João Pereira Coutinho, colunista da Folha de S. Paulo, escreveu uma resposta primorosa a um militante esquerdista que se faz passar por "professor" sobre um tema a respeito do qual muitos opinam e que poucos conhecem: o conflito israelo-palestino. Uma verdadeira aula de História, com aquilo que os ativistas anti-Israel e pró-Hamas costumam ignorar solenemente, em sua fantasia maniqueísta dos "pobres palestinos lutando contra os cruéis opressores sionistas" etc. Vale a pena ler, reler, repassar e discutir. Nem parece que Coutinho escreve para a Folha.
Ah, e antes que me esqueça: é claro que o texto de Coutinho ficará sem resposta. É assim que os militontos esquerdopatas agem diante de fatos.
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RESPOSTA A VLADIMIR SAFATLE
João Pereira Coutinho
Folha de S. Paulo
Nada tenho contra a ignorância. Na melhor tradição socrática, sei que a ignorância é a base de qualquer conhecimento válido.
Coisa diferente é a ignorância atrevida; ou a má-fé intelectual de quem falsifica os factos para construir uma narrativa "apropriada".
Vladimir Safatle é um caso: dias atrás, escrevi nesta Folha que o seu texto sobre o conflito israelense-palestino revelava desconhecimento sobre aspectos básicos do problema, que qualquer um dos meus alunos aprende no 1º ano de faculdade.
Lendo a resposta de Safatle à minha resposta, vejo que me enganei --e devo um pedido de desculpa aos leitores.
Safatle não revela apenas desconhecimento; revela desconhecimento, desonestidade e um desagradável traço de grosseria.
Sobre a grosseria, digo apenas isto: no meu texto, em nenhum momento teço considerações pessoais sobre Safatle. Não há uma linha sobre a sua ascendência cultural; e nunca me passaria pela cabeça atribuir-lhe qualquer maleita psiquiátrica.
Que Safatle tenha evocado a minha condição de português para, alegadamente, eu não entender certas palavras (no fundo, um velho clichê racista) e levantado suspeitas sobre as minhas "alucinações negativas", eis uma postura que define a criatura.
Em condições normais, não haveria resposta ao texto de Safatle. Mas, por respeito aos leitores da Folha, gostaria de esclarecer alguns pontos sobre a "polêmica".
Em primeiro lugar, Safatle afirma que um "muro" é um muro e que eu, de forma demente, teria transformado o Muro (com maiúscula) em "barreira de segurança". Para que não restem dúvidas, mantenho o que disse: a parte em cimento da "barreira de segurança" da Cisjordânia constitui apenas 5% da totalidade dessa barreira (que, na verdade, é mais uma cerca que outra coisa).
Isto não é um pormenor; é uma forma de tratar as palavras (e a realidade) com um mínimo de decência. Bem sei que é mais dramático afirmar que Israel construiu um Muro ("o Muro da vergonha", "um novo Muro de Berlim" etc. etc.) para separar os israelenses dos palestinos. Lamento: Israel apenas construiu esse Muro quilométrico na retórica de Vladimir Safatle.
Uma vez estabelecidos os factos, convém lidar com as implicações: a "barreira de segurança" vai além das fronteiras pré-1967 e anexa território alocado aos palestinos? Verdade.Mas não é a "barreira de segurança" (ou os assentamentos na Cisjordânia, já agora) que impede uma solução para o conflito e a existência de um estado palestino que inclua a totalidade de Gaza e a (quase) totalidade da Cisjordânia (já lá iremos).
Israel retirou de Gaza em 2005 e, para o efeito, evacuou povoações inteiras (Netzarim, Morag, Dugit etc.). Aliás, a evacuação não se limitou a Gaza; incluiu também outras povoações na Cisjordânia, como Ganim ou Homesh.
Nenhuma novidade. O mesmo já sucedera depois dos acordos de Camp David (em 1979) quando a paz com o Egito levou Israel a desmantelar a totalidade dos assentamentos no Sinai.Dito de outra forma: nem os assentamentos, nem a "barreira de segurança", ambos removíveis por definição, são os verdadeiros obstáculos da paz.
