sexta-feira, outubro 10, 2008

Resposta a um leitor muito sensível

Alguém não gostou de meu texto "Inveja do Iraque", que publiquei neste blog em 1/11/2007 (http://gustavo-livrexpressao.blogspot.com/2007/11/inveja-do-iraque.html). Um leitor muito sensível e humanista, que se apresenta como "Marcos", escreveu o seguinte comentário ao texto:

"Na minha escala de valores, tortura é pior do que corrupção" Victor Meirelles

Seguindo nas linhas de nosso cineasta, um erro não justifica outro!

Sim, era algo bestial o que sofriam as populações iraqueanas e afegãs nos regimes rígidos de Saddam e do talebã respectivamente. Mas a presença dos EUA não deixa a desejar em totalitarismo, manipulação, controle rígido e humilhações à essas mesmas populações...

Então, elogiar a atitude norte-americana como a coisa mais louvável desde o fim da segunda guerra mundial quando acabaram com a nazismo... É algo que me dói ler.

Mesmo porque, graças a ação do exército da União Soviética, que impuseram a primeira derrota a Hitler - fazendo-o recuar, é que os americanos puderam derrotar os alemães e retomar o controle do centro da Europa.

Sem entrar na questão de quem seria o tal "Victor Meirelles" - acho que o gentil leitor se equivocou, trocando o cineasta Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus e Blindness, pelo pintor do século XIX -, concordo plenamente com a epígrafe, assim como com a conclusão do Marcos, de que "um erro não justifica outro". Só não concordo com sua maneira muito peculiar de "pensar".

Sim, concordo totalmente - em gênero, número e grau - com a afirmação de que a tortura é pior do que a corrupção. Aliás, vou mais além: na minha escala de valores, que acredito não seja só minha, mas a da civilização e da humanidade, a tortura é algo bestial e abominável, e o torturador é um canalha da pior espécie, que não merece perdão: é o escalão mais baixo da humanidade.

Pois bem. Não é outra coisa o que eu digo no texto comentado pelo Marcos, e que repito em vários outros textos no blog. O que eu digo? Algo muito simples, simplíssimo, que chega a ser atordoante por sua simplicidade: a tortura é algo criminoso, repugnante, nojento. A tortura com morte é pior.

Isso significa justificar a tortura? Significa aplaudir quem arranca as unhas com alicate e dá choque elétrico em prisioneiro?

Não.

Significa dizer tão-somente o que eu escrevi: torturar é mau; torturar e matar é pior.

Ou, em outras palavras: quem tortura é um torturador. Quem tortura e mata é um torturador e assassino.

Ficou claro? Ou preciso desenhar?

Acredito que o Marcos vai entender, se pensar um pouco, que apontar essa diferença não faz de mim um apologista da tortura, assim como espero que nem ele nem o Meirelles sejam justificadores da corrupção.

No meu texto - vamos lembrar - eu falo da prisão de Abu Ghraib, em que prisioneiros iraquianos foram torturados por soldados americanos, que foram devidamente punidos por isso. Lembrei que, na época de Saddam, os prisioneiros eram não só torturados, mas também chacinados, assassinados, e seus torturadores e assassinos eram não punidos, mas condecorados e promovidos por causa disso. Quem me chamou a atenção para esse detalhe - que é mais do que um detalhe - foi alguém que não tem nada de direitista: o jornalista inglês Chistopher Hitchens. Ele, ao contrário do Marcos, percebeu o óbvio: que o Iraque, desde que Saddam foi defenestrado, melhorou bastante, inclusive no terreno dos Direitos Humanos.

Dito isso, vejamos o que o Marcos quer dizer. Ele reconhece que as populações civis iraquiana e afegã sofriam sob o tacão de Saddam e do Talibã. É uma grande conquista dele reconhecer isso! Pelo menos ele não caiu na esparrela de dizer que o Iraque sob Saddam era uma espécie de Suiça do Oriente Médio, como muitos pareceram querer dizer na época da invasão anglo-americana... Mas, logo em seguida, ele vem com a seguinte tirada: "a presença dos EUA não deixa nada a desejar em totalitarismo, manipulação, controle rígido e humilhações a essas mesmas populações..."

