segunda-feira, agosto 17, 2009

O CRIME DE NÃO SER POLITICAMENTE CORRETO


Você fuma? Bebe? Gosta de churrasco? Aprecia contar piadas sobre gays ou alguma outra minoria racial, étnica ou sexual? É, enfim, uma pessoa espontânea e sem papas na língua, que tem seus hábitos para si e fala o que lhe dá na veneta, e não para agradar fulano ou sicrano? Se a resposta é sim, então, você é um criminoso.

Entrou em vigor há alguns dias uma lei estadual em São Paulo que proíbe o fumo em lugares públicos fechados, como bares e restaurantes. A justificativa é a de sempre: é preciso respeitar os pulmões dos não-fumantes. Mesmo se o estabelecimento dispor de uma área reservada aos apreciadores de um cigarro ou charuto, distante e separada dos demais, que ficariam assim livres das baforadas, como já ocorre em alguns lugares? Mesmo assim, diz a lei. A partir de agora, no estado de São Paulo, se você estiver num restaurante e quiser fumar um cigarrinho, terá que ser do lado de fora, na calçada, bem longe das pessoas com hábitos saudáveis.

Não tenho o hábito de fumar, e beber, só bebo socialmente, como se diz. Logo, tenho tudo para aplaudir essa lei do governador José Serra, como um passo importante para manter o ar limpo e diminuir a incidência de câncer do pulmão, entre outros benefícios. Tenho tudo para aplaudir a lei, mas não o faço. Pelo contrário: acho-a uma das leis mais estúpidas e idiotas dos últimos tempos, marcados por uma sucessão de leis estúpidas e idiotas. Digo por quê.

Sou contra a proibição do cigarro em bares e restaurantes, em primeiro lugar, porque se trata de mais uma lei ditada pelo politicamente correto que ameaça nos transformar a todos em ridículos repetidores de slogans e em autômatos desprovidos de opinião própria. Prova disso é o clima de polícia que se estabeleceu logo após a decretação da lei, com funcionários públicos indo de mesa em mesa, de bar em bar, em blitz para fiscalizar e multar quem estiver desrespeitando a proibição. Clima ainda mais funesto por se impor sob o pretexto de que fumar faz mal à saúde etc. etc. Sim, é claro que faz mal à saúde. Isso significa que se deve tratar os indivíduos, maiores de idade e pagadores de impostos, como crianças? O que vem a seguir: uma lei que obrigue todo mundo a comer brocólis e beterraba? Um decreto obrigando todos a escovar os dentes?

É inegável que não fumar é melhor do que fumar, assim como beber e dirigir não combinam, e não estou discutindo isso. Estou discutindo uma mentalidade claramente autoritária e paternalista que, com a desculpa de que as pessoas não têm responsabilidade sobre suas próprias vidas, está se impondo no Brasil, de forma acrítica e quase sem encontrar resistência. Cada vez mais, o cerco aos fumantes, ou aos apreciadores de bebidas alcoólicas, ou de carne, está se fechando, sem que praticamente ninguém perceba o perigo intrínseco nesse tipo de cruzada: a restrição da liberdade individual. Dentro em breve, não duvidem, só se poderá beber suco de laranja e comer comida diet em bares e restaurantes, e será ilegal fumar ou beber até mesmo em casa, na privacidade do lar. Aliás, já é assim em alguns países do Oriente Médio.

Irrita-me esse cerco polical do politicamente correto, copiado do que vigora nos EUA (os politicamente corretos tupiniquins não costumam ser muito nacionalistas nessas horas). Além de constituir uma restrição à liberdade individual ("liberdade de encher os pulmões de fumaça?", poder-se-ia perguntar; sim, exatamente - quem disse que a liberdade deve ser liberdade só para o que é saúdavel? Liberdade é também a liberdade de fazer ou dizer besteira), além de restringir a liberdade, dizia eu, medidas como essa são também uma forma de infantilização mental, um rebaixamento do indivíduo à condição de criança irresponsável, incapaz de tomar suas próprias decisões e dependente do Pai-Estado. Também é algo de que se deve desconfiar: ainda espero alguém me explicar, com argumentos racionais, por que, entre os que aplaudem tão entusiasticamente a lei paulista, que agora ameaça ser imitada em outros estados, encontram-se muitos que advogam a descriminalização da maconha e outras coisas mais pesadas. Será que estão mesmo interessados na saúde dos pulmões - ou dos neurônios -, ou é tudo mais uma patacoada de bichos-grilos disfarçada de campanha anti-fumo?

A impressão que me deixa uma lei desse tipo é que a turma do politicamente correto não vai sossegar até proibir qualquer manifestação de liberdade e de independência pessoal. Seja na forma da proibição de fumar, seja na "lei seca" que faz a alegria dos taxistas, o que se está difundindo não é a noção de civilidade e de responsabilidade, algo essencial para uma sociedade democrática, mas tão-somente uma mentalidade de dependência em relação ao Estado e que deixa cada vez menos espaço às escolhas individuais. É, enfim, a entronização do Estado como pai - literalmente - dos cidadãos, que devem ser protegidos deles mesmos por leis cada vez mais severas. Ou seja, uma forma de tornar a todos estadodependentes. No país do Bolsa Família, convenhamos, isso deveria causar alguma preocupação por parte das cabeças pensantes.
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Se o cerco atual fosse somente aos atos dos indivíduos, como fumar ou beber, já seria algo extremamente grave. Mas se trata de algo que se dirige, principalmente, a suas opiniões. O mesmo raciocínio antidemocrático que existe por trás da proibição ao cigarro está por trás de recentes medidas que, para não melindrar suscetibilidades politicamente corretas, visam a restringir a liberdade de expressão e de pensamento. Por pressão de ONGs e de movimentos políticos, chamar alguém de "negro" ou "crioulo" no Brasil, mesmo que seja um congolês ou o Pelé, é crime de racismo (o correto seria "afro-descendente"). O mesmo vale para quem tiver a audácia de questionar o sistema de cotas raciais nas universidades. Já existe um projeto de lei tramitando na Câmara que pune criminalmente quem cometer o terrível crime de citar a Bíblia (se for religioso) para expressar sua opinião sobre o homossexualismo ou de contar, na mesa de bar, uma piada sobre gays. O resultado disso, a longo prazo, será aquilo que George Orwell chamou de newspeak, a nova língua criada para tolher a espontaneidade e agrilhoar o pensamento, com o conseqüente doublethink - o "duplipensar", ou o hábito, corrente em sociedades totalitárias, de negar a realidade dos fatos em nome do que diz o Grande Irmão. Em geral, as ideologias totalitárias não se contentam em dizer às pessoas o que comer ou beber, ou como devem se vestir: impõem a todos, também, uma forma de pensar. No Brasil, essa mentalidade perpassa quase todos os partidos políticos, como se vê no caso da lei paulista.

Estou exagerando? Talvez. Aliás, espero que sim. Mas não dá para não ficar inquieto quando se vê que leis como a de proibição do fumo em bares e restaurantes seriam certamente do agrado de um certo político austríaco, uns setenta anos atrás. Político, aliás, que detestava cigarro, era abstêmio e vegetariano. E que, como os politicamente corretos de hoje, não suportava quem não o fosse.

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