E quando, mais acima, escrevi sobre a possibilidade de um estado palestino que inclua a totalidade de Gaza e a (quase) totalidade da Cisjordânia, nem esse "quase" é um obstáculo real: o Plano Clinton já previa que os 94%-96% da Cisjordânia palestina seriam completados por 6%-4% de território israelense anexado a Gaza. Mas nem isso levou Arafat a aceitar um acordo histórico para os palestinos.
E Arafat não aceitou o acordo porque exigiu o regresso dos 4 milhões de refugiados palestinos (tradução: o regresso dos filhos dos filhos dos filhos dos refugiados originais) a Israel, e não ao novo estado palestino, como seria lógico.
Com imensa bondade, Safatle concorda que esse regresso em massa seria um suicídio demográfico e cultural para Israel. Mas depois pergunta por que motivo não se tenta encontrar uma solução de compromisso que passe pela "absorção de uma parte e a compensação financeira dos demais".
Com imensa bondade, Safatle concorda que esse regresso em massa seria um suicídio demográfico e cultural para Israel. Mas depois pergunta por que motivo não se tenta encontrar uma solução de compromisso que passe pela "absorção de uma parte e a compensação financeira dos demais".
Se Safatle tivesse lido alguma coisa a respeito, ele saberia que "absorção de uma parte" e "compensação financeira dos demais" foi precisamente o que foi proposto por Ehud Barak em Camp David.
Para sermos precisos, Barak propôs absorver uma parte dos refugiados palestinos ao abrigo de um programa de reunificação familiar; e propôs também compensações no valor de 30 bilhões de dólares. Arafat recusou na mesma.
Por último, Safatle horroriza-se com a minha frase: "a existência de um Estado autônomo e respeitoso das fronteiras de 1967 tem sido sucessivamente proposto pelas lideranças israelenses desde 1967".
Não entendo o horror. Se esquecermos que, antes da Guerra dos Seis Dias, foram sempre os árabes a recusar a existência de um estado palestino junto a um estado israelense (1917, 1937, 1948), o que dizer depois da Guerra?
Depois da Guerra, ainda em 1967, quando Israel estava disposto a trocar a terra conquistada por paz, reconhecimento e negociação, a resposta árabe ficou célebre na Cúpula de Cartum, que a história registou para a posteridade como a "Cúpula dos Três Nãos": não à paz com Israel; não ao reconhecimento de Israel; e não à negociação com Israel.
Apesar de tudo, um estado palestino respeitoso das fronteiras de 1967 (embora, como referi, implicando "trocas de terra" em que Israel cederia parcelas do seu território para compensar perdas na Cisjordânia) voltou a ser oferecido em 2000, em Camp David; e retomado por Ehud Olmert, em 2008. A resposta árabe foi sempre a mesma: não, não e não.
É pena. Os palestinos, que Safatle me acusa de ignorar em tom melodramático, mereciam melhor destino.
Mereciam, por exemplo, que as lideranças palestinas não tivessem desperdiçado as várias oportunidades de alcançarem um estado palestino independente depois de 1967.
E mereciam que, antes de 1967, quando Gaza e a Cisjordânia estavam sob domínio egípcio e jordano, respectivamente, os "irmãos árabes" tivessem integrado os refugiados palestinos nas suas sociedades.
Exatamente como Israel integrou os milhares de refugiados judeus que, durante a Guerra da Independência de 1948, partiram ou foram expulsos dos países árabes da região.
Discutir o conflito israelense-palestino, ao contrário do que pensa Vladimir Safatle, é um pouco mais complexo do que soltar umas interjeições adolescentes ("um muro é um muro!", "há situações inaceitáveis sob quaisquer circunstâncias!" etc.) que talvez impressionem alguns alunos pós-púberes.
Infelizmente, senhor professor Safatle, não me impressionam a mim.
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