Sobre o capitalismo: "Terras, minas e empresas são propriedade privada. As decisões econômicas são tomadas pela burguesia, que busca o lucro pessoal. Para ampliar as vendas no mercado consumidor, há um esforço em fazer produtos modernos. Grandes diferenças sociais: a burguesia recebe muito mais do que o proletariado. O capitalismo funciona tanto com liberdades como em regimes autoritários."
Sobre o ideal marxista: "Terras, minas e empresas pertencem à coletividade. As decisões econômicas são tomadas democraticamente pelo povo trabalhador, visando o (sic) bem-estar social. Os produtores são os próprios consumidores, por isso tudo é feito com honestidade para agradar à (sic) toda a população. Não há mais ricos, e as diferenças sociais são pequenas. Amplas liberdades democráticas para os trabalhadores."
Sobre Mao Tse-tung: "Foi um grande estadista e comandante militar. Escreveu livros sobre política, filosofia e economia. Praticou esportes até a velhice. Amou inúmeras mulheres e por elas foi correspondido. Para muitos chineses, Mao é ainda um grande herói. Mas para os chineses anticomunistas, não passou de um ditador."
Sobre a Revolução Cultural Chinesa: "Foi uma experiência socialista muito original. As novas propostas eram discutidas animadamente. Grandes cartazes murais, os dazibaos, abriam espaço para o povo manifestar seus pensamentos e suas críticas. Velhos administradores foram substituídos por rapazes cheios de idéias novas. Em todos os cantos, se falava da luta contra os quatro velhos: velhos hábitos, velhas culturas, velhas idéias, velhos costumes. (...) No início, o presidente Mao Tse-tung foi o grande incentivador da mobilização da juventude a favor da Revolução Cultural. (...) Milhões de jovens formavam a Guarda Vermelha, militantes totalmente dedicados à luta pelas mudanças. (...) Seus militantes invadiam fábricas, prefeituras e sedes do PC para prender dirigentes "politicamente esclerosados". (...) A Guarda Vermelha obrigou os burocratas a desfilar pelas ruas das cidades com cartazes pregados nas costas com dizeres do tipo: "Fui um burocrata mais preocupado com o meu cargo do que com o bem-estar do povo." As pessoas riam, jogavam objetos e até cuspiam. A Revolução Cultural entusiasmava e assustava ao mesmo tempo."
Sobre a Revolução Cubana e o paredão: "A reforma agrária, o confisco dos bens de empresas norte-americanas e o fuzilamento de torturadores do exército de Fulgêncio Batista tiveram inegável apoio popular."
Sobre as primeiras medidas de Fidel: "O governo decretou que os aluguéis deveriam ser reduzidos em 50%, os livros escolares e os remédios, em 25%." Essas medidas eram justificadas assim: "Ninguém possui o direito de enriquecer com as necessidades vitais do povo de ter moradia, educação e saúde."
Sobre o futuro de Cuba, após as dificuldades enfrentadas, segundo o livro, pela oposição implacável dos EUA e o fim da ajuda da URSS: "Uma parte significativa da população cubana guarda a esperança de que se Fidel Castro sair do governo e o país voltar a ser capitalista, haverá muitos investimentos dos EUA. (...) Mas existe (sic) também as possibilidades de Cuba voltar a ter favelas e crianças abandonadas, como no tempo de Fulgêncio Batista. Quem pode saber?"
Sobre os motivos da derrocada da URSS: "É claro que a população soviética não estava passando fome. O desenvolvimento econômico e a boa distribuição de renda garantiam o lar e o jantar para cada cidadão. Não existia inflação nem desemprego. Todo ensino era gratuito e muitos filhos de operários e camponeses conseguiam cursar as melhores faculdades. (...) Medicina gratuita, aluguel que custava o preço de três maços de cigarro, grandes cidades sem crianças abandonadas nem favelas... Para nós, do Terceiro Mundo, quase um sonho não é verdade? Acontecia que o povo da segunda potência mundial não queria só melhores bens de consumo. Principalmente a intelligentsia (os profissionais com curso superior) tinham (sic) inveja da classe média dos países desenvolvidos (...) Queriam ter dois ou três carros importados na garagem de um casarão, freqüentar bons restaurantes, comprar aparelhagens eletrônicas sofisticadas, roupas de marcas famosas, jóias. (...) Karl Marx não pensava que o socialismo pudesse se desenvolver num único país, menos ainda numa nação atrasada e pobre como a Rússia tzarista. (...) Fica então uma velha pergunta: e se a revolução tivesse estourado num país desenvolvido como os EUA e a Alemanha? Teria fracassado também?" (obs.: que belo exemplo de História não-factual, baseada no "e se"...)
