O último dos moicanos. Infelizmente.
Outro dia falei aqui de um movimento que surgiu no Sul para refundar a ARENA, o partido de sustentação da ditadura militar de 1964. Confesso que fiquei curioso em conhecer melhor a proposta que, embora certamente ousada, considerei desde o início equivocada, para dizer o mínimo. Levado pela curiosidade, entrei em contato com a autora da idéia, uma estudante de Direito de 22 anos que usa piercing e é fã de heavy-metal. Expus a ela minha opinião, tentando mostrar que a tal proposta, ainda que bem-intencionada (pelo menos assim eu acreditava no início), é, na verdade, um grande erro: em nome da causa louvável do combate à hegemonia político-ideológica esquerdista, tal iniciativa fatalmente só dará mais munição à esquerda. Meus argumentos:
1 - A ARENA não era um partido ideologicamente consistente, mas sim uma sigla artificialmente criada pelos militares para servir de correia de transmissão do regime militar. Não era um partido ideológico, no verdadeiro sentido da palavra, de direita e conservador, até porque os militares não eram conservadores, mas revolucionários formados na tradição positivista, que defendia uma ditadura tecnocrática (não por acaso o movimento de 64 foi batizado de "revolução"). Enfim, não era um partido com agenda ideológica própria, mas um instrumento da ditadura - ou seja, não da política, mas da anti-política.
2 - Pelo mesmo motivo que seria um contra-senso ressuscitar tal legenda, mais fisiológica do que ideológica, é um erro defender, como antídoto à esquerda, o nacionalismo, que é muito mais afinado com a esquerda do que com a direita no Brasil (dei o exemplo do getulismo). Um partido de direita que se preze, além de conservador, precisa romper com a tradição nacional-estatista, que vem desde o Brasil-Colônia. E, finalmente:
3 - Onde já se viu um partido desse tipo, conservador ou liberal, aberto para integralistas, essa relíquia totalitária dos anos 30? (A propósito: sobraram alguns?)
Mandei as questões acima para a estudante gaúcha, esperando com isso suscitar um debate. Para minha surpresa, porém, logo percebi que estamos em sintonias diferentes: as respostas que recebi foram todas evasivas, limitando-se a estudante a dizer que "o nome é esse porque houve uma votação e assim escolheram" etc. Insisti, tentando iniciar um debate sobre os pontos acima. Finalmente recebi, em vez de uma refutação lógica às questões por mim colocadas, uma resposta meio atravessada, na qual a estudante dizia que "não iria responder de novo" e me pedia que eu não a importunasse mais porque ela tinha mais o que fazer etc. Entendi o recado, lamentei a falta de disposição para o debate e desejei-lhe boa sorte.
Tal episódio serviu para confirmar, a meu ver, aquilo de que eu já desconfiava: que a tal proposta de ressuscitar a ARENA surgiu sem que tivesse havido qualquer debate ideológico, qualquer discussão mais profunda sobre a conveniência ou não de levá-la adiante. Ficou claro para mim - e assim pensarei até receber uma resposta que mereça o nome - que os autores da idéia carecem de estofo intelectual, de preparo, e que a simples escolha do nome surgiu mais como uma forma de marketing - nesse caso, de marketing negativo -, a fim de atrair a atenção da mídia (o que, ao que parece, foi alcançado pela autora da idéia). Não me parece também que a iniciativa esteja livre de certo aspecto juvenil, uma espécie de rompante. Enfim, tudo, menos uma proposta política séria, capaz de desafiar a ditadura mental esquerdista em que está imerso o Brasil há décadas.
Fiquei ainda mais convencido disso quando vi, na página criada para divulgar o novo partido, as mensagens de apoio. Com algumas exceções, as pessoas que apóiam a iniciativa de recriar a ARENA são saudosistas do regime militar, que o vêem mesmo como uma solução para os problemas do Brasil na atualidade (principalmente a corrupção). Deixando de lado o fato de que desejar a "volta do regime militar" não é política, mas espiritismo, é curioso como há tanta gente que idealiza a ditadura dos generais, como escreveu outro dia o Olavo de Carvalho. Quero crer que por ingenuidade, muitos que se dizem "de direita" disputam com seus rivais esquerdistas no quesito romantização do passado, esquecendo-se que foram os militares de 64 que, ao alijarem a direita civil e extinguirem partidos como a UDN, abriram o caminho para a hegemonização esquerdista da vida cultural e política brasileira. Ou seja: exatamente o que vemos hoje.
