Soldados norte-americanos em combate, Ofensiva do Tet, 1968: vitória militar, derrota política
Em visita oficial ao Vietnã, o presidente Lula, querendo fazer uma média com os anfitriões, disse que se identificava com os vietnamitas, pois, afinal, "sempre esteve do lado dos fracos e oprimidos". Foi mais além e, repetindo um chavão reafirmado ad nauseam nos últimos trinta e cinco anos, afirmou que "os vietnamitas venceram a guerra".
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A fala de Lula é uma excelente oportunidade para resgatar a verdade sobre a Guerra do Vietnã, colocando os pingos nos is. .
Até hoje, a percepção comum sobre o que foi o conflito no Sudeste Asiático é moldada mais pelos filmes de Hollywood, como Platoon, Apocalypse Now e Nascido para Matar, nos quais os soldados norte-americanos são mostrados quase sempre como bárbaros assassinos e os guerrilheiros vietnamitas e vietcongues, como vítimas e lutadores da liberdade, do que pelos fatos. Em muitos desses filmes, quase não se mostra o inimigo: até parece que os marines estavam lutando contra a população e a selva. Um espectador menos atento chegaria à conclusão de que, no Vietnã, os norte-americanos foram lutar contra o mato e os insetos e que, nas horas vagas, se divertiam metralhando velhos e criancinhas indefesas. Além disso, o Vietnã tornou-se, para as gerações seguintes, sinônimo de desastre e derrota militar. Não por acaso, vários analistas já se habituaram a chamar o Iraque atual de um "novo Vietnã". Tal percepção - de que a agressão foi unilateral e que os EUA saíram militarmente derrotados do Vietnã - está longe da verdade.
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A Guerra do Vietnã (1964-1975) foi um conflito muito mais complexo do que supõe a visão simplista que atribui aos norte-americanos o papel de agressor e aos vietnamitas, o de vítimas e/ou combatentes da liberdade. Vista em retrospectiva, há fortes razões para concluir que tal visão constitui, na verdade, mais um mito revolucionário criado pelas esquerdas na segunda metade do século XX, como foram os mitos comunista e anticolonialista.
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Em primeiro lugar, é preciso responder a pergunta: quem venceu a guerra? Do ponto de vista político, a vitória foi toda dos vietnamitas. Do ponto de vista militar, porém, a realidade foi bem diferente. O body count não deixa dúvidas: no total, 58 mil soldados norte-americanos morreram durante o conflito. Do lado vietnamita, as baixas são incontáveis - fala-se em algo como 2 milhões de mortos. Por qualquer ângulo que se olhe, os EUA não foram derrotados militarmente no Vietnã - foi uma derrota política. Mais precisamente, uma derrota no front interno, dentro de casa.
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De 1964, quando os EUA intervêm diretamente no Vietnã após o incidente do Golfo de Tonquim, até 1968, a situação militar das tropas norte-americanas era estável. Nesse ano, porém, a situação se modifica, com a Ofensiva do Tet lançada logo em janeiro no Sul pelos norte-vietnamitas e seus aliados, os guerrilheiros vietcongues. Militarmente, esta foi um fracasso total para o lado vietnamita - ao contrário do que era esperado pelos líderes comunistas de Hanói, a ofensiva não conseguiu deflagrar uma insurreição popular que derrubasse o regime do Vietnã do Sul, os soldados norte-americanos e sul-vietnamitas conseguiram rechaçar o ataque e a guerrilha vietcongue, devido às pesadas baixas sofridas, foi praticamente aniquilada. No entanto, foi a partir daí que se convencionou dizer que a guerra estava perdida para os EUA. .
.A resposta para esse paradoxo está numa característica peculiar do conflito vietnamita. Acima de tudo, o Vietnã foi uma guerra midiática, a primeira dos tempos modernos. Pelo menos, a primeira a ser televisada. Isso fez toda a diferença no desenrolar do conflito. Os comunistas sabiam que, dada a superioridade bélica e tecnológica das tropas dos EUA, não poderiam derrotá-las em combate. Suas ações, portanto, visavam não a alcançar uma vitória militar, aliás impossível, mas a abalar a determinação moral do governo norte-americano de manter-se na guerra, conseguindo assim um efeito psicológico importante. Tática que seria repetida pelos terroristas de todos os matizes nas décadas seguintes, da OLP a Al-Qaeda. De certo modo, há um paralelo entre a Ofensiva do Tet e os atentados de 11/9.
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Não foi qualquer derrota no campo de batalha, mas sim as pressões da opinião pública, decorrentes das cenas de soldados norte-americanos mortos e feridos, mostradas pela primeira vez na televisão, o que levou a população norte-americana a pressionar os governos Johnson e Nixon a retirar as tropas do Vietnã. As cenas da tomada, pelos guerrilheiros vietcongues, da embaixada dos EUA em Saigon - um alvo puramente simbólico, sem nenhum valor militar - tiveram um impacto político muito maior do que qualquer vitória. Pouco importa que todos os atacantes tenham sido mortos na ação - o importante era que a embaixada fora atacada.
