Creio que, pelo menos uma vez a cada geração, existe um fato histórico definidor, determinante. Para a de nossos pais, foi a chegada do homem à Lua, ou a contra-revolução de 64. Para a dos nossos avós, a Segunda Guerra Mundial, ou a invenção da penicilina. Datas que vivem na memória, com um poder simbólico tamanho que já estão entranhadas na memória coletiva, de modo que cada um lembra exatamente onde se encontrava e o que estava fazendo quando leu ou ouviu aquela notícia que “mudou o mundo”.
O 11 de setembro de 2001 é um desses momentos. Para mim, pelo menos, é a data mais significativa, até agora, que tive a oportunidade de acompanhar, ao vivo, pela TV e pela internet. Em alguns textos, rememoro aquela terça-feira fatídica, já intrinsecamente mesclada à minha trajetória pessoal, a exemplo de milhões de pessoas mundo afora.
Já virou um lugar-comum afirmar que o 11/09 foi o acontecimento mais importante da História mundial desde, pelo menos, o fim da URSS, exatos dez anos antes. Mas isso não impede de recordar alguns fatos desagradáveis.
Em primeiro lugar, acho que a esta altura está claro que não foi a Al-Qaeda que jogou os aviões contra as Torres Gêmeas e o Pentágono. (E antes que algum teórico da conspiração se anime: não, também não foi a CIA, ou o serviço secreto israelense, ou os maçons - aliás, gostaria de saber por que todas as teorias conspiratórias [todas!] miram nos EUA ou em Israel, deixando de lado seus inimigos.) Bin Laden e sua corja sequestraram as aeronaves e as utilizaram como mísseis, mas não foram eles, os terroristas islamitas, os únicos responsáveis, em última instância, pela barbaridade inominável. O ato em si, foram eles que cometeram, e inclusive se vangloriaram disso. Mas a cadeia de eventos que culminou no maior atentado terrorista da História é bem anterior à decisão de executá-lo.
Explico-me. Bin Laden e sua rede de assassinos alucinados não teriam feito o que fizeram se não fosse por uma cadeia de eventos, ou melhor, por um certo estado ideológico, gestado durante décadas, e que teve seu clímax na derrubada do WTC. Estou falando do antiamericanismo, essa doença mental do século XX, que entrou pelo XXI e que tem suas raízes nas duas extremas: direita e esquerda, fascismo e comunismo.
Desde pelo menos os anos 60, quando a Guerra Fria ameaçou tornar-se quente em conflitos como o do Vietnã (perdido pelos EUA em casa e na televisão, e não nos campos de batalha, mas essa é outra história), o realejo antiamericano não tem cessado de tocar, entrou definitivamente no mainstream.
Hipnotizadas por essa cantilena xenófoba, entorpecidas pela leitura (os que leram) de Gramsci e dos catataus impenetráveis dos teóricos da Escola de Frankfurt, e infantilizadas por um anticapitalismo geralmente arrotado por burgueses que não abrem mão das comodidades do capitalismo, gerações inteiras se acostumaram a enxergar nos EUA e na "sociedade tecnocapitalista" do qual este é a epítome a síntese do Mal, sinônimo de exploração, violência e alienação humana. A ex-URSS e a China, em contrapartida, seriam um antídoto à "unipolaridade" (o novo nome do "imperialismo"), vistos como alternativas ou, pelo menos, equivalentes ao Tio Sam – como se a Pátria da Democracia, o país de Thomas Jefferson e de Abraham Lincoln, fosse menos preferível ou equivalente a qualquer ditadura comunista... Em algum momento depois do desaparecimento da URSS, a utopia comunista ou comuno-socialista, com pitadas de niilismo "pós-moderno", aliou-se ao fanatismo religioso islamita em uma frente comum. Cedo ou tarde, o resultado disso seriam ataques terroristas como o de 11/09.
