segunda-feira, agosto 03, 2009

DE IGNORÂNCIAS E IMBECILIDADES - CARTA A SUA EXCELÊNCIA


Excelentíssimo Sr. Presidente da República,
Luiz Inácio Lula da Silva,

Escrevo sem a menor ilusão de que V. Excia. irá pôr os olhos nesta carta um dia, pois é fato sabido e notório que V. Excia. nunca leu nada em toda sua existência, fato, aliás, de que se orgulha muito e pelo qual é incensado. Mas faço-o assim mesmo, pois, como ficará claro pelo que vem a seguir, além de "ignorante" e "imbecil" - adjetivos com que V. Excia. brindou os que criticam seus planos sociais, em especial o Bolsa Família -, sou, também, um teimoso incorrigível. Além de alguém que não se ajusta muito bem a esses novos tempos, inaugurados com toda pompa e fanfarra desde que V. Excia. assumiu a presidência da República, em 2003, e nos quais coisas como lógica e coerência, para não falar da moral e da pura e simples vergonha na cara, são diariamente desmoralizadas por gente como V. Excia. e os que o cercam.

Como mencionei no início, V. Excia. chamou, em uma inauguração-comício em Belo Horizonte em 31 de julho, os críticos do Bolsa Família de "ignorantes" e "imbecis". Classificou com esses epítetos os que insistem em não enxergar os óbvios benefícios sociais de programas como esse. Negou, também, com a costumeira veemência, que se trata de um programa assistencialista. Como já escrevi aqui, diversas vezes, que o Bolsa Família não passa de um estelionato eleitoral, feito para angariar votos dos miseráveis enquanto os mantém atrelados à caridade estatal - algo, enfim, que está longe de ser algo novo na política brasileira -, não vejo problema algum em reconhecer que, quando V. Excia. se referiu a "ignorantes" e "imbecis" estava, obviamente, falando de pessoas como este que vos escreve. Visto, assim, a carapuça.

Aliás, não apenas visto a carapuça, como a reivindico. Sua fala somente reforçou minha convicção de que o Bolsa Família, assim como os demais programas do governo de V. Excia., é mesmo uma enorme farsa, o maior engodo eleitoreiro da História do País, como disse outro dia o Jarbas Vasconcelos. Não, não digo isso porque eu esteja ressentido com V. Excia. por ter-me chamado de "ignorante" e "imbecil" - ser xingado por V. Excia., mesmo indiretamente, é, para mim, motivo de orgulho e honra. Tampouco o faço porque esteja chateado por ter ficado de fora de alguma nomeação por um aliado seu no Senado via algum ato secreto, ou da distribuição de cargos em alguma estatal com base em critérios, digamos, pouco republicanos - únicos motivos, desconfio cada vez mais, pelos quals alguns políticos ainda se colocam na oposição ao governo de V. Excia. Nada disso. Faço-o porque, como direi?, eu concordo com V. Excia. Sim, concordo plenamente, em gênero, número e grau. Concordei durante vinte e cinco anos, aliás. Período no qual V. Excia., então o principal líder da oposição no País, não se cansava de verbalizar a mesma opinião que eu sempre tive sobre o assistencialismo, e que agora ataca de forma tão furibunda.

Quem tem mais de trinta anos deve se lembrar. Não faz tanto tempo assim, V. Excia e seu partido, o PT, investiam pesadamente contra o assistencialismo como forma de combater os males sociais. Afirmavam, na época, e eu concordava e concordo totalmente, que distribuir dinheiro ou cestas básicas é o mesmo que dar esmolas, não passa de um lenitivo. Além disso - as palavras ainda estão frescas em minha memória -, não cansavam de repetir, em alto (e mau) português, que o assistencialismo era apenas uma forma encontrada pelas classes dominantes ("as elites", como gosta de dizer V. Excia.) de promover o conformismo e adiar as necessárias transformações sociais. O importante era mudar as estruturas, ou, como dizia didaticamente meu professor de História da 5a série, não somente dar o peixe, mas ensinar a pescar. Com o tempo, esse discurso se refinou, até atingir, na época do governo do anterior de V. Excia., um nível realmente impressionante: dar dinheiro aos pobres, na forma de programas como o Bolsa Escola (base do Bolsa Família), era, então, uma "medida compensatória para minimizar os efeitos negativos do reajuste neoliberal". Essas palavras ainda ressoam em meus ouvidos, como se tivessem sido ditas ontem. Aliás, em termos históricos, elas foram, sim, ditas ontem. O que mudou, de lá para cá, para justificar virada tão repentina e radical?

