quarta-feira, março 28, 2007

VÁ ESTUDAR, PRESIDENTE!


Peço desculpas por voltar a este assunto. Mas creio que se trata de algo da maior gravidade e importância para o Brasil. Na verdade, considero que é mesmo a coisa mais grave e importante a respeito deste governo que aí está. Mais do que o mensalão. Mais do que Marcos Valério. Mais do que o apagão aéreo. Mais do que os ataques do PCC em São Paulo. Mais do que a redução da maioridade penal. Mais do que as declarações racistas da Ministra da Igualdade Racial, para quem negro odiar branco não é racismo.

O Presidente Lula precisa voltar para a escola. Rápido. Urgente.

Antes que alguém diga que este é só mais um texto para malhar nosso Presidente, cujas poucas luzes são louvadas entre nós por intelectuais que acham bonito um Chefe de Estado proclamar as virtudes da própria ignorância, faço questão de deixar claro que não se trata de nada disso. Muito pelo contrário. O que desejo é ajudá-lo, fazê-lo abrir os olhos para algo preocupante. Algo que não diz respeito, enfim, a ele somente, mas a todos nós.

Não é segredo para ninguém que Lula estudou só até a 4a série primária. Também ninguém ignora que, por motivos materiais, teve de abandonar cedo a escola. Ele gosta de repetir isso em seus discursos. Até aí, sua trajetória é igual a de tantos brasileiros, migrantes pobres como um dia foi ele, cuja mãe, como ele disse certa vez, em mais uma de suas gafes lingüísticas, "nasceu analfabeta". Depois, virou Lula, o líder metalúrgico, e Lula, o dirigente do PT. Hoje é Sua Excelência, Luiz Inácio Lula da Silva, o Presidente da República. Até aí, nada de mais, todos conhecem essa história de cor. O problema é o que está no meio do caminho.

Entre o início de sua ascensão política como líder metalúrgico no ABC paulista, no final dos anos 70, e a eleição para a presidência em 2002, ou seja, durante cerca de 20 anos de sua existência neste planeta, Lula teve tempo e condições de sobra para correr atrás do tempo perdido e superar sua formação escolar deficiente. Em vez disso, preferiu a "escola da vida". Não estudou porque não quis. O motivo foi o seguinte: já uma celebridade nacional, o estudo para ele se tornou algo supérfluo, um artigo de luxo. Mais: cobrar dele um diploma, ou a pura e simples observância às regras da gramática, seria demonstração de "preconceito" e "elitismo" de quem não acreditava que um ex-metalúrgico sem instrução poderia um dia subir a rampa do Palácio do Planalto.

Agora, Lula é o Presidente da República. Como tal, não pode mais se dar ao luxo de desprezar o valor da educação, sobretudo a educação formal, bacharelesca. Mais que isso, como Presidente, ele tem o dever e a obrigação, política e moral, de dar o exemplo, pois cumpre também uma função didática. Isso significa deixar a preguiça de lado e, lápis e caderno na mão, voltar a estudar. Se retornasse aos bancos escolares, Lula estaria dando um exemplo de força de vontade e superação, semelhante ao de outros companheiros seus, como o deputado Vicentinho, que se formou em Direito depois dos 50 anos. Poderia demonstrar, assim, que aquela propaganda, "Sou brasileiro e não desisto nunca", era para valer, e não somente mais uma peça publicitária enganosa de Duda Mendonça e companhia. Com isso, nosso Presidente estaria dando também uma lição de humildade, algo caro para os brasileiros, pois estaria descendo do pedestal e se juntando a tantos milhares de cidadãos brasileiros, tão pobres quanto ele diz ter sido um dia, que, contra todas as adversidades, encaram uma sala de aula visando a ser alguém na vida. Para essas pessoas, ao contrário do Presidente, a educação não é artigo desnecessário, mas um direito inalienável; nem a ignorância é uma moeda política para fazer demagogia: é, isto sim, uma chaga social, uma indignidade.

Difícil imaginar maior incentivo à educação do que este simples gesto pessoal, num país de tantos analfabetos, voluntários ou não. Tenho certeza de que qualquer criança ou adolescente da periferia, ao ver o supremo mandatário da nação sentado no banco de uma sala de aula, se encheria de espírito cívico e seguiria seu exemplo, deixando de lado, como modelo de vida, os cantores sertanejos ou as celebridades instantâneas da TV ou, ainda, os traficantes de drogas. Valeria por muitos programas governamentais, com certeza. Além disso, se começasse por si mesmo, Lula teria muito mais cartaz quando tivesse de falar do assunto. Afinal, com que autoridade um Presidente pode defender, em discurso, a importância e o valor da educação se lhe foi oferecida durante anos a oportunidade de estudar, de se aprimorar intelectualmente, e ele a desprezou solenemente?

Outra coisa: ao voltar à escola, Lula estaria fazendo um grande favor a si mesmo. Além de poupar-se e aos outros de constrangimentos como dizer que o Brasil não faz fronteira com a Bolívia ou que Napoleão invadiu a China, nosso Presidente poderia tornar-se um excelente garoto-propaganda das vantagens da superação individual. Perceberia, com o tempo, que ler, afinal de contas, não é algo assim tão chato como andar de esteira, e que pode ser mesmo um prazer. Vencida a resistência inicial, Lula poderia perceber que a leitura, além de instrutiva, pode ser algo extremamente divertido. Mais interessante, certamente, do que os churrascos ou as peladas com os companheiros na Granja do Torto. Poderia, enfim, descobrir o deleite de ler e reler os clássicos, como Machado de Assis, aliás mulato, gago e epilético, filho de uma lavadeira e de um pintor de paredes. Se valesse o álibi utilizado por Lula de que sua ignorância decorre de sua infância pobre e sofrida, não existiria a Academia Brasileira de Letras.

Durante muito tempo se discutiu no Brasil o voto dos analfabetos. Os que se opunham a essa medida argumentavam que os mesmos não deveriam ter esse direito, pois careciam do discernimento necessário para fazer suas escolhas, sendo, portanto, facilmente manipuláveis por políticos demagogos e oportunistas. Era uma forma de dizer que o analfabetismo era um problema, e que não poderíamos atingir um certo nível de consciência política a menos que as pessoas tivessem acesso universal à educação. Tal argumento, por elitista, foi, como se sabe, derrubado, e hoje os analfabetos já podem votar. Já podem, inclusive, ser eleitos ao cargo mais alto da República. Lula derrubou esse tabu, assim como derrubou outro mito fortemente incrustado em nosso subconsciente: o de que a ignorância, no Brasil, decorre da pobreza e da falta de acesso à educação formal. Como se vê toda vez que ele abre a boca, a ignorância, no Brasil, pode muito bem ser voluntária.

O Presidente Lula está perdendo uma excelente oportunidade de calar a boca de seus críticos e prestar um serviço inestimável ao País. Está jogando no ralo uma chance de ouro de se redimir perante os milhões que votaram nele, e também perante os outros tantos milhões que, por um motivo ou outro, sempre torceram o nariz para o presidente-operário. Alguém precisa avisá-lo com urgência.

Portanto, correndo o risco de ficar repetitivo, é preciso dizer com todas as letras o seguinte: VÁ ESTUDAR, PRESIDENTE!