De todas as frases do farsante, racista, eurocêntrico, genocida em potencial e aproveitador de empregadas domésticas que foi Karl Marx ("leiam as cartas, as cartas", clamava em vão Nelson Rodrigues), há apenas uma com a qual concordo inteiramente, embora, claro, em um contexto completamente diferente daquele em que se movimentava o Papai Noel das esquerdas: "Ser radical é agarrar as coisas pela raiz; e a raiz do homem é o próprio homem".
Também já fui, em tempos idos, um radical. Mais precisamente, um radical de esquerda. Mais precisamente ainda, trotskista. Não me arrependo, nem me envergonho. Pelo contrário: considero a experiência válida, até mesmo - aliás, precisamente - didática. Hoje, quando alguém se surpreende com essa minha revelação sobre meu passado e, diante de minhas posições atuais abertamente antimarxistas e (já deixei de me importar com o rótulo) "de direita", indaga, com o olho arregalado, "Mas como é possível?", respondo com um sorriso: "Exatamente por isso". Vou me explicar melhor.
Da minha época de radicalismo trotskista guardo duas conclusões fundamentais, que a cada dia ficam mais fortes: 1) para se opor ao comunismo, ou simplesmente entendê-lo, é preciso, antes de tudo, ter sido comunista; e 2) não acredito em quem não é, ou nunca foi, radical.(Gosto de quente ou frio; morno, eu vomito.)
Ninguém pode entender o comunismo, e todas as suas variantes, sem ter estado um dia do lado de lá, ou seja, sem ter feito parte, ainda que como simpatizante, de algum partido ou grupo de ultra-esquerda. Os ingleses têm um ditado: "Only the wounded can be healed". Ou seja: Só os que foram feridos podem ser curados. Na mosca.
A participação em algum movimento radical de esquerda, seguida da muitas vezes dolorosa desilusão e da consequente queda na realidade, serve de vacina capaz de imunizar o cérebro contra as fantasias e imposturas esquerdistas. Somente quem já participou de alguma organização esquerdista - de preferência, de extrema-esquerda -, ou, então, estudou a fundo os escritos marxistas-leninistas e a história do comunismo (a ignorância do que realmente disseram e fizeram os comunas parece ser um pré-requisito obrigatório entre os militantes e simpatizantes desse credo genocida), somente esses, dizia eu, têm o discernimento e a capacidade cognitiva necessários para perceber o perigo que partidos como o PT e sua máquina pelega significam para a democracia. Somente assim para perceber que o lulo-petismo não é um fenômeno político qualquer. É, ao contrário, todo um sistema, feito de décadas de mistificação, herdeiro de todas as mentiras e falsificações engendradas pelos comunistas - e também de seus métodos.
Pelo menos nesse caso, não estou sozinho. A galeria de ex-marxistas e ex-esquerdistas que, uma vez desiludidos com a realidade comunista, tornaram-se ardentes anticomunistas e defensores da liberdade daria para lotar vários maracanãs: George Orwell, André Gide, Arthur Koestler, Viktor Kravchenko, Albert Camus, Mario Vargas Llosa, e, no Brasil, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Carlos Lacerda, Osvaldo Peralva, Hércules Corrêa, Paulo Francis, Ferreira Gullar, Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo... a lista é interminável. (Curiosamente, não conheço nenhum "ex-liberal" ou "ex-capitalista".) É curioso também que todos esses pertenceram, em algum momento de suas vidas, a alguma vertente radical ou extremista de esquerda. Os que, em vez de mergulharem fundo nos delírios revolucionários, optaram por uma posição mais light ou moderada, observando tudo a uma distância confortável, geralmente custam a se livrar de suas ilusões de juventude, ou se mantêm fiéis a elas (tornando-se, assim, figuras lamentáveis, como um Chico Buarque ou um Oscar Niemeyer). É que não se feriram o bastante, não se aproximaram o suficiente para perceberem a profundidade do abismo.