Foi esse estado mental, esse fenômeno de hipnose coletiva, fruto de décadas de doutrinação, que abriu o caminho e preparou os espíritos – coloquemos desse modo – para a tragédia de 11 de setembro. Primeiro, como justificativa e vanglória sobre uma montanha de cadáveres: eles, os americanos, "receberam o que mereciam" ou "colheram o que plantaram". Ou, então, como recusa a encarar a realidade, refletida na incapacidade psicológica de enxergar os EUA como vítimas de uma agressão covarde: a tragédia não foi cometida por terroristas islamitas, mas pelos próprios americanos, interessados em um pretexto para invadir o Afeganistão e se apossarem do petróleo do Oriente Médio etc. etc. (afinal, eles, uzamericânu, são os culpados por tudo de ruim que existe no mundo, não é mesmo?). Em tudo isso, o discurso do ódio mal disfarçado e o contentamento mórbido, que levaram alguns autoproclamados "humanistas" como o ex-frei e marxista Leonardo Boff a manifestações de regozijo ("queria que tivessem sido vinte e cinco aviões!"). Essa tara moral, essa perversão ideológica, serviu de justificativa para a derrubada das torres gêmeas e para o assassinato de quase 3 mil pessoas.
Hoje, 11 anos e duas guerras depois, Bin Laden está morto, enterrado no fundo do mar, e a Al-Qaeda, cada vez mais em frangalhos, é apenas uma sombra do que foi um dia. Mas a mentalidade antiamericana que chocou o ovo da serpente terrorista continua mais viva do que nunca, em governos populistas e autoritários geralmente apoiados por "movimentos" que, em nome das causas mais variadas (antiglobalização, ambientalistas, feministas, racialistas, gayzistas etc.), apontam suas baterias verbais contra o capitalismo e a democracia liberal, enquanto silenciam sobre, quando não aplaudem abertamente, regimes tirânicos e terroristas como o do Irã.
Há ainda os que, ingênua ou maliciosamente, procuram diminuir o impacto da catástrofe, lembrando "outros setembros", como se o 11/09 dissesse respeito somente aos EUA e, no final das contas, tragédias sem relação uma com a outra se excluíssem mutuamente. Foi essa mentalidade masoquista que esteve por trás da eleição em 2008 de Barack Hussein Obama, tido por muitos de seus apoiadores como um antídoto ao "imperialismo". Mas até Obama, o presidente "histórico", que já era "histórico" antes mesmo de ser presidente, rendeu-se à realidade, não tendo nada melhor a apresentar, após quatro anos, do que a continuação da "guerra ao terror" inaugurada por George W. Bush (embora, como todo demagogo, não o admita, nem jamais o fará).
Os antiamericanos de todos os tipos costumam repetir à exaustão o mantra de que os EUA são culpados por todo o mal que existe no mundo, e que o 11/09 foi, de certa forma, uma reação ao imperialismo ianque. Em sua cegueira ideológica, acreditam que os atentados terroristas de 11 anos atrás teriam sido provocados etc. Nesse ponto, tenho de admitir que os devotos da seita antiamericana têm alguma razão. Só esquecem de um fato fundamental: os que provocaram a atrocidade não estavam na Casa Branca ou no Pentágono, nem no Departamento de Estado. Tampouco foram o McDonald's ou a Coca-Cola.
Foi a ação insidiosa, tenaz, sistemática, de antiamericanos dentro e fora dos EUA, por meio de uma campanha insistente e muito bem-articulada nos meios intelectuais e na mídia (inclusive em Hollywood), que provocou os ataques, ao ter criado o ambiente mental necessário à germinação do terrorismo islamita. Bin Laden foi o executor. Mas os verdadeiros mentores não falam árabe nem usam turbante. São, no mínimo, cúmplices morais de um dos maiores crimes contra a humanidade de todos os tempos.
Um comentário:
Texto muito bom. Parabéns pela clareza e coesão.
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