quarta-feira, outubro 22, 2008

A IMPRENSA E O MAU HUMOR ESQUERDISTA


- Fala, Dona Marta!
- Fala, Genoíno!

A candidata petista à prefeitura de São Paulo, Dona Marta Suplicy, não fala com os humoristas do CQC - Custe o Que Custar -, programa que, comandado por Marcelo Tas, vai ao ar todas as noites de segunda-feira na rede Band de televisão. O deputado federal e ex-presidente nacional do PT, José Genoíno, também não. Sempre que avistam um dos rapazes de terno escuro e microfone, viram o rosto e tratam de fugir como o diabo da cruz, ou fecham a cara e saem pisando fundo, espumando de raiva. Na semana passada, um dos repórteres do programa, Danilo Gentili, foi quase agredido pelos cabos eleitorais de Marta durante passeata da candidata do PT na periferia de São Paulo. Em meio a cotoveladas e pisões no pé, os pit-bulls de Marta tentaram arrancar à força o microfone das mãos de Danilo, fazendo um cordão para impedi-lo de entrevistar ou sequer de chegar perto de Marta. Do alto de suas várias camadas de Botox e de toneladas de empáfia, esta o ignorou solenemente, olimpicamente, como fizera das outras vezes, esquivando-se de qualquer pergunta embaraçosa.

O humorismo do CQC ou do Pânico na TV pode ser meio tosco, até infantil - confesso que já ri mais lendo alguns artigos "sérios" na Folha de S. Paulo -; em alguns casos, principalmente no Pânico, beira mesmo a grosseria. Mas vale pela ousadia com que demole a pose de eternos bons-moços e a pretensa seriedade de celebridades da política e do show-business. Estas, diante dos microfones e das perguntas atrevidas, sem a ajuda dos marqueteiros e assessores, ficam desorientadas, despidas de toda a persona que criaram para si mesmas, sendo reduzidas à condição de meros mortais que de fato são. Tais gracinhas já custaram ao pessoal do CQC uns bons tapas na orelha e até uma expulsão do Congresso, no qual só puderam pôr os pés novamente depois de uma campanha de assinaturas na internet. Em outras palavras, as perguntas do CQC são uma excelente maneira de desmascarar os esnobes e pretensiosos, fazendo-os descer do salto e perder a pose. Além de ser algo engraçado de se ver.

Alguns dias atrás, a turma do CQC esteve entrevistando o Reinaldo Azevedo, durante o lançamento de seu livro O País dos Petralhas. Na ocasião, o lançamento foi chamado de uma "convenção da direita". Reinaldo saiu-se bem das perguntas, e não demonstrou nenhum constragimento em respondê-las. Pelo contrário: com a verve que só os que não têm nenhum rabo preso com quem está no poder possuem, até escreveu um texto em seu blog elogiando o programa. No mesmo dia, foi ao ar uma entrevista com vários participantes de uma cerimônia em homenagem aos 40 anos do XXX Congresso da UNE - aquele em que todos os estudantes foram presos -, entre os quais Zé Dirceu e Tarso Genro. Diferentemente do que houve na tal "convenção da direita", os esquerdistas entrevistados se mostraram visivelmente desconfortáveis com a presença dos homens de preto - "cuidado com esse cara" ou "não responde, não" foram algumas das frases repetidas entre si pelos presentes ao convescote, como se estivessem ainda nos tempos de clandestinidade, quando fugiam não da imprensa, mas do DOPS. A conclusão do CQC foi que a "direita" (seja lá o que isso for) é muito mais bem-humorada do que a esquerda.

A conclusão é óbvia, e nem precisaria acuar um José Genoíno com perguntas sobre cuecas recheadas de dólares e coisas do tipo para constatar o que segue: a esquerda, sobretudo os petistas, tem uma séria dificuldade em lidar com a imprensa, principalmente com a imprensa que não é de esquerda nem petista. Para eles, jornalismo, só se for a favor. Humor, idem. Dar entrevistas, só se for para reforçar e embelezar a própria biografia, muitas vezes construída às custas dos fatos. Se for para tentar arrancar risos da platéia, nada feito. Nada de piadas: afinal, trata-se de gente muito séria, empertigada, que tem uma "história", uma "missão", e, como tal, exige respeito e reverência.

Esse relacionamento dos políticos de esquerda com os programas de humor - a forma mais subversiva de jornalismo - revela mais sobre os petralhas do que muitos livros ou tratados. A intolerância dos esquerdistas com quem não reza segundo o figurino por eles traçado é o produto de décadas de adulação por parte da imprensa dita "séria", que elevou figuras como Genoíno e Lula à condição de seres quase divinos, abstendo-se de perguntar o que estes não querem responder. Basta um grupo de jovens repórteres atrevidos quebrar essa rotina e perguntar aos mesmos o que o sujeito em casa quer saber, de maneira provocadora e irreverente, e os nossos salvadores da pátria saem literalmente do sério. Esse traço autoritário fica impossível de se disfarçar, sendo revelado com todas as suas carrancas. Com tais reações hilárias, os esquerdistas apenas comprovam o velho ditado: quem não suporta o escracho e perde a capacidade de rir de si próprio, quem não consegue conviver com o deboche e se leva demais a sério, além de virar um chato, não merece ser levado a sério.
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Aliás, é bom que se diga: durante muito tempo, o humor foi a arma da esquerda para espinafrar quem pensava diferente dela. Desde a época de Aparício Torelly, o célebre Barão de Itararé, que militava no antigo Partido Comunista. Quem não se lembra do Henfil, o irmão cartunista do Betinho, com suas charges n'O Pasquim? O que Torelly foi para o PCB, Henfil foi para o PT nos anos 80, chegando ao ponto de patrulhar ideologicamente os demais artistas e escritores. Agora que a esquerda e o PT deixaram de ser pedra para virar vidraça, o humor deixou de lhes ser útil. Mais uma vez se comprova a máxima de Abraham Lincoln: "qualquer um pode suportar a adversidade; mas se você quer conhecer o caráter de alguém, dê-lhe poder".
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Assim como - segundo disse certa vez Millôr Fernandes - a imprensa que se preza precisa ser do contra, não existe humor a favor. Principalmente a favor dos que estão no governo. Nesse ponto, estamos engatinhando ainda. Os brasileiros gostam de pensar que são um povo malandro e irreverente, sempre pronto a zombar dos governantes. Mas a maioria dos programas humorísticos no Brasil evita falar mal dos políticos. Quando o fazem, é quase sempre de maneira caricatural, sem dar nomes aos bois. Quando falam de Lula, por exemplo, é meio que pisando em ovos, de forma oblíqua. No máximo, brincam com seu português trôpego, mas sempre de maneira a não ferir alguma suscetibilidade politicamente correta. Nunca vi um humorista, de televisão pelo menos, perguntar a Lula por que ele não estudou, ou por que ele insiste em dizer que Fidel Castro é um democrata, certamente a maior piada de todas. Mesmo quando parecem criticar, estão na verdade adotando uma postura bastante respeitosa, quase reverencial, diante do Grande Molusco. O que mostra que temos muito ainda a avançar, inclusive no terreno do humor.

O ideal de jornalismo, e de humor, para os lulistas, não é o CQC. É a TV Brasil, a LulaNews. Isso, por si só, já é uma piada. Ou seja: os lulistas querem, sim, que haja imprensa - mas uma imprensa institucionalizada, esterilizada, domada, toda aplauso e elogios, bem-comportada, reverente, sem nenhum humor, nenhum senso crítico. É somente para esse tipo de imprensa que Dona Marta e Genoíno abrem um sorriso.

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