Como é que é? Então a presença americana "não deixa nada a desejar" em termos de totalitarismo etc. e tal? É isso mesmo que eu li? Puxa, mas nem um pouquinho? Nem o fato de Abu Ghraib, por exemplo, ter deixado de ser um matadouro de carne humana como era na época do Saddam significa alguma coisa? Nem o fato de o Partido Baath, do Saddam, ter deixado de ser o partido único no poder? Ou o de que grupos como os xiitas e os curdos finalmente podem falar sem medo? Nada disso conta?

Fico pensando cá com meu botões qual deve ser o conceito de Totalitarismo para o Marcos. Porque, certamente, não é o mesmo que eu li, já faz alguns anos, no Dicionário de Política editado por Norberto Bobbio. A edição é um pouco antiga, o livro está um pouco gasto, mas acredito que a definição continua valendo. Lá, está dito que Totalitarismo é um regime político baseado nas seguintes características (para citar apenas algumas das mais importantes): 1) partido único de massas no poder, que se confunde com o próprio Estado ou se coloca acima dele; 2) ideologia e terror oficial, que se estende a todos (daí o nome Totalitarismo) os aspectos da vida social e pessoal, inclusive à religião; 3) mobilização constante do povo mediante a vigilância onipresente da polícia secreta e o monopólio dos meios de comunicação de massa; 4) culto da personalidade do chefe.

Agora, me digam: todos esses aspectos caracterizavam que regime, e que país? Não o Iraque de hoje, certamente. Mas se você respondeu o Iraque de Saddam, acertou em cheio. Em 2005, pela primeira vez o Iraque teve eleições livres e democráticas - pela primeira vez, em mais de 3 mil anos de História! Pela primeira vez também, desde Saddam, os xiitas (60% da população) podem rezar livremente, e inclusive até mandar bala nuns gringos de vez em quando. Pergunte a algum xiita ou curdo iraquiano o que ele acha dos americanos e provavelmente ele dirá que os detesta. Agora, pergunte se ele deseja o retorno da tirania de Saddam... Não, Marcos, Totalitarismo foi o que os EUA derrubaram no Iraque e no Afeganistão, e não o que implantaram.

Agora eu entendi por que o autor do comentário a meu texto disse que lhe doía ler que a derrubada de Saddam e do Talibã foram as duas coisas mais acertadas que os EUA fizeram desde a Segunda Guerra Mundial. É que a Lógica é uma deusa implacável, que pode ser também muito dolorosa. Principalmente para quem nutre crenças infantis há muito arraigadas, baseadas num antiamericanismo primário e idiota. Mas para que ninguém tenha dúvidas nem interprete mal minhas palavras, vou deixar bem claro, em letras garrafais, o que achei da decisão dos EUA e de seus aliados de enxotar o Saddam do poder no Iraque: FIZERAM MUITO BEM!

Agora, uma pequena lição de História.

Não Marcos, não foi "graças à ação do exército da União Soviética" que os alemães sofreram sua "primeira derrota" na Segunda Guerra Mundial. A primeira derrota de Hitler - pergunte a qualquer historiador do conflito - foi para a GRÁ-BRETANHA, então governada por um famoso conservador e anticomunista, Winston Churchill, na chamada Batalha da Inglaterra, em agosto-setembro de 1940. Mais de dois anos antes de o glorioso exército vermelho de Stálin ter começado a reverter a maré a seu favor, em Stalingrado, e quase um ano antes de a URSS ter entrado na guerra. Enquanto isso, Stálin e Hitler eram na prática ALIADOS, tendo assinado em agosto de 1939 o infame "pacto de não-agressão" que dividiu a Polônia e... abriu as portas para a guerra! Stálin, aliás, poupou a Hitler grande parte do trabalho, ao mandar fuzilar quase um terço dos oficiais superiores militares soviéticos antes da guerra. Não foi a URSS que salvou o Ocidente na Segunda Guerra; foram os ianques imperialistas e seus aliados ocidentais que salvaram o mundo (e a própria URSS) do nazi-fascismo, e ainda permitiram que os comunistas de Moscou satelizassem o Leste Europeu. Não gosto de me gabar, mas sou tentado a dizer: nunca tente ensinar História a quem já foi professor da matéria.