Esse tipo de idealização do passado não se restringe aos nostálgicos dos governos militares. Fiquei sabendo, por exemplo, que um grupo pretende recriar a antiga UDN. A idéia me parece infinitamente mais interessante do que ressuscitar a ARENA, mas, mesmo assim, incorre em alguns inconvenientes. O principal é que, a meu ver, a recorrência ao passado demonstra claramente a ausência de uma direita organizada no presente. Isso é um problema. Além das dificuldades organizacionais (quem pode reivindicar, hoje, o espólio da antiga UDN?), tal insistência pretérita parece demonstrar mais falta de perspectivas do que qualquer outra coisa. Quem vive de passado não tem muito futuro.
Ainda assim, reconheço que trazer de volta a UDN, a velha UDN de grandes tribunos e políticos combativos como Carlos Lacerda, teria seus méritos. Sobretudo a figura polêmica de Lacerda, com todos os seus defeitos (e ele tinha vários), faz hoje uma falta gritante na política brasileira, caracterizada pela ausência de uma oposição que mereça o nome e honre as calças que veste. Se, em vez dos serras e aécios da vida, tivéssemos hoje um Lacerda, o governo dos petralhas não duraria uma semana. Os militares que criaram a ARENA, aliás, sabiam disso. Tanto que a primeira coisa que fizeram depois de tomar o poder foi se livrar do demolidor de presidentes. Com isso, privaram o Brasil de sua maior liderança de direita no século XX. Os frutos desse erro grotesco colhemos no Brasil de hoje. E ainda aparece alguém e propõe ressuscitar a... ARENA?
Se é verdade que a maior defesa da democracia contra o comunismo (e o fascismo) é uma direita filosoficamente forte e bem estruturada, conservadora e liberal, defensora da democracia e da livre iniciativa, então o Brasil vai mal, muito mal. Propostas esdrúxulas como a recriação da ARENA (e, em menor grau, da UDN) demonstram isso de forma cabal e acachapante. Infelizmente, os conservadores e liberais brasileiros estão totalmente órfãos, reduzidos a uma condição marginal na vida política. Enquanto isso, uma parte da direita, desprovida de uma base teórica sólida, olha para trás, suspirando por um passado fictício.
O domínio ideológico da esquerda no Brasil é tão profundo, e a ausência de uma oposição de direita tão completa, que a tarefa de romper com esse estado de coisas exigirá muito mais do que coragem moral ou ousadia de alguns attention-seekers. Exige, em primeiro lugar, um pouco mais de conhecimento histórico e de clareza das idéias. Na falta desses fatores, o que existe, infelizmente, são propostas bizarras e reacionárias (aqui, sim, o termo se aplica), e inclusive fascistóides, nascidas de uma indignação mal-direcionada e balizadas por uma falsa memória histórica. Tais propostas servem apenas para estereotipar e caricaturar a direita, num país em que ela praticamente não existe. É difícil imaginar serviço maior que se poderia prestar à causa esquerdista.
2 comentários:
Sr. Gustavo.
Sim, ainda existimos. Se pretende escrever sobre algo informe-se primeiro. Eis um "link" onde o Sr. encontrará bastante material onde estudar e parar de dizer bobagens sobre o Integralismo: http://acaodosblogsintegralistas.blogspot.com.br/
Anauê!
Sérgio de Vasconcellos.
Caro Sr. Sergio,
Obrigado por informar que ainda existem integralistas. Sempre tive uma grande curiosidade por ideologias bizarras.
Gostaria apenas que o sr. me dissesse que "bobagem" eu disse sobre o integralismo. Disse e repito que o integralismo eh uma reliquia totalitaria da decada de 30. A leitura de seu blog apenas confirma essa afirmacao.
Grato.
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