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Graças ao poder avassalador da televisão, habilmente explorado pelos comunistas vietnamitas com a ajuda da New Left no Ocidente, a opinião pública norte-americana e mundial ficou conhecendo em todos os mórbidos detalhes as atrocidades cometidas pelos soldados norte-americanos, como o massacre de My Lai e os efeitos devastadores dos bombardeios ao Vietnã do Norte, mas permaneceu na ignorância total do que se passava do outro lado. Quando o exército dos EUA retomou, em 1968, a cidade de Huê, por exemplo, encontrou uma cova comum com cerca de 3 mil cadáveres de pessoas executadas pelos soldados do Vietnã do Norte, mas a opinião pública do mundo inteiro já estava ganha para a causa antiguerra e antiamericana. Gerações cresceram com a imagem na retina do policial sul-vietnamita estourando os miolos de um prisioneiro vietcongue com as mãos amarradas nas ruas de Saigon, ou da menina queimada correndo, nua, a pele se desprendendo por causa do napalm, após um ataque aéreo à sua aldeia. Mas quase ninguém se lembrou que, do lado dos vietcongues, também se matava e torturava. A derrota do governo dos EUA na batalha da propaganda impediu muita gente de perceber que houve atrocidades de ambos os lados.
Outra pergunta que se deve fazer é: qual o lado agressor? Pelas cenas dos bombardeios norte-americanos veiculadas nos noticiários de televisão, a resposta, desde então, passou a ser: os EUA, claro. Isso levou muitos a se esquecerem de por que os EUA estavam no Vietnã, em primeiro lugar. A primeira coisa a ter em mente é que o conflito no Sudeste Asiático não pode ser desvinculado da Guerra Fria. As tropas norte-americanas foram enviadas ao Vietnã a partir de 1964 - assessores militares estavam no país desde o governo Kennedy, em 1961 - não como uma força invasora, como foram os japoneses durante a Segunda Guerra ou os franceses até 1954, mas para auxiliar o governo do Vietnã do Sul, capitalista, que se encontrava acossado pelas guerrilhas do Vietcongue e pelas freqüentes incursões das tropas regulares do Vietnã do Norte, comunista, que contava com o apoio da União Soviética. A partir de 1960, intensificaram-se as ações terroristas do Vietcongue, com o apoio do Norte, contra o governo de Saigon, resultando na prática em uma sangrenta guerra civil, agravada após a queda em um golpe militar e o assassinato do corrupto e brutal presidente sul-vietnamita Ngo Dihn Diem, em 1963. A agressão comunista ao Vietnã do Sul era real. Não era uma fantasia de alguns "falcões" e cold warriors do Pentágono.
Tampouco a expansão do conflito para os vizinhos Camboja e Laos deveu-se unicamente às ações militares dos EUA, como se tornou comum dizer. Quando Nixon decide intervir nos dois países, em 1970 e em 1971 respectivamente, as forças norte-vietnamitas há muito utilizavam esses territórios como passagem e "santuários", através da Trilha Ho Chi Mihn, para lançar ataques ao Vietnã do Sul. O que ocorreu depois, principalmente no Camboja - a tomada do poder pelos guerrilheiros maoístas do Khmer Vermelho, que instituíram uma ditadura ensandecida que resultou em mais de 2 milhões de mortos, em cinco anos - foi o resultado, em grande medida, da retirada norte-americana do Vietnã, em 1973, completada com a fuga precipitada do país, em 1975.
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A partir de então, a história é mais ou menos conhecida. O Vietnã, sob controle dos comunistas do Norte, foi reunificado, tornando-se uma república socialista. Milhares de pessoas, sobretudo sul-vietnamitas, fugiram do país, resultando no fenômeno do boat people - semelhante aos balseros cubanos -, e, dos que ficaram, muitos foram executados ou enviados a "campos de reeducação". Obviamente, nada disso teve a mesma repercussão na mídia ocidental.
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É inegável que os EUA cometeram erros terríveis no Vietnã, o maior deles, certamente, a subestimação do caráter psicológico do conflito, inerente à guerra de guerrilhas. Cometeram, inclusive, crimes de guerra como My Lai e o bombardeio de civis. Mas daí a dizer que foram o lado agressor e que saíram derrotados militarmente, vai uma grande diferença. A Guerra do Vietnã é o maior exemplo de como o pacifismo, associado ao poder manipulativo da mídia e a táticas de desinformação, pode minar o moral e a determinação psicológica de uma nação em enfrentar uma ameaça externa, servindo, no caso, a interesses antidemocráticos. Não é à toa que a mesma tática esteja sendo repetida, hoje, pelos adversários das intervenções norte-americanas no Iraque e no Afeganistão. Mas, como hoje, com a internet, a difusão da informação é muito maior, é possível conhecer os crimes cometidos pelos regimes de Saddam Hussein e do Talibã - daí porque o pacifismo não tem a mesma força do passado.
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Hoje, o Vietnã é um país bem diferente. Desde a implementação das reformas econômicas, a partir de 1986, o país vem seguindo um caminho de abertura econômica sem abertura política, a exemplo da China. No campo das relações internacionais, o país se reconciliou com os EUA em 1995, e os norte-americanos, com os seus dólares, são muitíssimo bem-vindos ao Vietnã. Assim como os chineses em relação à Revolução Cultural dos anos 60, os vietnamitas parecem ter, porém, um certo pudor ao relembrar os anos de guerra. Talvez porque tenham seus próprios esqueletos no armário. Certamente, por causa do que também fizeram, e não somente do que sofreram, eles relutam em lembrar o passado recente. É uma pena que Lula não tenha tido esse pudor e tenha preferido, em vez disso, utilizar velhos mitos para dar vazão à demagogia antiamericana.
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