terça-feira, junho 12, 2012

O LAMENTO DA ESQUERDA EMBOLORADA


É do jornalista e ativista político venezuelano Teodoro Petkoff a autoria de uma das teorias mais furadas e desonestas de todos os tempos, a chamada teoria das "duas esquerdas". Ex-comunista e ex-guerrilheiro, Petkoff é, entretanto, inimigo figadal do coronel Hugo Chávez, que considera (corretamente) representante de uma esquerda atrasada, retrógrada, "carnívora", em contraposição a uma esquerda supostamente moderna, progressista - enfim, "vegetariana". É preciso defender os vegetarianos, pois eles seriam uma espécie de remédio, de antídoto aos excessos e presepadas dos carnívoros como Chávez, Morales e os Castro, afirma Petkoff.

Cedo ou tarde, essa tentativa de salvamento da mitologia esquerdista, que foi encampada até por figuras de inegável renome intelectual como o escritor peruano e Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, iria desembarcar no Brasil. De fato, a teoria de Petkoff tem sido a principal fonte de legitimidade para o governo de Lula da Silva e de sua discípula, Dilma Rousseff. Agora finalmente parece que o processo lançou raízes de vez por estas plagas.  Só que com o sinal invertido.

Enquanto a esquerda "boa", "vegetariana", de Petkoff seria aquela sintonizada com o mundo atual, adaptada à democracia e à economia de mercado, a esquerda "má", chavista ou boliviariana, representaria aquilo que ele também chama de esquerda borbônica (que não esquece nem aprende). No Brasil, ao contrário do que ocorre em países como Cuba ou Venezuela, os carnívoros não estariam no poder, mas incrustrados nos sindicatos de funcionários públicos, especialmente nas instituições de ensino superior, onde impera há décadas um marxismo de galinheiro, tal como demonstrado pela atual greve nas universidades federais.

Sempre achei uma balela a noção de que existiriam duas esquerdas, e a lengalenga dos esquerdóides de botequim, leitores de Slavoj Zizek e Gilles Delleuze - acredite: há quem os leve a sério... -, apenas me dá mais motivos para pensar assim. Basta ver a comédia-pastelão que foi a indicação manu militari do boneco de ventríloco Fernando Haddad para prefeito de São Paulo e o barraco do PT em Recife, com a imposição da candidatura Humberto Costa pelo coronelismo lulista, para constatar que, de "moderno" ou "vegetariano", o lulopetismo não tem nada (aliás, Lula seria um representante legítimo da esquerda "vegetariana" ou "herbívora", segundo Petkoff, que parece desconhecer totalmente a figura do Apedeuta).

Acho uma bobagem a idéia das "duas esquerdas" pois, como já disse e repito, há muito mais a unir as várias correntes esquerdistas do que a separá-las. Basta ver, para não ir muito longe, que os que hoje reclamam da política financeira ou educacional de Dilma Rousseff são os mesmos que duvidam da existência do mensalão e endossam a tese ridícula e ofensiva à inteligência da "conspiração das elites e da mídia". É isso mesmo: não se incomodam com o Lula mensaleiro e chefe de quadrilha, com o Lula inimigo da imprensa livre e achacador de juízes do STF, mas sim com o Lula que cumpriu os contratos e que não mexeu - felizmente - nos fundamentos da política econômica deixados por FHC. Sabe como é, cada um com suas prioridades...

Já escrevi profusamente sobre esse estranho fenômeno, particularmente sobre um dos mantras mais repetidos pelos devotos da seita esquerdista - "Lula não é de esquerda". Deixei claro que isso não passa de uma forma de auto-engano, uma lorota inventada para salvar a cara da esquerda ("ele é corrupto; logo, não pode ser de esquerda" etc.). Como se corrupção e safadeza fossem práticas de direita e ser de esquerda correspondesse ao que de melhor existe na humanidade! Contra mais essa enganação, afirmo e reafirmo que não só Lula é de esquerda como a disputa político-ideológica no Brasil de hoje se resume a uma disputa entre duas vertentes esquerdistas: a esquerda da esquerda e a direita da esquerda (no caso, o centro da esquerda, pois a direita da esquerda é o PSDB). Além do "pragmatismo" dos petralhas e do delírio coletivista de seus críticos esquerdopatas, o que mais há na política brasileira?

Coisa difícil de desaparecer, a mentalidade esquerdista. Muros caíram, estátuas foram derrubadas, e ela está sempre se renovando (pior: se perpetuando). Já em 2003, descontente com o que chamou de "rendição do PT às teses neoliberais", uma parte da intelectualidade que sempre bateu palmas para o lulopetismo resolveu afastar-se do governo do Guia Genial. Principalmente após a bomba do mensalão em 2005, o mito da infalibilidade moral do PT veio por água abaixo, mas apenas para dar lugar a fantasias saudosistas como o PSOL, hoje o partido da esquerda festiva de miolo-mole de Ipanema e do Leblon, que apóia a candidatura de Marcelo Freixo para o governo do Rio. Um dos que pegaram o bonde do PSOL no Rio é Frei Betto, o amigo de tiranos e ex-assessor especial de Lula. A esquerdopatia, como certas doenças, não tem cura: vive de recaídas.

O PT, "neoliberal"? Só podem estar de brincadeira. Só se por "neoliberal" se deve entender um governo que se baseia na aliança espúria dos fundos de pensão estatais com o capitalismo financiado pelo BNDES dos Eikes Batistas. Sem falar no ataque demagógico de Dilma aos bancos no Primeiro de Maio. Neoliberal, um governo que incha a máquina do Estado com 25 mil apaniguados? E que transforma a administração pública num trem da alegria feito de Deltas e Cachoeiras? Sem falar na política externa pró-ditaduras, segundo a pauta do Foro de São Paulo. O que têm a dizer sobre isso os blogueiros progressistas e esquerdinhas pós-modernos?

O curioso é que tanto esquerdistas empedernidos quanto muitos liberais vêem no governo dos petralhas a mesma e única coisa, apenas com visões distintas. Aquilo que os impenitentes da foice e do martelo enxergam como defeito os liberais vêem como virtude, e vice-versa. Fico pasmo ao ver tantos autoproclamados seguidores de Adam Smith derreter-se em elogios à "responsabilidade" e "lucidez" da política econômica lulodilmista, do mesmo modo que babam de gozo com o crescimento da China, ignorando tudo o mais. Que essa suposta conversão dos petralhas ao livre mercado não tenha sido acompanhada dos indispensáveis confissão e arrependimento, é algo que não os incomoda absolutamente. Tampouco o fato de que o governo dos petralhas seja uma quadrilha de mafiosos e a China, uma tirania totalitária. Cegos pela tese pragmatista de que não importa a cor do rato desde que ele pegue o gato, nada disso os preocupa. Nem mesmo o fato de que eles mesmos podem ser vítimas da cobiça do rato.

É uma pena que os petistas não tenham aderido ao neoliberalismo, como dizem seus desafetos da esquerda lamurienta. Mais lamentável ainda é que não tenham abandonado a obsessão pelo poder totalitário, típico dessa corrente ideológica. Obsessão que se traduz em tentativas de controle estatal e em desprezo pela democracia. Algo comum a petistas e a seus críticos da extrema-esquerda, é bom que se diga. Como disse certa vez o Reinaldo Azevedo, pior do que um esquerdista sem princípios é um esquerdista com princípios - ou que finge que os tem.

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