Eu dizia que deixei de ser trotskista, mas não de ser radical. Outro dia tive uma discussão com um intelectual esquerdista que insistia em que eu deveria enxergar Marx e o marxismo com menos paixão, e que afirmava, como se me conhecesse melhor do que eu mesmo, que eu poderia até ter deixado Trotsky de lado, mas estava imbuído do mesmo "preconceito totalitário", pois continuava a enxergar o mundo "com o olhar da guerra fria" e não seria capaz de ver as coisas com mais frieza etc. A mesma pessoa, que exala moderação, deixou-se trair, ao condenar veementemente ditaduras como a de Pinochet no Chile mas ao se recusar a dizer uma palavra de reprovação ao regime dos irmãos Castro em Cuba... (A mesma pessoa também disse que meu discurso, por apontar essa contradição gritante, era "proto-fascista"...) Percebi que estava diante de alguém que, sob um manto de aparente ambiguidade, e por trás da afetação de superioridade intelectual e moral, escondia suas próprias preferências ideológicas. Alguém que, exatamente por se declarar um "moderado", era incapaz de, ou não queria, desvencilhar-se do ranço esquerdista.
No Brasil, não é de bom-tom dizer-se radical. (Aliás, minto: no Brasil, não é de bom-tom dizer-se radical de direita; radical de esquerda, pode.) Isso significa o seguinte: pega mal ser honesto, é feio chamar as coisas pelo nome. Por estas bandas, cultiva-se não a clareza e a sinceridade, mas o bom-mocismo, o discurso duas-caras, o jogar para a platéia. Certamente uma herança cultural dos nossos ancestrais portugueses, que viveram por setecentos anos sem saber a que mestre - cristãos ou muçulmanos - deveriam prestar vassalagem no dia seguinte. Confunde-se leniência com moderação, conivência com sabedoria. Daí a pessoa intelectualmente honesta - o radical antimarxista - ser visto sempre como um inconveniente, um chato, alguém a ser excluído como um pária, um leproso, um pestilento. Quer se dar bem na política e ter uma multidão de amigos? Então esconda o que pensa e diga somente o que as pessoas querem ouvir. Esta é a Regra de Ouro das relações interpessoais no Brasil.
Seria somente uma demonstração de hipocrisia, se não fosse também um pacto com o maligno. Não exagero. Digam-me: é possível ter uma atitude morna ante um flagrante atentado à liberdade? Os últimos oito anos tiveram de tudo: mensalão, sanguessugas, tentativas de censurar a imprensa, dossiês, intimidação de adversários, apoio a ditadores... Não se indignar, não se revoltar, não insultar com as palavras mais duras quem ouse fazer isso é, na melhor das hipóteses, mostrar-se pusilânime e, na pior delas, uma confissão de culpa, de cumplicidade com o crime. Fazê-lo, ao contrário, é um dever cívico e um imperativo moral. Pode-se pedir "moderaçâo" e "neutralidade" diante do estupro e do assassinato?
Quando estamos às vésperas de mais um espetáculo grotesco, que irá inaugurar mais um período de cinismo e de desprezo pela inteligência com a eleição de um poste de saias, escolhido a dedo para esquentar a cadeira presidencial até a volta do chefe, nunca a palavra "moderado" combinou tanto com pusilanimidade e capitulação. Jamais a falta de uma oposição de verdade se fez mais sentida. Nunca foi tão necessário, tão importante, tão urgente ser radical.
2 comentários:
Nobre Gustavo,
não o conheço pessoalmente (é óbvio)mas sou ávido por seus têxtos no blog.Faz o meu gênero,pois falas a verdade,não te deixaste abduzir e ainda vês além do umbigo,ao contrário dos baba-ovos petralhas que vicejam por este Brasil grande,quais capim na várzea.
Confesso.Sou um quase analfa,mas me esforço lendo livros e acessando o que realmente tem conteúdo.E o seu blog é um deles.
desejo a você e a todos os seus um FELÍZ NATAL COM MUITA PAZ E SUCESSO EM TUDO.
Abração.
Aqui eu preciso discordar. Não acredito em imperativos morais. Como eu vejo: o "excesso" é aquilo que extrapola os limites da Razão - salvo em circunstância de "excesso calculado", que fugiria ao caso -, cuja notória e profunda carência presente neste mundão o torna como é.
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