O que vem a seguir é a tradução, feita por mim, de um texto publicado no Le Monde de 21/05, assinado por três importantes intelectuais (um dos quais, Prêmio Nobel da Paz). Deveria ser lido e relido por todos os diplomatas brasileiros, ou pelo menos por qualquer pessoa que ainda leve a sério coisas como tolerância e liberdade de pensamento. Isso não inclui, obviamente, quem está à frente da diplomacia brasileira hoje. .
Para ver no original: http://www.lemonde.fr/opinions/article/2009/05/21/unesco-la-honte-d-un-naufrage-annonce_1196325_3232.html
---
---
UNESCO: A VERGONHA DE UM NAUFRÁGIO ANUNCIADO
Quem declarou, em abril de 2001: “Israel jamais contribuiu para a civilização em qualquer época que seja, pois jamais fez mais do que se apropriar do bem dos outros” – e reiterou dois meses depois: “A cultura israelense é uma cultura inumana; é uma cultura agressiva, racista, pretensiosa, que se baseia em um princípio muito simples: roubar o que não lhe pertence”?
Quem explicou em 1997, e o repetiu depois em todos os tons, que era “o inimigo ferrenho” de toda tentativa de normalização de relações de seu país com Israel? Ou ainda, em 2008, quem respondeu a um deputado do Parlamento egípcio que se alarmava que livros israelenses pudessem ser introduzidos na biblioteca de Alexandria: “Queimemos esses livros; se eu os encontrar, eu mesmo os queimarei na sua frente”?
Quem, em 2001, no jornal Ruz Al-Yusuf, disse que Israel era “ajudado”, nas sombras, pela “infiltração de judeus na mídia internacional” e por sua habilidade diabólica de “espalhar mentiras”? A quem devemos essas declarações insensatas, esse florilégio do ódio, da burrice e do conspiracionismo mais descarado?
INCENDIÁRIO DE CORAÇÕES
A Farouk Hosni, ministro da Cultura egípcio há mais de quinze anos e, sem dúvida, o próximo diretor-geral da UNESCO se nada for feito antes de 30 de maio, data de encerramento das candidaturas, para deter sua marcha irresistível rumo a um dos postos de responsabilidade cultural mais importantes do planeta.
Pior: as frases que acabamos de citar são só algumas – e não as mais nauseabundas – das inumeráveis declarações de mesmo teor que marcam a carreira de Farouk Hosni há uma quinzena de anos, e que, por conseguinte, o precedem quando ele postula um papel cultural federativo na escala do mundo contemporâneo.
A evidência é assim clara: Farouk Hosni não é digno desse papel; Farouk Hosni é o contrário de um homem de paz, de diálogo e de cultura; Farouk Hosni é um homem perigoso, um incendiário de corações e de espíritos; resta muito pouco tempo para evitar que se cometa o erro maior que seria a elevação de Farouk Hosni a esse posto eminente entre todos.
Apelamos assim à comunidade internacional a se poupar da vergonha que seria a designação, já dada por quase certa pelo próprio interessado, de Farouk Hosni ao posto de diretor-geral da UNESCO. Convidamos todos os países amantes da liberdade e da cultura a tomar as iniciativas que se impõem a fim de conjurar essa ameaça e de evitar à UNESCO o naufrágio que constituiria essa nomeação.
Convidamos o próprio presidente egípcio, em lembrança de seu compatriota Naguib Mahfouz, Prêmio Nobel de Literatura, que deve, a essa hora, se revirar em sua tumba, nós o convidamos, pela honra de seu país e da alta civilização da qual ele é herdeiro, a tomar consciência da situação, a desabilitar urgentemente seu ministro e a retirar, em todo caso, sua candidatura. A UNESCO cometeu, certamente, outros erros no passado – mas essa impostura seria tão enorme, tão odiosa, tão incompreensível, seria uma provocação tão manifesta e tão manifestamente contrária aos ideais proclamados da Organização que ela não se ergueria mais. Não há um minuto a perder para impedir que seja cometido o irreparável.
