Hussein no Iraque. Nesse caso, o discurso da soberania não passa de retórica vazia, uma cortina de fumaça para justificar o crime e enobrecer a tortura, o estupro e o assassinato. Algo, enfim, que diz respeito não a este ou àquele país específico, mas à toda a humanidade.
2 comentários:
Quem fala em soberania para não intervenção em Cuba é conivente com o que acontece lá. Falou bem: quando direitos humanos são violados não há soberania plena. Afinal, de quem é a soberania de Cuba, do povo cubano,que só obedece, ou, somente,do próprio Fidel??
AS CULPAS SÃO SOBERANIAS DOS CRIMES PELOS FARC,PCC,COMANDOS VERMELHOS,CORNOS PORTUGUESES,HAMAS HITLER PALESTINOS,MAS BOLIVIANOS,ETA ESPANHOIS,PSUV VENEZUELANOS BOIOLAS,ELN,CNBB 666,P-SOL,MR8(PMDB) E OUTROS ***CARALHOS FEITOS FIDEL CASTRO E JOSÉ SARNEY.
HUGO CHAVEZ ANDOU MAU EXEMPLO PARA FARC,IRÃ,PALESTINA E HAMAS,ATÉ EVO MORALES(COCACEIRAS DOS INFERNOS GLBT). VÃO PRO INFERNOS,SOBERANIAS VAGABUNDAS!!!!!
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