terça-feira, maio 19, 2009

WILSON SIMONAL, UM CASO EXEMPLAR DE PERSEGUIÇÃO IDEOLÓGICA NO "SHOW BUSINESS" BRASILEIRO


Está em cartaz um documentário que vale a pena assistir. É Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei, assinado, entre outros, pelo humorista Claudio Manoel, do Casseta & Planeta. Ainda não vi, mas o tema em si justifica a ida ao cinema. Trata-se de algo, até onde eu sei, inédito na cinematografia brasileira. O que o torna um filme que, a meu ver, deveria ser exibido em todas as escolas e universidades do País.

O documentário narra a trajetória de um dos cantores de maior sucesso no Brasil no final dos anos 60 - época de ouro da Tropicália e dos festivais da Canção -: Wilson Simonal. Mais especificamente, documenta a escalada para o sucesso e a rápida e dolorosa decadência, acompanhada de anos e anos de completo declínio e obscurantismo, de um ídolo da música brasileira do período. Decadência, declínio e obscurantismo que não foram provocados por nenhum demérito artístico ou musical do cantor, mas por fatores políticos, alheios à música.

Simonal é um caso exemplar de artista que, por causa de um erro, explorado até as últimas consequências pelas patrulhas ideológicas esquerdistas, viu sua carreira - e sua vida - transformada em poeira da noite para o dia. Sua débâcle é creditada a um fato ocorrido em 1971, no auge de sua carreira e da ditadura militar, quando Simonal, desconfiado que seu contador, Raphael Viviani, estava lhe roubando, pediu a "ajuda" de dois seguranças amigos seus "para resolver o problema". Ocorre que um dos seguranças a quem recorreu dava expediente no DOPS, a temida polícia política da ditadura militar. Viviani foi sequestrado e espancado. Sua mulher botou a boca no mundo. Para piorar, Simonal tentou se safar apelando para um expediente idiota: perante a imprensa, gabou-se de suas conexões "com os homens", os generais do regime...

Foi seu fim. Desde então, Simonal ficou marcado: era "dedo duro" e "agente da repressão". Nunca mais sua carreira foi a mesma. Os convites para shows escassearam, as gravadoras lhe fecharam as portas, as rádios e a TV o baniram de sua programação. Do dia para a noite, de ídolo das multidões, capaz de reger um coro de 30 mil vozes no Maracanãzinho cantando Meu limão, meu limoeiro, Wilson Simonal tornou-se um pária, um leproso, banido dos rádios e da TV e estigmatizado como vinculado aos órgãos de repressão político-militar do regime de 64. No final da vida, com a carreira já acabada e corroído pelo alcoolismo, Simonal fazia shows em cima de caminhões para dez ou quinze pessoas. Terminou topando fazer comerciais do Supermercado São Cristóvao em Natal (RN), uma sombra do que fora um dia.

Não gosto da música de Simonal e, mesmo se gostasse, não é da minha época. Inclusive, não simpatizo com a figura. Acredito mesmo que o rótulo que recebeu, de arrogante e deslumbrado com a fama, não seja totalmente falso. Se vivesse hoje e tivesse o mesmo sucesso que chegou a alcançar em seu período áureo, é provável que Simonal estivesse tocando em algum grupo de pagode, coberto de jóias, com os cabelos descoloridos e agarrado a alguma loura, siliconada e oxigenada. Também não tenho a pretensão de dizer aqui que ele foi uma espécie de anjo: o erro que cometeu, e que selaria seu destino, só pode ser visto, ainda hoje, como uma canalhice. Mas nada disso diminui o fato de que ele foi, sim, com todos os seus defeitos, vítima de uma das mais insidiosas, desproporcionais e, no fim, injustas campanhas de calúnia e difamação já montadas pela gigantesca máquina de propaganda esquerdista que se instalou no Brasil, sobretudo no terreno artítistico e cultural. Daí porque o filme, que o reabilita, vale a pena ser visto.

Em primeiro lugar, jamais foi provado que, tirando o episódio com o contador, Simonal tivesse qualquer envolvimento com qualquer órgão da repressão. Isso ficou comprovado ao final de sua vida, quando o governo federal reconheceu, oficialmente, que tal alegação era falsa. Mas, àquela altura, isso pouco ou de nada adiantou. O dano à reputação de Simonal já estava feito e era irreversível. Isso porque o pecado de Simonal foi muito além do episódio com o contador. Seu pecado, na verdade, foi não ter rezado pela cartilha da esquerda.

