segunda-feira, março 05, 2007

"SOU DE ESQUERDA"


O bafafá que tomou conta do Itamaraty nas últimas semanas por causa da entrevista do Embaixador Roberto Abdenur na qual ele critica a atual política externa brasileira e, principalmente, a resposta da chefia da Casa de Rio Branco, por meio de declarações do Chanceler Celso Amorim à revista Carta Capital, trouxeram à tona algumas questões interessantes. A mais importante delas, na humilde opinião deste que escreve estas linhas, diz respeito à discussão – para mim, bastante reveladora – sobre o caráter ideológico (nesse caso, de esquerda) que estaria sendo dado à diplomacia brasileira sob o governo Lula.

Como escrevi em artigo anterior sobre o assunto, o problema não está nos supostos ou reais motivos que levaram o Embaixador Abdenur a botar a boca no trombone, mas nos argumentos utilizados pelo Chanceler Celso Amorim para descartar qualquer viés antiamericano na atual orientação diplomática brasileira. Mais precisamente, o centro do problema está no fato de ele ter dito, em resposta às críticas que lhe foram feitas, a seguinte frase: "sou de esquerda".

A frase é reveladora, não porque seja exatamente uma surpresa ou algo inusitado – um Ministro do governo Lula, ou qualquer pessoa no Brasil, dizer-se de direita, isto sim, seria algo estranho e surpreendente –, mas porque, se levada a sério, vai contra tudo aquilo que o Chanceler Celso Amorim quer provar – que a política externa brasileira, enfim, não é antiamericana, nem esquerdista. Vou tentar explicar melhor o que quero dizer.

O que caracteriza o esquerdista não é o que ele diz de si mesmo, mas o que ele diz dos seus críticos. Um verdadeiro esquerdista, por mais radical que seja, jamais se dirá antiamericano, e sempre terá uma palavra bondosa para dizer, por exemplo, sobre o povo dos EUA, tentando dissociá-lo do governo de Washington ("sou contra o governo dos EUA, não contra o povo norte-americano" etc.). Basta levantar a menor suspeita de antiamericanismo em suas palavras e atitudes, porém, e a máscara de bom-moço cai por terra: tal acusação só pode vir de "mentes colonizadas", "americanófilos", "indivíduos a soldo do imperialismo" etc. Insista um pouco mais nessa acusação, mostrando fatos e argumentos, e você será brindado com uma saraivada de adjetivos carinhosos, como "lacaio de Wall Street" e "agente da CIA" para baixo.

Pelo mesmo motivo, nenhum esquerdista que se preze ousará falar mal das regras do regime democrático: na verdade, buscará mesmo reivindicar para si a paternidade da própria democracia, posando de paladino das liberdades. Quando essas mesmas regras se voltam contra eles, porém, logo mudam de discurso: o que antes era visto como "defesa da democracia" (por exemplo, a ampliação das liberdades de imprensa e de associação, entre outras), vira "resistências dos setores conservadores e reacionários". Para chegarem ao poder, os esquerdistas não hesitam em usar as facilidades da democracia; uma vez nele, tentam a todo custo miná-la. Foi o que fizeram os comunistas sempre e onde tiveram a oportunidade de fazê-lo.

O que isso demonstra? Apenas uma coisa: que a mente esquerdista, por mais "light" ou moderada que se apresente, funciona em termos ideológicos, de "nós" (o proletariado, o Terceiro Mundo) contra "eles" (a burguesia, os imperialistas ianques). Exatamente o oposto do que diz Celso Amorim a respeito da política externa brasileira.

Portanto, ao se declarar de esquerda, Celso Amorim minou a credibilidade de seus argumentos. Primeiro, porque usou um critério claramente ideológico para classificar as críticas a ele dirigidas. Segundo, porque parece ignorar o que significa ser de esquerda, principalmente em vista dos 100 milhões de mortos pelo comunismo no século XX (não custa nada lembrar: Stálin era de esquerda, assim como Mao, assim como Pol Pot). Tivesse dito que a dicotomia esquerda/direita é uma visão maniqueísta ultrapassada pela História, ou que, em política internacional, o esquerdismo, plagiando Lênin, é uma doença infantil do terceiro-mundismo (como de fato é), então se poderia dizer que são infundadas as acusações de antiamericanismo no Itamaraty. Em vez disso, porém, ele preferiu cerrar fileiras com as hostes esquerdistas.

Pode-se dizer, assim, que Celso Amorim perdeu uma oportunidade de pôr uma pá de cal sobre a suspeita de viés ideológico no Ministério das Relações Exteriores. Suspeita que se reforça ainda mais quando o governo atual mostra tanta má vontade em relação à ALCA e tanta compreensão por ditaduras comunistas como a de Fidel Castro em Cuba, e a candidatos a ditador como Hugo Chávez e Evo Morales, outros notórios esquerdistas. Diante disso, convenhamos, fica difícil não dar ouvidos às críticas do Embaixador Abdenur.

2 comentários:

Anônimo disse...

Que bobagem. Tudo baseado num conceito de esquerda que tu mesmo criaste. Ou seja, todo um raciocínio inválido do começo ao fim.

Gustavo disse...

Não entendi, Luciano. Poderia ser mais claro? Que conceito de esquerda é válido para vc?

abs