domingo, dezembro 29, 2013

ESQUERDA E DIREITA: UM DEBATE NECESSÁRIO

 
O GloboNews Painel,  programa televisivo comandado por William Waack, promoveu um debate no dia 28 sobre os conceitos de "direita" e "esquerda" no Brasil contemporâneo. Não vi ainda o vídeo do programa, mas, a se julgar pela importância do tema e pelos convidados  - o jornalista Reinaldo Azevedo e os professores Luiz Felipe Pondé e Bolívar Lamounier - acredito ter sido um debate interessante e produtivo, no mais alto nível.
 
Trata-se de um tema por demais pertinente, sobretudo no Brasil, onde vigora a total confusão mental sobre quase tudo, devido a um certo culto da ambiguidade em todos os terrenos - ideológico, político, moral etc. Particularmente, não compartilho da visão confortável de que "esquerda e direita são conceitos ultrapassados", que teriam sido enterrados junto com os escombros  do Muro de Berlim. A meu ver, eles continuam válidos, até porque, ao que parece, o Muro ainda não caiu nas terras de Cabral. (Se alguém tem alguma dúvida, que veja os nomes ou, se tiver tempo, leia os programas de partidos como PT, PSDB, PDT, PCdoB e tutti quanti, ou leia a Constituição de 1988, e conte quantas vezes lá aparecem as palavras "igualdade" e "justiça social", em contraste com termos como "liberdade" e "propriedade privada"...) Nesse aspecto, estamos uns trinta anos atrasados. Daí que um debate desse tipo pode ser uma excelente oportunidade de tentar rever esse atraso e botar os pingos nos "is".  Reinaldo Azevedo, aliás, fez as perguntas certas em seu blog, as quais vou aproveitar para responder, dando assim meus pitacos sobre o assunto.  Creio que muito que foi dito no programa coincide com o que vou dizer aqui.
 
Pergunta: Existem direita e esquerda por aqui?
Minha resposta: Esquerda, certamente existe, e de todos os tipos: centro-esquerda (majoritária), extrema-esquerda, esquerda aguada, esquerda caviar etc. Temos esquerdas e esquerdistas de todos os tipos e para todos os gostos, desde a esquerda mais escancaradamente pragmática (o PT à frente) até os mais porraloucas seguidores de Lênin e Trotsky. O que não há é direita, ou pelo menos uma direita politicamente viável. Há, aqui e ali, um ou outro deputado, um ou outro jornalista (como o próprio Reinaldo Azevedo), um ou outro blogueiro ou professor, que não rezam segundo a cartilha das patrulhas esquerdistas, mas estes são a minoria da minoria, e não estão articulados politicamente (alguns, como o deputado Jair Bolsonaro, são figuras folclóricas, que fazem mais bem do que mal à esquerda, certamente sem saber). O que é, diga-se com todas as letras, uma anomalia, uma verdadeira jabuticaba: o Brasil é o único - repito: o ÚNICO - país democrático sem um partido de direita forte e competitivo. Daí, aliás, não haver praticamente oposição ao lulopetismo.

Pior que isso: não há, no Brasil, uma cultura de direita. E o mais grave: num país em que a população é majoritariamente, esmagadoramente, instintivamente conservadora e de direita, como já escrevi aqui. O que torna ainda mais dramática e necessária a missão de romper a camisa-de-força ideológica imposta ao país por décadas de propaganda sistemática e persistente, que separou o mundo político do mundo real. Não por acaso, a população saiu às ruas em junho passado gritando "eles não nos representam": de fato, nenhum partido representa o pensamento médio do brasileiro. Tanto que, sem lideranças, os protestos não tiveram um Norte definido, perdendo-se no generalismo de slogans "contra-tudo-isso-que-está-aí" e no "por-um-mundo-melhor", facilmente apropriados pela esquerda radical...
 
Pergunta: Por que todos os políticos e partidos se dizem de centro-esquerda?
Minha resposta: Porque vigora no Brasil há décadas a hegemonia cultural e política das ideias de esquerda, via gramscismo. Daí a política, no Brasil, ter-se transformado num sambinha de uma nota só, como o é também o discurso cultural e nas universidades, em que todos repetem, por um automatismo inconsciente, os chavões e slogans marxistas. No Brasil, existem partidos de esquerda e fisiológicos, e só. Não é de surpreender, portanto, que as eleições sejam, há décadas, um concurso de esquerdismo - onde ganha, obviamente, o mais esquerdista. 
 
