Vou começar este texto sem saber ao certo onde vou terminar. Sei apenas que me deu vontade de escrever. A compulsão por escrever, a mania de pôr algo no papel (ou na tela de um micro) é algo que me acompanha há tempos, e que, desde então, me persegue quase como uma sombra ou uma voz interior, dessas que ficam soprando no ouvido e a gente não sabe se é coisa boa ou ruim. Nos últimos tempos, escrever virou para mim uma espécie de terapia, em que me ponho a desabafar, a despejar minha raiva contida, magnificada por horas e horas de tédio forçado em frente a uma tela de computador. É uma maneira de exercitar o português e, de quebra, exorcizar os demônios de cada dia.
De repente bateu vontade de falar (escrever) sobre sucesso. Sim, sucesso. Diabo de palavrinha metida, essa. Por onde quer que eu vá, lá está ela, estampada em outdoors e em telas de TV, em anúncios e capas de revista. Se vou a uma livraria, deparo com ela, na forma de estantes e mais estantes recheadas de livros de auto-ajuda, dos Paulos Coelhos e Shiniashikys da vida que, sob um véu de misticismo e psicologismo baratos, prometem mundos e fundos de felicidade e dinheiro (pelo menos para eles, os autores desse lixo todo, a fórmula se mostrou bastante lucrativa). Se folheio uma revista, lá está ela, a palavrinha maldita, em propagandas de carros ou de bebidas. Se ligo a TV, ela faz questão de aparecer, em comerciais com jeito de video-clipe, quase sempre com gente bonita, bem vestida, de dentes alvíssimos e corpos sarados. Vivemos para o sucesso. Acordamos pensando nele. Almoçamos, jantamos, dormimos, sonhamos todo dia e toda noite com ele. Sucesso, sucesso, sucesso.
No mundo em que vivemos, marcado pelo culto à vaidade, por celebridades instantâneas e pela futilidade elevada à condição de item essencial de sobrevivência, a obsessão pelo sucesso, pelo "se dar bem na vida", tornou-se uma verdadeira religião. No meu trabalho, não é diferente. Aliás, falando com toda sinceridade, em poucos lugares o sucesso é perseguido com mais ardor e sofreguidão do que no Itamaraty. Como se não bastasse um concurso dos mais difíceis, mais três anos de estudos intensivos, sem falar nas "regras não escritas" e no formalismo burocrático às vezes sufocante, a carreira diplomática se caracteriza, pelo que eu vi até aqui, pela busca incessante, selvagem, pelo sucesso. E essa busca se torna mais frenética à medida que vão se aproximando as promoções e a competição pelos melhores postos - os "melhores" sendo os "postos A", o chamado "circuito Elizabeth Arden", as embaixadas mais cobiçadas no exterior, aquelas localizadas nas capitais mais glamurosas, como Washington, Londres, Roma ou Paris. Então, criam-se desavenças, amizades se desfazem, interesses se impõem. E os que ficam para trás são os "caroneados", os "perdedores", com o surgimento inevitável de ressentimentos e egos feridos. Tudo em nome do danado, do maldito sucesso.
A cada dia me convenço mais: somos escravos do sucesso. Não sabemos ao certo o que ele é, mas o idolatramos mesmo assim, nos sujeitamos, nos rebaixamos por ele. Para a maioria das pessoas, pelo menos para a maioria do sexo masculino, sucesso é sinônimo de dinheiro, um carrão importado na garagem, uma mansão no Lago Sul ou aquela gata maravilhosa da propaganda de cerveja. Outros vêem sucesso na fama, na celebridade, em geral alcançada sem méritos maiores do que a pura e simples exposição na mídia. Outros, ainda, vêem o sucesso no poder, ou na proximidade com o poder. Para isso, muita gente sacrifica tudo: amizades, respeito próprio, lazer, saúde. Lembro de uma piada antiga que dizia mais ou menos assim: um sujeito podre de rico está conversando com um mendigo. "Olhe para mim", diz o milionário. "Hoje tenho carros de luxo, uma montanha de dinheiro, casas, iate, tudo conquistado com muito suor e trabalho. E você, o que tem?". O mendigo, então, indaga singelamente: "Para que tudo isso?". Ao que o ricaço responde, com ar de superioridade: "Para que, quando você estiver doente, tenha dinheiro para cuidar de sua saúde". E o mendigo: "Então você quer dizer que eu devo ralar para ganhar dinheiro, perder a saúde de tanto trabalhar, ganhar uma úlcera, só para gastar meu dinheiro depois tentando recuperar a saúde, que perdi para ganhar dinheiro? Prefiro continuar pobre".
Não sei quanto a vocês, mas essa conversa toda de sucesso me aborrece terrivelmente. Hoje, tenho carro e dinheiro no banco, um padrão de vida que, se não chega a ser cinco estrelas, me permite viver com certo conforto e tranqüilidade, sem apertos financeiros. Ganho o suficiente para ter os livros e DVDs que desejo e viajar nas férias - o que, para mim, se não é a felicidade, é quase. Mesmo assim, não sou capaz de dizer se sou mais feliz e realizado agora do que quando ainda era estudante em Natal, ganhava uma bolsa de 200 reais, vivia na praia, de bermuda e chinelo, e saía, quase todos os fins de semana, para alguma farra com os amigos, onde em geral não se gastava mais do que 30 reais por cabeça (para a cerveja e o tira-gosto). Naquela época, eu não tinha carro, nem celular - sem o qual, aliás, eu passaria muito bem, obrigado -, nem casa (morava com meus pais), mas pelo menos eu fazia meus próprios horários e não tinha um workaholic chato e neurótico como chefe me importunando o tempo todo (em busca, sempre, do sucesso, claro). Mais importante, eu tinha tempo livre suficiente para fazer o que mais gosto na vida: ler, conversar, ir ao cinema ou simplesmente sair por aí, sem destino certo nem horário para seguir. Lembro como se fosse hoje de minha mãe (espero que ela me perdoe por dizer isso) buzinando no meu ouvido, eu esparramado no sofá da sala ou numa rede, lendo algum livro de História ou algum romance de Dostoiévsky, ou vendo algum filme no velho video-cassete, e ela balançando a cabeça, preocupada, certamente pensando: "que perda de tempo, quando ele vai tomar jeito na vida?", e meu pai (perdão, perdão), o olhar de reprovação, repetindo quase como se fosse um mantra, entre uma baforada ou outra do cigarro: "História... isso não dá dinheiro, não...". Dinheiro pode até não dar, mas me dava prazer. Tanto que, se não fosse por tanta insistência e pelas cobranças constantes, sem falar em inconveniências como a falta de privacidade, acho que eu ainda estaria morando com meus pais e nunca teria mudado para Brasília. Hoje, sou dono de muita coisa, menos de meu tempo. Posso dizer que sou mais bem-sucedido hoje do que era antes?
Comecei a escrever este texto dizendo que não saberia como o terminaria. Pois aí vai um fecho que julgo apropriado: sucesso, grana, fama... nada, mas nada mesmo, vale uma úlcera. O importante é ser feliz. O resto é penduricalho.
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