Pois bem. Sou um "ignorante" e um "imbecil", segundo V. Excia., porque não consigo compreender, por mais que me esforce, por que o que ontem era denunciado por V. Excia. como assistencialismo é hoje um programa de "transferência de renda". Nunca fui muito bom em economia, mas sei que dar dinheiro a alguém não transfere nem cria renda coisa nenhuma - esta só é criada quando se gera emprego. O Bolsa Família, até onde eu sei, dá dinheiro às populações mais carentes. Logo, pode até ter um efeito positivo no curto e médio prazos, permitindo que as famílias mais pobres comprem uma geladeira mais moderna, ou façam uma refeição melhor. Mas daí a gerar ou transferir renda vai uma diferença muito grande. A longo prazo, que é o que interessa, programas semelhantes não ajudam a gerar ou a transferir renda a quem quer que seja, mas apenas estimulam aquilo mesmo que V. Excia. e a companheirada denunciavam com tanto vigor há poucos anos: o conformismo e a manutenção do status quo. Em outras palavras: o governo dá o peixe, mas não oferece nenhuma alternativa para que quem o recebe saia da situação em que se encontra. Pelo contrário: o governo de V. Excia. não se cansa de repetir que o programa está sendo aumentado e que irá incluir tantos milhões a mais de famílias. Ora, se o programa é para transferir renda e retirar pessoas da pobreza, como se diz, então o normal não seria que menos pessoas, e não mais, precisassem dessa ajuda governamental? Já se tem notícia de muita gente, principalmente no Norte e no Nordeste, que, com os 85 reais que recebe do Bolsa Família, resolveu mesmo largar o emprego e viver de brisa - ou melhor, da caridade estatal. Com isso, apenas perpetua-se um ciclo vicioso de nossa sociedade, que, como se sabe, nunca foi muito chegada num batente para ganhar a vida, preferindo mil vezes o leite emanado das tetas do Estado. V. Excia., que deixou de trabalhar há mais de trinta anos para desde então somente fazer política, é, aliás, um exemplo disso. O Bolsa Família é hoje o carro-chefe do governo de V. Excia., tendo sido o fiel da balança para sua reeleição e de seus aliados (gente boa e honesta como Sarney, Collor, Jader Barbalho e Renan Calheiros, entre outros), assim como o principal responsável por seus altos índices de popularidade. Outro dia, aliás, V. Excia. chegou a dizer, sem dúvida pensando em sua candidata para 2010, que o Estado deve ser uma "mãe". Se isso não é assistencialismo - e clientelismo, e fisiologismo, e demagogia, e perpetuação da pobreza e do atraso etc. -, o que é, então?

Entendo que nenhum desses argumentos irá fazer qualquer diferença para V. Excia., que, como já disse, não se dará ao trabalho de ler esta carta. Não interessa, para V. Excia., lembrar que outro dia seu discurso foi outro, sobre o mesmo assunto. Não interessa a V. Excia., certamente, vir a público e admitir, sem meias palavras, que tudo que V. Excia. fez na vida, desde que entrou para a política, foi enganar os otários, adotando no dia seguinte o discurso e a política que condenava na véspera, desde que esse discurso e essa política lhe rendessem dividendos eleitorais. Foi assim com o "discurso da ética na política", que antes a esquerda rejeitava como moralismo udenista, e que o partido de V. Excia., seguindo uma tendência geral, adotou integralmente após se abrir a possibilidade concreta de chegar ao poder após 1992 - e que V. Excia., que tem o apoio de Collor e Renan Calheiros, não fez outra coisa senão desmoralizar desde que subiu a rampa do Planalto. Foi assim também com a política econômica do governo anterior, que V. Excia. passou anos atacando como "neoliberal", e que, uma vez no poder, tratou de copiar ipsis literis.
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Em todas essas viradas de discurso, ficou claro que V. Excia. jamais foi contra a corrupção, ou o neoliberalismo, ou o que quer que seja - era contra apenas os governantes de plantão, os quais, por infelicidade, não eram V. Excia. Isso era simplesmente imperdoável, pois, como está claríssimo agora, impedia a Vossa Excia. fazer precisamente aquilo que, se estivesse no lugar deles, certamente faria, afastando-o de colher as glórias do poder. Assim, quando V. Excia. vociferava contra a corrupção ou a política econômica "neoliberal", não o fazia por nenhum compromisso moral ou programático, mas somente por oportunismo, por estratégia ou esperteza política. E, em nenhum dessas casos, ao mudar radicalmente o discurso, houve qualquer tipo de retratação, nenhuma confissão ou arrependimento, como fazem aqueles que sinceramente se convertem a um novo credo. Ao invés disso, V. Excia. chegou mesmo a fazer graça, admitindo, com um sorrisinho, que tudo que fizera antes de chegar ao poder fora apenas bravata. Com isso, reconheceu que o discurso anterior era tão-somente instrumental, e visava unicamente à tomada do poder. Com o assistencialismo, não é diferente.