Simonal era um artista que não se incomodava em cantar, cheio de ginga e "pilantragem", País Tropical, de Jorge Benjor (então apenas Jorge Ben), em plena época do ufanismo da ditadura militar. Cantava as glórias das belezas naturais do País e da seleção canarinho na Copa de 70 - com a qual viajou para o México, ao lado de Pelé -, sem dar a menor bola para a pecha, então em voga, de "alienado". Fazia música para divertir, no que era bastante competente, não para "conscientizar" ou "de protesto". Isso, por si só, o colocou na lista negra dos artistas "malditos" pela esquerda, que, com Chico Buarque à frente, passou a monopolizar a cultura "pensante" no Brasil. Era alguém feito sob medida para ser enterrado em vida caso fizesse uma besteira. Quando a fez, a esquerda se banqueteou.

Além do mais, no linchamento a que foi submetido coube também um forte elemento de preconceito racial. Simonal era negro (ou afro-brasileiro, como queiram). Mais que isso, viera da pobreza (era filho de empregada doméstica). Isso o levava a destoar ainda mais do estereótipo cultuado pelas esquerdas. Era negro e nascera pobre, mas não fazia o gênero coitadinho, vítima de preconceito, tão ao gosto do "movimento". Também não erguia nenhuma bandeira de luta, do tipo black power ou a favor de cotas raciais, por exemplo. Pelo contrário: com o dinheiro que conseguiu, fazia questão de ostentar sua riqueza. Roberto Carlos tinha um carrão? Pois Simonal tinha três Mercedes na garagem. E fazia questão que todos soubessem. Como também adorava se exibir com suas namoradas (quase todas, brancas). Às críticas, Simonal respondia, sorrindo: "ninguém sabe o duro que dei" (daí o título do documentário). Um negro que canta músicas alienadas e que gosta de exibir luxo e riqueza? E que ainda por cima transa com brancas? Aí é demais, pensaram os bem-pensantes de nossa esquerda festiva, em geral brancos e bem-nascidos.

O estereótipo do "negro arrogante", deslumbrado com a fama e com tudo que esta e o dinheiro podem trazer - carrões, ostentação, mulheres - caiu em Simonal como uma luva, servindo à perfeição para a máquina de demolir reputações da esquerda. O Pasquim, em particular, com Ziraldo e Jaguar à frente, não lhe deu trégua. Outros nomes da cultura nacional, como Nelson Rodrigues, Gilberto Freyre e José Guilherme Merquior, foram alvos da artilharia esquerdista, mas Simonal foi simplesmente destruído (também, pudera: era um alvo muito mais fácil). A polícia do pensamento esquerdista, que hoje está nos gabinetes oficiais, não se contentou em difamá-lo - ainda há quem pense que ele pessoalmente torturou prisioneiros... -; era preciso mais: era preciso calá-lo para sempre. Era preciso sepultá-lo vivo.

A morte em vida de Wilson Simonal é mais um exemplo didático de como a esquerda brasileira, que na mesma época era censurada pelo regime militar, não hesita em utilizar métodos ditatoriais e stalinistas para se livrar de figuras incômodas. Ao mesmo tempo em que a "direita" - representada pelos militares - punha-os na cadeia, os esquerdistas tupiniquins trataram de impor, praticamente sem serem incomodados, sua ditadura ideológica no terreno da cultura, desde as universidades até o show business. Assim, a música de massas, malgrado seu óbvio apelo comercial, tornou-se, ela também, uma trincheira da "luta contra a ditadura". Criou-se mesmo uma sigla - MPB - para designar esse "movimento" representado pelos Chicos Buarques e Geraldos Vandrés, que, apesar do "popular" no rótulo, era consumida principalmente pelas elites instruídas e pela classe média dourada de Ipanema e de Copacabana. Música, para esse pessoal, só se fosse cabeça, "de protesto", cheia de metáforas e com manual de interpretação. Simonal estava em outra.

Enquanto Simonal era silenciado pela patrulha ideológica esquerdista, o povão não estava nem aí para esses marxistas de galinheiro e revolucionários de opereta. O povão gostava mesmo é de Wilson Simonal, de Waldick Soriano, enfim, de cantores "bregas" e "alienados". Por não ser da turma, Simonal pagou um alto preço. A esquerda, que monopoliza a cultura dita "alta" no Brasil, jamais o perdoou. Não por ter feito uma besteira. Mas por não ser um deles. Nâo podendo cooptá-lo, destruíram-no.

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