Há alguns dias, estava eu conversando com uma amiga minha de longa data na internet. Quer dizer, conversando é maneira de falar, porque na verdade tentei conversar. Minha amiga é uma pessoa de esquerda. Não uma militante (pelo menos acho que não), mas de qualquer modo esquerdista e, a julgar por suas mensagens no facebook, atéia, pró-feminista, pró-marxista etc. Enfim, alguém que, em termos de idéias, segue o mainstream.
Como eu disse, tentei iniciar uma conversa. Tenho esse mau hábito: querer conversar sobre política. Pior ainda: na internet. Mas, insistente, fui adiante. Comecei dizendo de minha surpresa por ter descoberto, lendo um comentário de minha amiga em uma página qualquer da web, que ela era atéia (até então eu não sabia). Como sou ateu desde os 14 anos de idade, achei que tinha encontrado uma parceira espiritual. "Vamos trocar figurinhas?", convidei-a.
Entusiasmado com a possibilidade de trocar idéias sobre assunto tão palpitante, perguntei: não é estranho que a imensa maioria dos que se dizem ateus no Ocidente dedicam-se tanto a espezinhar a religião cristã, especialmente a Igreja Católica, enquanto poupam religiões como o Islã? E citei especificamente regimes como a teocracia islamita do Irã, onde mulheres são apedrejadas por adúlteras e homossexuais são enforcados em praça pública. Perguntei por que os militantes gayzistas e feministas ocidentais, quase todos esquerdistas, não diziam quase nada sobre o assunto. Minha amiga de início se surpreendeu: "Como não? Tem vários vídeos no youtube que denunciam isso" etc. Lembrei que tais militantes humanistas e progressistas gastavam 90% de seu tempo a atacar a religião cristã. "É porque é a maior religião", redargüiu, enfática. Mesmo assim, respondi, não conheço nenhum caso de pessoa executada por blasfêmia ou comportamento desviante a mando do Vaticano, por exemplo. E resolvi mencionar um fato que, aos olhos de minha amiga, deve ter parecido uma heresia: a religião mais perseguida do mundo, hoje, é o cristianismo. Veja o que ocorre no Oriente Médio, na China etc.
Isso foi demais para minha interlocutora. Indignada, talvez ofendida com esse fato - não era sequer um argumento: era um fato -, minha amiga abruptamente deu por encerrada a nossa conversa. Não perderia mais tempo debatendo com alguém como eu, que vou contra tudo aquilo que ela tem em alta estima etc. Ainda por cima - isso foi o que mais me chamou a atenção -, eu teria uma "agenda política retrógrada" (!). Passar bem.
Confesso que aquela conversa - ou melhor: a forma brusca e inesperada como terminou a conversa - me deixou meio atordoado. Nem tanto pelo fato de ter sido chamado de "retrógrado" (sendo um crítido contumaz das fórmulas e dogmas marxistas, já estou acostumado a ser chamado de coisa pior), mas porque, pela primeira vez, alguém disse que eu tinha uma "agenda política". Agenda política, eu?, fiquei pensando. Mesmo depois de ter escrito isso aqui: http://gustavo-livrexpressao.blogspot.gr/2010/04/individuo-nao-manada.html?
Mas voltemos ao adjetivo infame, "retrógrado". Por que fui brindado com o epíteto? Porque achei estranho, para dizer o mínimo, que tantos autoproclamados ateus preferissem dirigir suas baterias contra o cristianismo, deixando de lado o Islã. Porque tantos ateus, sobretudo na Europa e nos EUA, onde proclamar-se ateu virou uma espécie de modismo, se comprazem em atirar lama no Papa ou em pastores evangélicos, cujos ensinamentos ninguém está obrigado por lei a seguir, ao mesmo tempo em que costumam silenciar sobre barbaridades cometidas em nome do Islã, sobretudo em alguns países islâmicos, onde essa liberdade não existe.
Ou seja: sou um retrógrado, ainda por cima com uma agenda política, porque defendo os direitos dos gays e das mulheres no Irã e na Arábia Saudita. Mais: sou um retrógrado, um reacionário e um fascista porque - vejam que absurdo! - tenho a ousadia de defender os direitos de minorias religiosas (no caso, os cristãos nos países do Oriente Médio). Sim, sou um bandido, um canalha, um assassino, porque defendo o direito à livre expressão e à existência de quem pensa diferente de mim. Já aqueles que critico, os ateus do tipo Noam Chomsky e Tariq Ali, são democratas e progressistas porque não dizem uma palavra sobre isso. Não é fantástico?
