terça-feira, dezembro 07, 2010

A Redenção do Nobel


Já escrevi aqui e reafirmo: nunca dei muita bola para prêmios. Acho premiações, medalhas, condecorações, homenagens e coisas do tipo uma besteira sem tamanho. Podem ficar com tudo isso: é algo que não me interessa.

Não se trata de esnobismo de minha parte. Nem, como na fábula da raposa e das uvas, de despeito por não alcançar o que se almeja - ou seja: ser reconhecido (para mim, a qualidade de uma obra, assim como de um governo, não tem nada a ver com reconhecimento ou popularidade). Trata-se da simples constatação de um fato: esses prêmios, se conferem fama e dinheiro a quem os recebe, dificilmente, ou quase nunca, são pautados pelo mérito. Predominam, em vez disso, outros critérios, que variam do amiguismo puro e simples ao mercadológico e ao ideológico. Nada que tenha a ver, por mais mínimo que seja, com o reconhecimento dos “melhores”. Lima Barreto e Graciliano Ramos, por exemplo, jamais botaram os pés na Academia Brasileira de Letras, ao contrário dos “imortais” Ivo Pitanguy e Paulo Coelho... Digam-me que valor literário têm os livros de Chico Buarque de Holanda, ganhador de sei-lá-quantos prêmios literários, o último dos quais virou até motivo de piada, tamanha a avidez de alguns editores em prestigiar o compositor de A Banda e de livros soníferos como Leite Derramado. Além do mais, esse pendor para o elogio e a reverência, essa tendência a bancar o Rolando Lero, é uma das coisas mais chatas e ridículas que existem, o exato oposto do que se espera de um intelectual.

Prêmios, principalmente os literários, são uma panelinha, uma farsa. E o Nobel não é exceção. No ano passado, o ganhador do Nobel da Paz foi um tal de Barack Obama, escolhido 12 – doze – dias depois de ser eleito (!). Deve ter sido a primeira vez que tal prêmio foi dado a alguém não pelo que fez, mas pelo que se acreditava então que poderia um dia vir a fazer, em favor da paz mundial... Em 2007, quem levou o Prêmio foi outro marqueteiro de marca maior, o ex-vice de Bill Clinton, Al Gore, por causa, entre outras coisas, de uma peça de propaganda mentirosa, no estilo dos “documentários” de Michael Moore, sobre uma lenda urbana chamada “aquecimento global” (que agora começa a ser desmascarada). Os vencedores na categoria Literatura também são geralmente escolhidos segundo o mesmo padrão, que pouco ou nada tem a ver com Literatura. Basta ver os nomes de alguns ganhadores nos últimos anos: Doris Lessing, Harold Pinter, José Saramago... (Por sua vez, o maior escritor latino-americano do século XX, o argentino Jorge Luís Borges, jamais foi contemplado com o Nobel - algo devido, sem dúvida, a suas posições políticas fortemente anticomunistas.)

Mesmo assim, e mantendo meu desprezo por esse tipo de bobagem, sou forçado a admitir: neste ano o Comitê responsável pela escolha dos agraciados com o Nobel resolveu se redimir. Pelo menos no que diz respeito aos dois prêmios de maior visibilidade – o da Paz e o de Literatura –, os bambambãs da Academia Sueca que concedem o galardão decidiram corrigir-se dos deslizes do passado. Renderam-se à Razão, não à Ideologia ou ao marketing.

Desta vez, o Nobel da Paz não foi para nenhum político ungido o novo Messias pela imprensa hipnotizada por vagas promessas de “mudança” que não querem dizer abolutamente nada, como Obama. Tampouco foi – para frustração da legião de devotos lulo-petistas –, para um certo demagogo pançudo latino-americano com mania de grandeza e nenhum senso de ridículo. Foi, pela primeira vez em anos, para alguém que realmente tem algo a dizer – e, principalmente, a mostrar – sobre o assunto: o dissidente chinês Liu Xiaobo, que não poderá receber o prêmio a que tem direito porque é prisioneiro da ditadura comunista da China. (Trata-se de uma dupla derrota para o Reformador do Mundo: não somente ele não foi o escolhido, como o prêmio foi dado a alguém que simboliza algo que ele despreza, como demonstra sua política externa pró-ditaduras: os direitos humanos.)

Do mesmo modo, o prêmio de Literatura de 2010 não foi entregue a nenhum militante de esquerda travestido de literato, como se tornou comum em anos recentes, mas a quem de fato tem uma obra literária sólida – além, claro, de uma trajetória política que destoa do bom-mocismo politicamente correto que caracteriza a intelligentsia de lá e de cá: o escritor peruano Mario Vargas Llosa.

Se tem alguém que merecia receber o Nobel, a meu ver há pelo menos uns vinte anos, é Vargas Llosa. Não somente por sua obra – livros como Conversa na Catedral ou A Guerra do Fim do Mundo têm um lugar especial em minha estante –, mas também, e sobretudo, por aquilo que a Academia privilegia, mais até do que o talento literário: suas idéias políticas. Vargas Llosa é a antítese de um Gabriel García Márquez, o colombiano vencedor do Nobel em 1982 que maculou sua biografia com o apoio incondicional e irrestrito à tirania dos irmãos Castro em Cuba. Antes amigos, Vargas Llosa e García Márquez não se falam desde os anos 70, quando o primeiro, ao contrário do segundo, fez a única coisa que uma pessoa decente pode fazer diante da castradura cubana: rompeu com ela, passando a denunciar, em seus escritos, a falta de liberdade na ilha-prisão do Caribe.

Desde então, Vargas Llosa, além do talento como escritor, tem-se destacado como um incansável defensor da democracia e das ideias liberais, um inimigo ferrenho do populismo, tendo inclusive disputado a Presidência do Peru em 1990 (para azar dos peruanos e para sorte da Literatura, ele foi derrotado pelo demagogo e corrupto Alberto Fujimori). Há alguns meses, quando fazia uma palestra na Venezuela, ele foi hostilizado e agredido pelos esbirros de Hugo Chávez, que o expulsou do país (para mim, somente esse fato já lhe valeria um prêmio). Enfim, um caso raro entre os ganhadores do Nobel: um autor de talento e, ao mesmo tempo, um defensor de causas justas.

Até que enfim, o Nobel resolveu premiar quem merece. Os perfeitos idiotas latino-americanos devem estar se contorcendo de raiva.

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