segunda-feira, julho 28, 2008

ODEIO A POLÍTICA. POR ISSO ESCREVO SOBRE ELA


"Political language — and with variations this is true of all political parties, from Conservatives to Anarchists — is designed to make lies sound truthful and murder respectable, and to give an appearance of solidity to pure wind." - George Orwell, "Politics and the English Language" (1946)

Numa tradução meio literal, a frase acima quer dizer o seguinte: "A linguagem política - e com variações isso é verdade para todos os partidos políticos, dos conservadores aos anarquistas - destina-se a fazer mentiras soarem verdadeiras e o assassinato respeitável, e a dar uma aparência de solidez ao puro vento". Escolhi-a para iniciar este texto pois ela traduz, como poucas, o verdadeiro sentido da política, e serve para explicar uma questão que vez ou outra me fazem: por que, afinal de contas, com tanta coisa mais amena e interessante sobre a qual pensar, este blogueiro perde seu (pouco) tempo de ócio escrevendo sobre política e seus atores?

Quem quiser saber de verdade a resposta para a pergunta formulada acima deve ler O Príncipe, de Maquiavel. Toneladas de papel foram gastas para tentar explicar se o pequeno livro do sábio florentino era imoral ou não - a Igreja Católica, pelo menos, não teve dúvidas, e tratou de colocá-lo em um lugar de destaque em seu índice de livros proibidos, o Index Librorum Prohibitorum. Há quem admire sinceramente o autor, e há quem o abomine completamente. Basta dizer que, em inglês, o apelido "Old Nick" (velho Nick, diminutivo de "Nicolas") passou a designar, na linguagem cotidiana, o Diabo, o rabudo, o cramulhão, o coisa ruim. O termo "maquiavélico", também, passou ao vocabulário com o significado de mau, imoral, diabólico etc., enfim, de tudo que há de ruim e perverso na alma humana. Mas o fato é que, goste-se ou não de Maquiavel e de sua obra, é impossível ignorá-la. Ainda mais nos tempos em que vivemos. Ainda mais no governo Lula. Ainda mais em época de eleição.

Há pelo menos duas maneiras de interpretar o que diz Maquiavel em O Príncipe: uma, mais tradicional, é como um manual de maldades. Esse é o sentido que geralmente se dá ao livro, como se ele fosse nada mais do que uma coletânea de perversidades cometidas pelos governantes, e como se deve praticá-las sem correr o risco de ser desmascarado e pagar por isso. Coisas como democracia, liberdade, verdade, moral, segundo essa visão, não seriam mais do que palavras vazias, que deveriam ser usadas pelos governantes apenas como uma forma de enganar os trouxas e garantir o poder. De acordo com essa visão, o livro teria sido escrito para os governantes da época, na Florença do Século XVI, e desde então tornou-se um manual para os políticos ou para executivos gananciosos.

Outra maneira de ler o clássico de Maquiavel é enxergar o pequeno tratado de política não como um manual, mas como uma advertência. Essa é a minha leitura preferida. Segundo ela, o livro não foi escrito para os políticos, mas para o vulgo, o povo, os mortais comuns. Em outras palavras: para quem não suporta a política, nem os políticos. A descrição feita por Maquiavel das técnicas para tomar e manter o poder, do mau-caratismo dos governantes, seria, assim, uma forma de denúncia, uma maneira de tirar o véu da política, vista até então como uma atividade sagrada, revelando toda sua fétida e terrível humanidade. Com Maquiavel, a política, entendida pela primeira vez como uma atividade humana, perdeu o caráter sagrado que lhe dava a filosofia cristã medieval. Desde então, a imagem do político, do sujeito que dedica sua vida a conquistar poder e angariar cargos estatais, mudou completamente, e definitivamente, sofrendo um rebaixamento drástico e radical: do "rei iluminado" da Idade Média, passou aos espertalhões e vigaristas de hoje, aos zé dirceus e Lulas da vida.