O lixo reproduzido acima dispensa maiores comentários. Conclui Ali Kamel:
"De que forma nossas crianças poderão saber que Mao foi um assassino frio de multidões? Que a Revolução Cultural foi uma das maiores insanidades que o mundo presenciou, levando à morte de milhões? Que Cuba é responsável pelos seus fracassos e que o paredão levou à morte, em julgamentos sumários, não torturadores, mas milhares de oponentes do novo regime? E que a URSS não desabou por sentimentos de inveja, mas porque o socialismo real, uma ditadura que esmaga o indivíduo, provou-se não um sonho, mas apenas um pesadelo?"Em resposta ao editor de jornalismo da Rede Globo, o autor do livro, Mário Schmidt, escreveu o seguinte:
"Não publicamos livros para fazer crer nisso ou naquilo, mas para despertar nos estudantes a capacidade crítica de ver além das aparências e de levar em conta múltiplos aspectos da realidade. Nosso grande ideal não é o de Stálin ou de Mao-Tsé Tung, mas o de Kant: que os indivíduos possam pensar por conta própria, sem serem guiados por outros.
Assim, em primeiro lugar exigimos respeito. Nós jamais acusaríamos o sr. Kamel de ser racista apenas porque tentou argumentar racionalmente contra o sistema de cotas nas universidades brasileiras. E por isso mesmo estranhamos que ele, no seu inegável direito de questionar obras didáticas que não façam elogios irrestritos à isenção do Jornal Nacional, tenha precisado editar passagens de modo a apresentar Nova História Crítica como ridículo manual de catecismo marxista.
Selecionar trechos e isolá-los do contexto talvez fosse técnica de manipulação ultrapassada, restrita aos tempos das edições dos debates presidenciais na tevê. Mas o artigo do sr. Ali Kamel parece reavivar esse procedimento. Ele escolheu os trechos que revelariam as supostas inclinações stalinistas ou maoístas do autor de Nova História Crítica".
Trocando em miúdos: o livro "Nova História Critíca", segundo seu autor, não foi escrito para fazer as crianças "acreditarem nisso ou naquilo", nem é guiado, ao contrário de grande parte da esquerda brasileira que hoje se refestela no poder, pelo ideal de Stálin ou de Mao Tsé-Tung. Não é, portanto, um "ridículo manual de catecismo marxista", nem seu autor tem qualquer suposta inclinação stalinista ou maoísta. Fiquem calmos, senhores, eu não quero doutrinar os filhos de vocês, é o que diz o professor Mário Schmidt.
Ainda sobre o assunto, termino de ler no site do PCdoB um artigo de um tal Pedro de Oliveira, em defesa do livro de Mário Schmidt e contra o artigo de Ali Kamel. Eis o que ele diz:
"O professor Mario Schmidt é notoriamente um severo crítico do capitalismo. Para Ali Kamel, olavetes, reinaldetes e ''nova direita'', isso, atualmente, é um pecado mortal - onde já se viu? Um sistema tão bonitinho, tão limpinho e responsável, como é possível que não se admita que o capitalismo é o sistema econômico perfeito, para não dizer o sistema econômico terminal da humanidade. Quem ousaria levantar críticas ao capitalismo e - horror, horror! - encontrar qualidades no socialismo?"
Traduzindo: num primeiro momento, a idéia de que há doutrinação ideológica nas escolas é descartada como paranóia de um bando de direitistas. Noutro, o autor do livro "inofensivo" é louvado como um notório e severo crítico do capitalismo, que ousa encontrar qualidades no socialismo, algo, obviamente, inaceitável para os "olavetes e reinaldetes". Num momento, banca-se o bom-moço. Noutro, estamos diante de um verdadeiro intelectual orgânico da classe trabalhadora, para usar a terminologia gramsciana, tão conhecida dos esquerdistas. Um verdadeiro exercício de doublespeaking.