É preciso, sem demora, apelar à consciência de cada um para evitar que a UNESCO caia nas mãos de um homem que, quando ouve a palavra cultura, responde com um auto-de-fé.
Bernard-Henri Lévy, filósofo ;
Claude Lanzmann, cineasta e diretor da revista Les Temps modernes ;
Elie Wiesel, escritor e Prêmio Nobel da Paz em 1986.
Quem declarou, em abril de 2001: “Israel jamais contribuiu para a civilização em qualquer época que seja, pois jamais fez mais do que se apropriar do bem dos outros” – e reiterou dois meses depois: “A cultura israelense é uma cultura inumana; é uma cultura agressiva, racista, pretensiosa, que se baseia em um princípio muito simples: roubar o que não lhe pertence”?
Quem explicou em 1997, e o repetiu depois em todos os tons, que era “o inimigo ferrenho” de toda tentativa de normalização de relações de seu país com Israel? Ou ainda, em 2008, quem respondeu a um deputado do Parlamento egípcio que se alarmava que livros israelenses pudessem ser introduzidos na biblioteca de Alexandria: “Queimemos esses livros; se eu os encontrar, eu mesmo os queimarei na sua frente”?
Quem, em 2001, no jornal Ruz Al-Yusuf, disse que Israel era “ajudado”, nas sombras, pela “infiltração de judeus na mídia internacional” e por sua habilidade diabólica de “espalhar mentiras”? A quem devemos essas declarações insensatas, esse florilégio do ódio, da burrice e do conspiracionismo mais descarado?
INCENDIÁRIO DE CORAÇÕES
A Farouk Hosni, ministro da Cultura egípcio há mais de quinze anos e, sem dúvida, o próximo diretor-geral da UNESCO se nada for feito antes de 30 de maio, data de encerramento das candidaturas, para deter sua marcha irresistível rumo a um dos postos de responsabilidade cultural mais importantes do planeta.
Pior: as frases que acabamos de citar são só algumas – e não as mais nauseabundas – das inumeráveis declarações de mesmo teor que marcam a carreira de Farouk Hosni há uma quinzena de anos, e que, por conseguinte, o precedem quando ele postula um papel cultural federativo na escala do mundo contemporâneo.
A evidência é assim clara: Farouk Hosni não é digno desse papel; Farouk Hosni é o contrário de um homem de paz, de diálogo e de cultura; Farouk Hosni é um homem perigoso, um incendiário de corações e de espíritos; resta muito pouco tempo para evitar que se cometa o erro maior que seria a elevação de Farouk Hosni a esse posto eminente entre todos.
Apelamos assim à comunidade internacional a se poupar da vergonha que seria a designação, já dada por quase certa pelo próprio interessado, de Farouk Hosni ao posto de diretor-geral da UNESCO. Convidamos todos os países amantes da liberdade e da cultura a tomar as iniciativas que se impõem a fim de conjurar essa ameaça e de evitar à UNESCO o naufrágio que constituiria essa nomeação.
Convidamos o próprio presidente egípcio, em lembrança de seu compatriota Naguib Mahfouz, Prêmio Nobel de Literatura, que deve, a essa hora, se revirar em sua tumba, nós o convidamos, pela honra de seu país e da alta civilização da qual ele é herdeiro, a tomar consciência da situação, a desabilitar urgentemente seu ministro e a retirar, em todo caso, sua candidatura. A UNESCO cometeu, certamente, outros erros no passado – mas essa impostura seria tão enorme, tão odiosa, tão incompreensível, seria uma provocação tão manifesta e tão manifestamente contrária aos ideais proclamados da Organização que ela não se ergueria mais. Não há um minuto a perder para impedir que seja cometido o irreparável.
É preciso, sem demora, apelar à consciência de cada um para evitar que a UNESCO caia nas mãos de um homem que, quando ouve a palavra cultura, responde com um auto-de-fé.
Bernard-Henri Lévy, filósofo ;
Claude Lanzmann, cineasta e diretor da revista Les Temps modernes ;
Elie Wiesel, escritor e Prêmio Nobel da Paz em 1986.
Nenhum comentário:
Postar um comentário