Aliás, é curioso como, para apoiar seu ponto de vista sobre tortura, nosso amigo resolva mencionar a finada URSS. Logo um país em que, como todos nós sabemos, não havia tortura, nem totalitarismo, nem humilhação de populações inteiras... Assim como outros países atualmente, como Cuba e Coréia do Norte. Tenho certeza de que o Marcos, que é uma pessoa muito sensível e humanista, deve estar roendo-se de indignação pelo que acontece nesses lugares. Afinal, um "erro" não justifica outro, não é mesmo?...

Enfim, perceber que ainda há gente que fecha os olhos para o que está dito aí em cima... é algo que, realmente, me dói ler.

Um comentário:

José Ricardo Weiss disse...

Talvez um outro resuminho de História (não aquela contada pelos esquerdistas), sobre a participação da URSS na 2a. Guerra, clareie a mente do jovem:
A guerra fronteiriça contra o Japão e a inquietação diante dos progressos alemães em 1939 provocaram a assinatura de um pacto de amizade e de não-agressão entre a Alemanha e a URSS (conhecido como Pacto Ribbentrop-Molótov) que, em uma cláusula secreta, determinava a partilha da Polônia e as esferas de influência de ambos os países na Europa Oriental. Em 1º de setembro, a invasão alemã da Polônia levou a França e a Grã-Bretanha a declararem guerra a esse país. Assim começou a II Guerra Mundial. Dezesseis dias mais tarde, o Exército Vermelho ocupava a parte oriental da Polônia. A ocupação do leste da Polônia foi a primeira de uma série de anexações territoriais que afetaram a Estônia, a Letônia, a Lituânia, a Carélia, a Bessarábia e a parte setentrional da Bucovina. Os pactos de não-agressão impostos pela URSS aos países bálticos lhe deram o direito de estacionar tropas nesses territórios. No final de 1939, o governo soviético exigiu da Finlândia a cessão do istmo da Carélia, o que originou a Guerra Russo-finlandesa. Segundo os acordos do tratado de paz, a URSS ficou com os territórios do istmo da Carélia e o porto de Viborg. Ao mesmo tempo, dirigiu seus objetivos para os Balcãs. Exigiu da Romênia a devolução da Bessarábia e a entrega do norte da Bukovina. Entretanto, em 1941 firmava com o Japão um pacto de neutralidade. Em junho deste ano, a Alemanha invadiu a URSS, e em janeiro de 1942, após aceitar os princípios da Carta do Atlântico, o governo soviético e outros 25 governos dos países aliados assinaram uma declaração através da qual se comprometiam a cooperar na guerra contra as potências do Eixo. Enquanto no norte os alemães freavam seu avanço para Moscou, no sul foram finalmente detidos e derrotados na épica batalha de Stalingrado (hoje Volgogrado). Em 8 de maio de 1945 acabou a guerra na Europa. Três meses mais tarde, segundo um tratado secreto, a URSS declarou guerra ao Japão e ocupou grande parte da região de Dongbei Pingyuan ou Manchúria, da Coréia do Norte, das ilhas Kurilas e a parte meridional da ilha Sakhalin. No final da guerra foi reconhecida como uma das grandes potências mundiais e participava junto aos chefes de governo dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha das conferências de Teerã, Ialta e Potsdam para estabelecer uma política comum. Em 1947, já havia sido desenhada a chamada Cortina de Ferro.
O governo soviético encarou os problemas do pós-guerra com uma política expansionista destinada a aumentar os territórios controlados pelos governos comunistas leais, fortalecer sua segurança na previsão de futuras agressões e utilizar o movimento comunista internacional como instrumento para incorporar outros países a sua órbita, o que gerou o conflito conhecido como Guerra fria. Em 1948, a Tchecoslováquia caiu sob o controle da URSS. Em troca, a Iugoslávia, dirigida pelo marechal Tito, foi expulsa da Oficina de Informação Comunista (Kominform) e Tito se transformou no porta-voz máximo do não-alinhamento durante a Guerra fria. Essa situação conduziu à criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1949. A URSS, por sua vez, fundou nesse mesmo ano o Conselho de Ajuda Econômica Mútua (COMECON) para coordenar a atividade econômica dos Estados sob seu controle. As relações com a China durante esse período foram conciliatórias e o Exército vermelho se retirou da Manchúria.