A hegemonia de esquerda é tão forte que partidos como o PT e seus aliados e derivados de extrema-esquerda se dão ao luxo de criar a própria direita. Na ausência de uma sigla que possa ser considerada como tal, o papel recaiu sobre o PSDB, um partido social-democrata, logo de centro-esquerda por excelência. Houve até um idiota que disse, um dia desses no Roda Viva da TV Cultura que os black blocs, os comuno-anarquistas aliados de legendas como PSOL e PSTU,  são... "de direita"! (a explicação que ele deu: "eles usam máscaras"...). Vigora, enfim, a mais completa demonização, a satanização, da "direita", aliás inexistente no Brasil, algo perigoso para a democracia. Nessas circunstâncias, não é de se estranhar que todos no Brasil sejam de centro-esquerda, algo que não ocorre em nenhum outro lugar no mundo.   
 
(Um parêntese: existe sim, direita no Brasil, mas uma direita burra, politicamente desarticulada - ainda bem. Inclusive, há políticos de direita ou conservadores - no mau sentido da palavra, não no burkeano - entre os partidos aliados do governo, e no próprio PT. Mas não é dessa direita que estou falando: refiro-me a um certo sentimento difuso, que se alimenta, paradoxalmente, do vazio ideológico deixado pela hegemonia esquerdista. Esse sentimento é facilmente constatado nas redes sociais, onde reina a indignação imediatista e exortações demagógicas a favor da pena de morte, por exemplo, são comuns. É uma "direita" formada geralmente de nacionalistas nostálgicos do regime militar ou de devotos religiosos, para os quais a aniquilação de seus inimigos ou o reino dos céus é mais importante do que a defesa da liberdade. Apesar de professarem um anticomunismo retórico, "direitistas" assim se sentiriam à vontade em países como Cuba e Coreia do Norte. Uma direita laica, responsável e democrática - conservadora, enfim - seria o melhor antídoto contra essa "direita" de fancaria. Esta apenas dá munição aos esquerdistas.)  
 
Pergunta: Por que alguns grupos ideológicos reivindicam o monopólio da virtude?
Minha resposta: Porque se consideram, como no caso dos partidos comunistas, entes de razão, donos absolutos da Verdade Revelada e da chave da História. Essa é a essência, aliás, da ideologia marxista, totalmente vitoriosa entre nós (e pior: por W.O...). Em nome desse ideal de uma sociedade perfeita no futuro, tudo, absolutamente tudo - o extermínio de 100 milhões de pessoas, por exemplo - é permitido, e coisas como o Mensalão tornam-se facilmente compreensíveis. Nesse sentido, o PT é um partido fundamentalmente leninista: todos os meios são válidos, aos olhos dos companheiros petistas, para chegar ao poder e nele se manter - o assassinato, de reputações ou de fato (vide o caso Celso Daniel), é apenas um exemplo. Trata-se do herdeiro legítimo de uma tradição revolucionária que remonta à Revolução Francesa, passando pela Revolução bolchevique na Rússia e, mais recentemente, pelo castro-guevarismo e pelo gramscismo, sem jamais reconhecer o valor inerente da democracia.  
 
Além disso, o PT tem uma arma poderosa à sua disposição, que falta às demais agremiações e que o aproxima ainda mais de partidos totalitários: os chamados "movimentos sociais". É sobretudo nessa área que se revela seu caráter gramscista, de partido que faz de tudo para alcançar seus objetivos. Não importa se as causas que professa e suas políticas práticas sejam absolutamente contraditórias: não se espantem se a defesa dos direitos humanos feita por uma Maria do Rosário ou um Luiz Eduardo Greenhalg caminha lado a lado com a devoção fanática a ditaduras totalitárias como a dos Castro em Cuba, ou se a tentativa de criminalizar a "homofobia" anda de mãos dadas com a defesa do regime teocrático do Irã, onde se enforcam homossexuais, ou ainda se a implantação de cotas raciais no serviço público seja uma forma de institucionalizar o racismo, ou se militantes feministas calam-se covardemente ante a incitação ao estupro feita por um professor esquerdista contra uma jornalista - todas essas bandeiras de minorias não passam de instrumentos, de um meio para se chegar ao fim almejado. Não esqueçam: o compromisso do PT e assemelhados é com o poder, e nada mais. Para tanto, não hesitam em manipular as causas mais disparatadas, a fim de minar o "sistema" e semear o caos, valendo-se de idiotas úteis. Antes, eram os camisas negras e a Guarda Vermelha; hoje, são os "movimentos" negro, indígena, feminista, LGBTT etc.
 
