quarta-feira, setembro 01, 2010

DIÁLOGO SOBRE O ABSURDO


Um marciano desembarca no Planeta Terra e cai direto no Brasil. Por interesse antropológico, ele resolve se inteirar da vida política local. Ele descobre que existe uma coisa chamada eleições. Pergunta, então, a um gentil terráqueo sobre os candidatos. Segue o diálogo:

- Percebi que a candidatura governista bebe no sucesso econômico do atual governo. Nesse sentido, acusa o principal oponente de, se eleito, colocar em risco as conquistas dos últimos anos. Pelo visto a estabilidade da economia sempre foi defendida pelos que hoje estão no poder...

- Não é bem assim. A estabilidade econômica foi uma herança do governo anterior.

- Mas a candidata do governo diz que foi uma conquista do atual presidente, que é seu patrono político... Inclusive vi a campanha dela outro dia, dizia que antes o país vivia o caos, que estava à beira da falência, e que foram eles, que hoje estão no governo, que botaram ordem na casa, possibilitando a milhões de pessoas melhorarem de vida. Não foi assim?

- Não foi, não. Na verdade, o partido da candidata oficial foi contra as medidas de estabilização da economia. Diziam que era um "estelionato eleitoral"...

- Você está dizendo que o partido da candidata oficial foi contra as medidas que colocaram a economia em ordem quando foram implementadas, mas depois se apropriou delas e agora se diz seu maior defensor?

- Sim. Foi isso mesmo.

- Bem, parece um típico caso de conversão. Nesse caso, é claro que eles se desculparam pela oposição do passado, não?

- Não. Não se desculparam.

- Nem se arrependeram?

- Não. Também não se arrependeram.

- Então os que estão hoje no poder simplesmente se apropriaram do que antes condenavam, sem confissão nem arrependimento, e agora se apresentam como os garantidores da estabilidade econômica?

- Isso mesmo. Você definiu perfeitamente.

- Que estranho... Isso é, no mínimo, falta de honestidade. Isso sim, é o que se pode chamar de estelionato. Mas entendo, porque o candidato adversário deve ser mesmo um perigo para as conquistas econômicas, que o governo herdou do antecessor...

- Nada disso. O candidato adversário é do partido do presidente que antecedeu o atual, o mesmo que implementou as reformas. Inclusive, ele fez parte daquele governo, foi ministro...

- Espere aí. Você está me dizendo que a candidata do governo atual está acusando seu principal adversário de ser uma ameaça à continuidade da política econômica, quando ele fez parte do governo que implementou essas conquistas, enquanto o partido dela foi contra? É isso mesmo?

- Exatamente.

- Nesse caso, a população deve ter percebido que está sendo vítima de uma farsa grotesca, uma verdadeira empulhação, e deve estar muito zangado com ela...

- Pelo contrário! Ela está em primeiro lugar nas pesquisas, pode vencer até no primeiro turno.

- Mas ela não é a candidata do governo? E o presidente atual não é aquele que sequestrou as conquistas do seu antecessor, apenas colhendo os frutos do que outros fizeram? Imagino que ele deva ser muito impopular...

- Aí é que você se engana. Ele tem quase 90% de popularidade, segundo os institutos de pesquisa.

- Mas estive em outros países, aqueles que vocês chamam de desenvolvidos, e lá quem fizesse isso seria execrado como um farsante, e não louvado!

- Sim, mas aqui é o Brasil...

- Mas vocês não são todos uma mesma espécie?

- Sim, somos, mas...

- A lógica não é a mesma para todos os seres humanos?

- É, mas...

- Das duas uma: ou vocês, brasileiros, são muito estúpidos ou pertencem a uma outra espécie, diferente dos demais terráqueos. Pelo que você me disse, a noção de honestidade que vocês têm não é a mesma da do restante da humanidade.
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Bom, mas pelo menos o líder de vocês, pelo que diz a propaganda oficial, é um estadista global, comprometido com as melhores causas da humanidade, a política externa é um sucesso, o País é finalmente respeitado no exterior...

- (interrompendo) Er... Na verdade, também não é bem assim...

O marciano já se preparava para fazer outra pergunta, mas desistiu. Sem resposta, o gentil cidadão que se prontificou a explicar o Brasil ao visitante alienígena se calou, coberto de vergonha. Enquanto isso, o marciano coçava as antenas, intrigado diante do que julgou ser um mistério sem solução. Em todas as galáxias que visitara, jamais presenciou uma situação tão insólita. Voltando à sua nave, simplesmente desistiu de tentar compreender, cheio de piedade por uma espécie tão primitiva.

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