É um fenômeno curiosíssimo! Quem quiser ser louvado como uma pessoa de bem, humanista e tolerante, que saia em defesa dos direitos dos muçulmanos na Bélgica ou na França, ou que, pelo menos, faça vista grossa a regimes como o iraniano. (Alguns vão mais além, e justificam mesmo esses regimes: são os multiculturalistas.). Por outro lado, quem quiser ser execrado e rotulado de retrógrado ou coisa semelhante, ainda que seja ateu, basta que defenda o direito dos cristãos à liberdade religiosa. Basta que chame a atenção para as perseguições e massacres de comunidades cristãs no Egito ou no Paquistão.
Para dar um exemplo: somente no Iraque, desde 2003 o número de cristãos decaiu drasticamente de 1,5 milhão para 500 mil, e continua caindo, graças às perseguições e atentados terroristas de muçulmanos sunitas e xiitas, que não deixaram praticamente nenhuma igreja em pé no país. Rios de tinta e milhões de megabytes foram gastos para denunciar a torpe invasão imperialista e as mentiras de Bush e sua camarilha sobre armas de destruição em massa etc., mas não se leu uma linha na imprensa ocidental sobre esse verdadeiro holocausto cristão no Iraque. Simplesmente mencionar tal fato, dizer que está em andamento um verdadeiro religiocídio no país, é uma blasfêmia, um sacrilégio. Quem o fizer será considerado um reacionário, um criminoso, um inimigo da tolerância e da humanidade. Em outras palavras, alguém com uma agenda política retrógrada.
Trocando em miúdos: tolerante e progressista é quem ataca o cristianismo; intolerante e retrógrado é quem o defende. Ou seja: liberdade de religião, menos para os cristãos. É essa a agenda política dos progressistas da esquerda, mais anticristãos (e anti-Ocidente) do que ateus.
Querem mais um exemplo? Há algum tempo esteve no Brasil o presidente da República Islâmica do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Veio para a Conferência Rio+20, da ONU. Tirando um pequeno grupo de judeus e de evangélicos, não se viu ninguém do lado da esquerda, nem um mísero militante, protestar contra a presença em uma conferência das Nações Unidas de um notório antissemita, genocida e negador do Holocausto. Não se viu nenhum esquerdista, marxista, feminista ou gayzista erguendo faixas e gritando palavras de ordem contra o chefe de um governo que apedreja mulheres e assassina homossexuais. Em vez disso, o que fizeram os nossos progressistas, entre eles alguns ateus? Foram prestar homenagem a Ahmadinejad, indo visitá-lo no hotel onde se encontrava. Grandes humanistas, como se vê.
Como diz o mágico norte-americano James Randi, que vive de desmascarar misticismos e charlatanices, há dois tipos de ateus: os que dizem que Deus não existe e os que exigem provas de Sua existência. Eu acrescentaria um terceiro tipo: os que são ateus, ou que dizem que o são, por modismo, ou pela metade. Quando os vejo em ação, quase concordo com minha amiga da internet e admito que tenho uma agenda política retrógrada.
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Em tempo: espero que minha amiga, a quem estimo muito, continue a ser minha amiga, mesmo não querendo saber de debater comigo. Eu, de minha parte, não deixarei de considerá-la como tal. Afinal de contas, se eu confundisse opinião com amizade, e não aceitasse como amigo alguém com uma visão diferente da minha, eu seria um inimigo da inteligência, um fanático e um intolerante, não é verdade?
2 comentários:
Não se esqueça de um componente importante desse ateísmo seletivo: covardia.
Já ouvi podcasters dizendo que a religião católica deveria ser dissolvida por causa da Inquisição, mas sobre o que acontece hoje nos países islâmicos, nem um pio.
Isso acontece por que todo mundo sabe que falar mal do Papa ou vilipendiar símbolos religiosos cristãos, seja em museus em Nova Iorque ou na passeata gay em SP nunca resulta em punições ou retaliações.
Já uma mera charge de Maomé pode ser igual a uma sentença de morte.
Sou cristã e tenhos colegas de faculdade que se dizem ateus, mas na verdade são anicristãos que realmente sentem raiva do Cristianismo. Ainda por cima, uma boa parte deles é de militantes petistas. Aí pronto! Ai daquele que tiver uma opinião contrária! Já é considerado por eles como intolerante, retrógrado, preconceituoso, pessoa que espalha o ódio, e por aí vai. Dificilmente vejo ateus que não odeiam criståos, você é um deles. Ótimo texto!!
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