Pergunta: O conservadorismo é necessariamente reacionário?
Minha resposta: Absolutamente não. A associação entre conservadorismo e reacionarismo é uma invenção da esquerda, sobretudo da esquerda marxista, que penetrou profundamente nos corações e mentes da população brasileira. O conservadorismo nasce da moderação, da busca por mitigar os horrores trazidos pelos jacobinos na Revolução Francesa, e conservar - daí o nome - princípios universais consagrados anteriormente, dos quais a liberdade é o principal. Não por acaso, sua matriz é anglo-saxônica, tendo como um dos maiores filósofos o britânico Edmund Burke (1729-1797), e fortemente alicerçada nas conquistas institucionais das "revoluções" inglesa (1688) e norte-americana (1776) - revoluções só no nome, pois visaram antes a conservar, e não a transformar, a propriedade privada e a liberdade individual diante da ameaça do Estado absolutista. Na França revolucionária e sobretudo na Rússia, ao contrário, a revolução foi feita para eliminar a propriedade e, com ela, a liberdade do indivíduo, resultando nas piores formas de opressão estatal conhecidas na História da humanidade. Se o critério é a democracia e a liberdade, portanto, reacionários são os socialistas e comunistas, não os conservadores. 
 
(Mais um parêntese: não que não exista uma direita reacionária, como escrevi acima. Mas é a parte da direita que abandonou o conservadorismo, preterindo-o em favor de soluções estatistas e socialistas. Isso mesmo: socialistas. Parece confuso? Então lembrem do criador do fascismo, o ditador italiano Benito Mussolini, que veio das fileiras do Partido Socialista italiano. Não que ele tenha abandonado o socialismo para mergulhar no delírio totalitário - ele apenas lhe deu um outro nome. Mussolini e Hitler consideravam o liberalismo seu maior inimigo, adotando políticas muitas vezes copiadas dos comunistas, a começar pelo controle total da sociedade pelo Partido-Estado. Quando virem um esquerdista chamar alguém de "fascista" - um de seus xingamentos preferidos -, pensem nisso.)
 
Pergunta: Direita liberal e extrema direita se confundem?
Minha resposta: De maneira nenhuma direita liberal e extrema-direita se confundem, pois não se pode confundir liberalismo político e econômico com a sua antítese, o dirigismo estatal, encarnado tanto pela extrema-direita quanto pela extrema-esquerda. Daí os conservadores serem inimigos irreconciliáveis do totalitarismo, seja de direita ou de esquerda, mantendo uma distância não somente política, mas sobretudo filosófica, dos fascistas. O mesmo não pode ser dito da esquerda "moderada", ou centro-esquerda, em relação à extrema esquerda: une-as um laço fundamental, que é a devoção ao Estado, laço este comum também aos extremistas de direita. Por isso é mais provável uma aliança entre a esquerda e a extrema-esquerda (como de fato ocorre, atualmente, no Brasil), ou entre os dois extremos ideológicos, do que entre liberais (ou liberais-conservadores) e a extrema-direita. Aliás, a aliança entre os extremos de cada lado já se realizou historicamente (o pacto "de não-agressão" entre Hitler e Stálin, que foi o catalisador imediato da Segunda Guerra Mundial, em 1939). Uma aliança assim jamais seria possível entre liberais e fascistas.
 
Portanto, só se pode entender a atual hegemonia ideológico-cultural esquerdista no Brasil, e a consequente vilanização da "direita", como o resultado de uma grosseira falsificação da História e das ideias. Falsificação que precisa ser denunciada com todas as forças por qualquer pessoa com um mínimo de honestidade intelectual. Do contrário, o Brasil continuará a ser um país em que a política se resume a petistas e tucanos, dilmas e aécios. Uma quase república soviética, governada por comissários de araque - e sem oposição digna desse nome.

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