Não gosto da música de Simonal e, mesmo se gostasse, não é da minha época. Inclusive, não simpatizo com a figura. Acredito mesmo que o rótulo que recebeu, de arrogante e deslumbrado com a fama, não seja totalmente falso. Se vivesse hoje e tivesse o mesmo sucesso que chegou a alcançar em seu período áureo, é provável que Simonal estivesse tocando em algum grupo de pagode, coberto de jóias, com os cabelos descoloridos e agarrado a alguma loura, siliconada e oxigenada. Também não tenho a pretensão de dizer aqui que ele foi uma espécie de anjo: o erro que cometeu, e que selaria seu destino, só pode ser visto, ainda hoje, como uma canalhice. Mas nada disso diminui o fato de que ele foi, sim, com todos os seus defeitos, vítima de uma das mais insidiosas, desproporcionais e, no fim, injustas campanhas de calúnia e difamação já montadas pela gigantesca máquina de propaganda esquerdista que se instalou no Brasil, sobretudo no terreno artítistico e cultural. Daí porque o filme, que o reabilita, vale a pena ser visto.
Simonal era um artista que não se incomodava em cantar, cheio de ginga e "pilantragem", País Tropical, de Jorge Benjor (então apenas Jorge Ben), em plena época do ufanismo da ditadura militar. Cantava as glórias das belezas naturais do País e da seleção canarinho na Copa de 70 - com a qual viajou para o México, ao lado de Pelé -, sem dar a menor bola para a pecha, então em voga, de "alienado". Fazia música para divertir, no que era bastante competente, não para "conscientizar" ou "de protesto". Isso, por si só, o colocou na lista negra dos artistas "malditos" pela esquerda, que, com Chico Buarque à frente, passou a monopolizar a cultura "pensante" no Brasil. Era alguém feito sob medida para ser enterrado em vida caso fizesse uma besteira. Quando a fez, a esquerda se banqueteou.
Além do mais, no linchamento a que foi submetido coube também um forte elemento de preconceito racial. Simonal era negro (ou afro-brasileiro, como queiram). Mais que isso, viera da pobreza (era filho de empregada doméstica). Isso o levava a destoar ainda mais do estereótipo cultuado pelas esquerdas. Era negro e nascera pobre, mas não fazia o gênero coitadinho, vítima de preconceito, tão ao gosto do "movimento". Também não erguia nenhuma bandeira de luta, do tipo black power ou a favor de cotas raciais, por exemplo. Pelo contrário: com o dinheiro que conseguiu, fazia questão de ostentar sua riqueza. Roberto Carlos tinha um carrão? Pois Simonal tinha três Mercedes na garagem. E fazia questão que todos soubessem. Como também adorava se exibir com suas namoradas (quase todas, brancas). Às críticas, Simonal respondia, sorrindo: "ninguém sabe o duro que dei" (daí o título do documentário). Um negro que canta músicas alienadas e que gosta de exibir luxo e riqueza? E que ainda por cima transa com brancas? Aí é demais, pensaram os bem-pensantes de nossa esquerda festiva, em geral brancos e bem-nascidos.
O estereótipo do "negro arrogante", deslumbrado com a fama e com tudo que esta e o dinheiro podem trazer - carrões, ostentação, mulheres - caiu em Simonal como uma luva, servindo à perfeição para a máquina de demolir reputações da esquerda. O Pasquim, em particular, com Ziraldo e Jaguar à frente, não lhe deu trégua. Outros nomes da cultura nacional, como Nelson Rodrigues, Gilberto Freyre e José Guilherme Merquior, foram alvos da artilharia esquerdista, mas Simonal foi simplesmente destruído (também, pudera: era um alvo muito mais fácil). A polícia do pensamento esquerdista, que hoje está nos gabinetes oficiais, não se contentou em difamá-lo - ainda há quem pense que ele pessoalmente torturou prisioneiros... -; era preciso mais: era preciso calá-lo para sempre. Era preciso sepultá-lo vivo.
A morte em vida de Wilson Simonal é mais um exemplo didático de como a esquerda brasileira, que na mesma época era censurada pelo regime militar, não hesita em utilizar métodos ditatoriais e stalinistas para se livrar de figuras incômodas. Ao mesmo tempo em que a "direita" - representada pelos militares - punha-os na cadeia, os esquerdistas tupiniquins trataram de impor, praticamente sem serem incomodados, sua ditadura ideológica no terreno da cultura, desde as universidades até o show business. Assim, a música de massas, malgrado seu óbvio apelo comercial, tornou-se, ela também, uma trincheira da "luta contra a ditadura". Criou-se mesmo uma sigla - MPB - para designar esse "movimento" representado pelos Chicos Buarques e Geraldos Vandrés, que, apesar do "popular" no rótulo, era consumida principalmente pelas elites instruídas e pela classe média dourada de Ipanema e de Copacabana. Música, para esse pessoal, só se fosse cabeça, "de protesto", cheia de metáforas e com manual de interpretação. Simonal estava em outra.
Enquanto Simonal era silenciado pela patrulha ideológica esquerdista, o povão não estava nem aí para esses marxistas de galinheiro e revolucionários de opereta. O povão gostava mesmo é de Wilson Simonal, de Waldick Soriano, enfim, de cantores "bregas" e "alienados". Por não ser da turma, Simonal pagou um alto preço. A esquerda, que monopoliza a cultura dita "alta" no Brasil, jamais o perdoou. Não por ter feito uma besteira. Mas por não ser um deles. Nâo podendo cooptá-lo, destruíram-no.
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