Mas isso ainda não é o pior. Que V. Excia. esteja irritado com quem vê em seu governo apenas a repetição de velhos vícios e taras políticas nacionais, que existem nestas terras desde Cabral, é até compreensível. Aliás, não se espera de um governo, qualquer que seja, que não se defenda de críticas. Até aí eu consigo entender. Só não entendo, de jeito nenhum, é que tenha saido exatamente da boca de V. Excia. os dois epítetos utilizados para classificar seus críticos. Principalmente o "ignorantes". Ora, até as pedras da rua sabem que V. Excia. nunca foi lá muito chegado às luzes do conhecimento, e quem quiser se certificar disso é só verificar qualquer uma das inumeráveis gafes, cretinices e batatadas pronunciadas por V. Excia. nos últimos seis anos - como dizer que quer expandir o Mercosul "da Patagônia até a Terra do Fogo", por exemplo. Mais que isso: V. Excia. é responsável por um verdadeiro culto da ignorância, assumido gostosamente por uma legião de intelectuais (!) bajuladores em torno de sua pessoa, e segundo o qual o conhecimento adquirido "na universidade da vida" vale mais do que qualquer diploma. V. Excia., desde que deixou o sindicato, teve tempo e oportunidades de sobra para correr atrás e compensar sua formação escolar deficiente, que, como todos sabem, não passou da 4a série primária. Por que não o fez? Será que ler, estudar, assim como criticar o assistencialismo, é para "ignorantes" e "imbecis"?

Páro por aqui. Creio que o que escrevi aí em cima dá bem uma idéia do que penso a respeito de mais essa demonstração de boçalidade de V. Excia. Ter como presidente um sujeito que nunca leu um livro na vida, e que se orgulha e faz apologia da própria ignorância, já é motivo mais que suficiente para perplexidade. Ver esse mesmo sujeito chamar de "ignorantes" e "imbecis" quem chama as coisas pelo nome, é algo simplesmente impossível de descrever em palavras. É o reino do esquecimento e da estupidez, governado por um ignorante, a serviço da imbecilidade.
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Respeitosamente (ao cargo, não à pessoa),
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Gustavo ("Blog Do Contra")
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P.S.: Para ser justo, é preciso admitir que há duas áreas no governo Lula que mantêm uma certa coerência com o discurso petista anterior a 2002: a política externa e as chamadas políticas para as "minorias". Quanto à primeira, de fato a propaganda esquerdista original está sendo aplicada quase in totum, na forma de antiamericanismo tosco e de cumplicidade indisfarçável com tiranos, genocidas e terroristas. No segundo caso, os esquerdistas hoje no poder se dedicam ao máximo em rasgar o artigo 5 da Constituição, segundo o qual todos são iguais perante a lei, ao patrocinarem tentativas de segregar os indivíduos segundo critérios de cor, raça ou preferência sexual, instituindo cotas e privilégios em lugar de direitos. Isso mostra que, com Lula e seus sequazes, estamos mesmo num beco sem saída: se mudam o discurso, são farsantes e hipócritas; se o mantêm, são autoritários e intolerantes. Se ficar o bicho come; se correr, o bicho pega.

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