É por isso que escrevo sobre política, e não sobre poesia ou literatura: porque, apesar de gostar dessas atividades, ao contrário da política, escrever sobre esta última é algo imperioso, um dever de consciência. É por isso também que pego tanto no pé das esquerdas: porque ninguém, na atualidade, se encaixa tão perfeitamente no modelo maquiaveliano do político quanto eles, os bambambãs, os gostosões, os companheiros donos da verdade e salvadores do mundo. Em sua capacidade de enganar e de mentir, os esquerdistas superam qualquer um, deixam os collors e os malufs no chinelo. Não somente por terem se atribuído um papel messiânico e convencido a muitos disso, mas principalmente por encarnarem aquilo que George Orwell tentou denunciar: juntamente com a inversão moral, com a desconstrução de todos os valores tradicionais como meras "convenções burguesas", o esquerdismo resultou na perversão da linguagem, de fato na invenção de uma nova língua (a "novilíngua" orwelliana), em que as palavras adquirem um sentido completamente diferente de seu significado do dicionário, de acordo com as conveniências políticas do momento. Daí o lema do partido no romance mais conhecido de Orwell, 1984: "liberdade é escravidão/guerra é paz/ignorância é força".

Vejam o uso que os petistas fazem das palavras, por exemplo. Em 2005, todos assistiram estarrecidos a um desfile interminável de acusações envolvendo o governo Lula. O que fizeram os petistas na hora de se explicarem? "Caixa dois", na boca dos petistas, virou "recursos não-contabilizados". "Mensalão" e "corrupção" tornou-se "complô da mídia e das elites". "Crime" virou "erros de alguns companheiros" e assim por diante. No auge do escândalo, o próprio Lula veio à TV dizer que "todos fazem igual" (antes, dizia-se diferente dos outros). Forçado a se explicar, o Apedeuta descobriu um novo uso para uma palavra da língua portuguesa, inventando a traição sem traidor, dizendo-se "traído" (por quem? até hoje não respondeu). Agora que querem revisar a Lei de Anistia para punir apenas um lado do conflito dos anos 60 e 70, essa novilíngua e esse duplipensar esquerdistas ficam ainda mais evidentes: terrorista é "guerrilheiro"; assalto a banco é "expropriação"; assassinato é "justiçamento", e por aí vai... (os que participaram ou colaboraram com a repressão, por sua vez, serão sempre criminosos e torturadores, não importa se isso for verdade ou não).

Este ano teremos eleições. Nessa época, a novilíngua aparece de forma redobrada. Podem apostar o quanto quiserem. Haverá uma enxurrada de candidatos, de todos os partidos, maltratando a lingua pátria. E não falo em termos puramente gramaticais, como o Molusco já se tornou useiro e vezeiro em fazer, mas nos termos da perversão lingüística denunciada por Orwell. Os candidatos, como sói acontecer, usarão e abusarão de frases feitas como "é preciso redistribuir renda", "mais saúde", "mais escolas", "mais educação","justiça social" etc. etc. Não se enganem: quando um esquerdista, ou qualquer outro político, fala esse tipo de coisa, quer dizer, na verdade, "vou aumentar os impostos", "quero me dar bem" ou "o poder, o poder". É claro que, por serem políticos, eles jamais vão admitir isso. Não podem fazê-lo, pois deixariam de ser políticos.

Pode não parecer, mas eu detesto a política. Detesto mais ainda os que se metem em política. Os que vivem para ela, ou melhor, para o poder. Aliás, detesto não é a palavra: eu os desprezo. Acho uma prova da maior canalhice usar as esperanças dos miseráveis e a incultura do povão para atingir o que se quer. Para mim, os políticos são todos - todos - uns pilantras e uns farsantes. Quem quiser perder minha amizade, que se candidate nas eleições. Acho a política uma coisa suja e porca, a mais degradante das atividades humanas. É exatamente por isso que eu a estudo.

Não conheço nenhuma obra política importante escrita por um deputado ou governador brasileiro, nem mesmo por um presidente da República (desnecessário dizer que o atual presidente, que jamais leu um livro na vida e que é louvado por muita gente por causa disso, não vai se dar, um dia, a esse trabalho). Para eles, que amam o "pudê", não convém confessar suas verdadeiras intenções; estão muito mais preocupados em fazer política do que em pensar sobre ela. Daí porque a frase de Orwell que abre este texto, assim como a referência a Maquiavel, ajusta-se perfeitamente ao que penso sobre política, e por que escrevo sobre política.

Os que gostam da política viram políticos. Os que a detestam, como eu, escrevem sobre ela.

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