Ficou claro o tamanho da empulhação? Ou será preciso repetir?Sempre tive uma desconfiança quase instintiva em relação a livros que trazem o adjetivo "crítico" no título. Ainda mais se o livro em questão é de História. "História Crítica" é na verdade um pleonasmo, uma redundância, pois toda História, se quiser ser séria, precisa ser crítica. É como dizer "Geografia do Planeta Terra" ou "Matemática dos Números". Na quase totalidade dos casos, o que se quer dizer com "crítica" é "ideológico", ou "panfletário". Mais que isso, o adjetivo "Nova" traz em si a idéia de superação, de que tudo o que veio antes, a interpretação anterior dos fatos históricos - a "Velha História", portanto -, seria algo caduco e superado, a "verdadeira" sendo a "nova", a História segundo a cartilha revolucionária e esquerdista. É exatamente isso o que os discípulos de Marx e Engels trataram de aplicar onde quer que botaram as mãos na máquina do Estado, como na ex-URSS, na China e na Venezuela de Hugo Chávez, e é exatamente o que os companheiros lulistas estão tratando de fazer hoje nas escolas da periferia.
Na verdade, o processo de doutrinação ideológica - anticapitalista, antiglobalização, antiamericana, antidemocrática, e em favor do socialismo - não é algo novo, nem se restringe à rede pública de ensino. Há tempos as escolas e as universidades, tanto públicas como também particulares, seguem à risca a cartilha marxista. Tão longe chegou essa infiltração gramsciana que já nem nos damos conta dela, a encaramos como algo natural. Lembro que, no início dos anos 80, ainda aluno numa conceituada escola particular, os professores derramavam-se em elogios aos heróicos revolucionários sandinistas. A escola, católica e tradicional, seguia a linha da teologia da libertação, e adotávamos, como texto-base, um livro de Frei Betto. Isso em pleno regime militar!
Esse foi um processo longo, que contou inclusive com o apoio, consciente ou não, de importantes meios de comunicação e da grande mídia, que agora descobre, com algumas décadas de atraso, que as escolas se transformaram em verdadeiras madrassas, em caixas de ressonância da versão esquerdista da História, recheada de asnice "politicamente correta" e de palavras de ordem marxistóides. Hoje, com os esquerdistas no poder - e, quando digo esquerdistas, não me refiro somente aos lulistas, mas também aos tucanos, que posam de "modernos", mas vêm do mesmo ninho -, a ideologização da sociedade é muito mais explícita, muito mais escancarada, pois conta com apoio oficial. A cartilha do professor Mário Schmidt é apenas uma pequena, embora eloqüente, amostra do nível avançado a que chegou esse processo. É algo realmente preocupante.
Claro, os defensores da lavagem cerebral travestida de pedagogia que hoje se ensina nas salas de aula vão espernear que estou, a exemplo de Ali Kamel, "selecionando trechos e isolando-os do contexto", como afirma Mário Schmidt. Selecionando estou mesmo, e não poderia ser diferente. Até porque não é possível transcrever aqui todos os absurdos e falsificações reproduzidos na obra em questão. Mas isolar do contexto é coisa bem diferente. Ninguém, nem Ali Kamel nem eu, está retirando os trechos acima citados do contexto em que estão inseridos. Pelo contrário: basta olhar em volta e se verá facilmente de que contexto estamos falando. Para ser mais explícito: basta lembrar que, para o governo lulista, a quem o MEC é subordinado, o modelo de educação pública e de qualidade é a Cuba de Fidel Castro. Precisa dizer mais?
A propósito: reescrever a História, editando textos e imagens para melhor se ajustarem aos interesses de quem está no poder, é algo típico de regimes totalitários, como o de Cuba e o de Stálin. O mesmo tipo de regime político considerado ideal por pessoas como Pedro de Oliveira e Mário Schmidt.
Você matricularia um filho seu em uma escola pública no Brasil de hoje?
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